Todas estas questões indescritivelmente esquisitas sobre números, propriedades, indivíduos, espaço, tempo, causalidade, mentes, possibilidade, probabilidade, necessidade, obrigação, razões, leis, Deus… Não só são as questões individualmente esquisitas, como em conjunto não formam mais do que um caos, sendo um desafio a qualquer tentativa de as reduzir a uma sequência racional. E para mais nenhuma das questões parece alguma vez chegar a ser finalmente respondida. É realmente uma cena perturbadora, quando nos afastamos e contemplamos o todo. O mais penoso é o contraste que apresenta relativamente à ciência, tomada como um todo. Na verdade, dificilmente é possível a alguém […] não se perguntar por que razão há-de haver filósofos, de todo em todo; ou pelo menos perguntar-se por que razão há-de haver tantos, pagando-se a todos grandes quantidades de dinheiro retirando-o a outras pessoas mais úteis.
A última questão é absolutamente irrespondível, na minha opinião. Mas a primeira penso que consigo responder. A pista vital para ter em mente é que as pessoas, incluindo os cientistas, são apenas pessoas, no final de contas: pobres criaturas cindidas e complicadas como o leitor. Tome-se o Professor AB, o nosso distinto geneticista, membro do tal-e-tal, que ganhou o prémio tal: que homem esperto ele deve ser! Bem, é verdade, de certo modo, mas ele não é uma essência vítrea de conhecimento genético; ele é também muitas outras coisas, e uma delas é que por acaso é um metodista cabeça de vento. Ou tome-se CD, um físico dos melhores; mas acontece que leva Yuri Geller a sério, ou acredita que a última física vindica a filosofia espiritualista de Berkeley. O Professor EF de matemática pura, à beira da reforma, começa a fazer os seus muito ocupados colegas perder a cabeça perguntando coisas como “Mas, no final de contas, o que raio é afinal um número?” GH acabou a sua carreira como economista mas a mola real da sua vida foi uma visão que tomou de alguns filósofos do século XIX de um paraíso no qual “as massas operárias” se emancipam. (Não se deu conta de que, onde vive, as massas deixaram há muito de ser operárias.) O Professor de História, IJ, nem sempre consegue calar as suas perplexidades sobre a inevitabilidade histórica, e dá consigo a perguntar, como os filósofos, quais são as condições de verdade de uma afirmação como “Hitler teria ganho a guerra se não tivesse atacado a Rússia”. KL, o Professor de Medicina, ainda que nada mais o empurre nessa direcção, é levado pela sua nova tecnologia a enfrentar deliberações agonizantes sobre os deveres de um médico para com os seus doentes. E assim por diante. Por outras palavras, as pessoas inteligentes, entregues a si mesmas, acabarão por filosofar, mais tarde ou mais cedo, seja qual for o campo de trabalho intelectual a que se entreguem, ou mesmo que a nenhum se entreguem. O impulso para a filosofia é de facto tão natural e tão forte que nada se conhece, excepto o terror totalitarista, que consiga reprimi-lo em absoluto. Numa sociedade não-totalitarista, pois, a filosofia será feita, e a única questão prática que resta é como haverá melhores hipóteses de ser bem feita, ou por quem.
E eis que chega o último facto. Há filósofos que pensaram durante mais tempo e melhor sobre a ética da medicina do que o professor de medicina alguma vez teve tempo de fazer. Há filósofos que pensaram durante mais tempo e melhor sobre a experiência das duas fendas do que os físicos. Há filósofos que pensaram mais tempo e melhor sobre os fundamentos da matemática do que alguma vez será provável que um matemático o faça. E assim por diante. Tenho consciência de que um filósofo não pode dizer isto da sua profissão sem trair uma certa arrogância. Contudo, é a verdade literal. E é uma justificação suficiente para a existência de uma classe de pessoas especialmente formadas em filosofia. Como classe, os filósofos nunca são bem vistos pelos seus colegas universitários. A acusação que nos lançavam costumava ser que andávamos perdidos em generalidades nebulosas. Hoje em dia a acusação é habitualmente ao contrário: que negligenciámos “as grandes questões” a favor de tecnicismos minuciosos e despropositados. Esta acusação é falsa, mas é inteiramente compreensível que a façam. O padrão de rigor em filosofia subiu imenso neste século, e este facto, só por si, é suficiente para explicar a fragmentação das grandes questões únicas em muitas questões menores, e o consequente abrandamento de todo o processo. A quem observa a partir do exterior, não podendo ver a floresta devido às árvores, a coisa parece naturalmente como se jamais pudesse ter a mais remota conexão seja com o que for de interesse, de modo que um químico teórico, por exemplo, olhará provavelmente para nós pensando “Lá vai mais um maldito filósofo: para que os alimentamos nós?” Bom, estes pensamentos não são irracionais; mas estão errados. Ao mesmo tempo que nos desprezam, os nossos colegas têm também medo de nós. Também isto não é falho de fundamento racional! Em qualquer tipo de argumentação os filósofos são homens tenazes (alguns dos quais são mulheres), e a maior parte das pessoas não querem atravessar-se no nosso caminho mais do que uma ou duas vezes.