Imagine que está em casa e tanto o rádio como a lâmpada se desligam subitamente. Uma explicação para o que aconteceu é que houve um corte de eletricidade. Outra explicação é que o rádio e a lâmpada pifaram ao mesmo tempo. Qual das duas explicações parece mais plausível? Em casos como este a maioria das pessoas opta pela explicação mais simples, que é a primeira. A explicação mais simples parece ter mais probabilidades de ser verdadeira, parece melhor.
Esse hábito de pensar que a explicação mais simples é normalmente a explicação correta se tornou um critério muito utilizado pelos filósofos para escolher teorias: se duas teorias rivais são iguais em todos os outros aspectos, mas uma é mais simples, os filósofos optam pela mais simples. Isto parece indicar que a simplicidade é uma virtude teórica: que as teorias mais simples são melhores.
A simplicidade das teorias é uma questão de grau e comparação: uma teoria não é mais simples por si, é mais simples tendo em conta outras teorias. Uma teoria pode ser mais simples do que outra de quatro maneiras diferentes:
1 e 2 são casos de parcimônia ontológica e 3 e 4 são casos de elegância sintática.
Um exemplo de comparação teórica que envolve a parcimônia ontológica ocorre na discussão em filosofia da mente entre dualistas e fisicistas. Os dualistas postulam a existência de dois tipos de substâncias, as físicas e as mentais, ao passo que os fisicistas postulam a existência de apenas um tipo de substância, a física. Nesse caso parece natural dizer que as teorias fisicistas são melhores do que as dualistas, pois têm um grau maior de parcimônia ontológica.
É importante observar que a parcimônia ontológica e a elegância sintática nem sempre andam juntas. Na verdade, a opção por uma ontologia mais parcimoniosa pode acarretar uma perda de elegância sintática. Isso é claro na discussão em metafísica entre nominalistas e realistas acerca de universais. Suponhamos dois objetos semelhantes entre si. Para um realista, além destes dois objetos há outra entidade, um universal, que é a própria relação de semelhança. Os nominalistas negam isso e argumentam que não precisamos acrescentar uma terceira entidade, chamada “semelhança”. O realista argumenta que precisamos admitir a existência de universais, pois aparentemente nos referimos a eles o tempo todo. O nominalista responde, dizendo que podemos parafrasear o nosso discurso acerca de universais em termos que evitam qualquer menção a universais. Uma frase como “A coragem é uma virtude moral”, que parece referir os universais “coragem” e “virtude”, pode ser parafraseada pelo nominalista como “As coisas corajosas são coisas moralmente virtuosas” — o que evitaria qualquer menção a universais.
Por um lado, a teoria nominalista é mais simples do que a realista, pois é mais parcimoniosa ao não postular a existência de universais. Por outro, é mais complicada, pois o ato de postular universais permite que a teoria realista tenha uma formação mais simples: as paráfrases do nominalista para evitar a menção a universais exigem um vocabulário maior para serem expressas. Neste caso, uma teoria que é mais simples devido à parcimônia ontológica pode ser mais complexa em termos de elegância sintática, e vice-versa. Esta troca entre elegância sintática e parcimônia ontológica sugere que é preciso mais do que dizer qual das duas teorias é mais simples: é preciso especificar em que sentido uma das teorias é mais simples.
Mas haverá justificação para pensar que a simplicidade teórica é um indicador de verdade? Os filósofos apresentaram várias tentativas de responder afirmativamente a essa questão. Uma é a justificação estética: as teorias mais simples são melhores, pois são mais agradáveis ao intelecto, são mais elegantes. O problema desta justificação é que a investigação filosófica não pode ser uma questão de gosto: uma teoria pode agradar a um intelecto e desagradar a outro. E mesmo que houvesse consenso entre os filósofos acerca das teorias que mais agradam ao intelecto isso seria apenas um consenso, e não uma justificação de que é a teoria mais simples a que mais corretamente representa a realidade.
Eis outra resposta: as teorias mais simples são melhores porque são mais fáceis de compreender e utilizar. Esta seria uma boa razão para aceitarmos teorias mais simples, pois as nossas aptidões cognitivas e o tempo de que dispomos para avaliar teorias são limitados.
Esta justificação enfrenta vários problemas: ela nos dá razões práticas para aceitar uma teoria, mas não nos dá razões para acreditar nela. Se a simplicidade não é um indicador de verdade e ainda assim preferimos teorias mais simples, estamos agindo de maneira irracional. Além disso, enfrenta um problema que é comum à justificação estética: ambas parecem funcionar apenas se entendermos a simplicidade enquanto elegância sintática. Uma teoria ontologicamente mais parcimoniosa pode ser menos elegante e mais difícil de compreender.
Uma justificação satisfatória do critério de simplicidade tem de ser baseada em algo mais sólido do que a beleza e a utilidade: é preciso mostrar por que razão as teorias mais simples têm maior probabilidade de serem verdadeiras. Poderíamos argumentar o seguinte: as teorias mais simples têm em geral uma maior probabilidade de serem verdadeiras porque as teorias mais complexas são mais numerosas. O ato de postular novas entidades ou aumentar o vocabulário permite múltiplas teorias possíveis acerca dessas novas entidades e inúmeros desenvolvimentos desse vocabulário. Portanto, há tantas mais teorias complexas do que simples que cada teoria simples é ainda mais provável do que cada teoria complexa.
Esta justificação não só é esclarecedora como também não depende de uma das causas mais comuns para a crença na simplicidade: a ideia de que as teorias mais simples têm uma maior probabilidade de serem verdadeiras porque o mundo é simples. Mesmo um cético quanto à simplicidade e à elegância do mundo pode aceitar essa justificação.
Contudo, ela enfrenta algumas objeções difíceis. O argumento pretende oferecer uma justificação global da simplicidade, que justificaria a sua aplicação independentemente das circunstâncias, mas temos boas razões para pensar que só há justificações contextualizadas da simplicidade. O que há de comum entre um bom médico e um bom pintor é pouco, embora ambos sejam bons nas suas respectivas atividades. O mesmo se pode dizer acerca da simplicidade: o que torna a simplicidade relevante num contexto pode não ter qualquer relação com o que a torna relevante noutro, mesmo que seja a simplicidade nos dois casos. Não há a justificação do critério de simplicidade, mas apenas várias justificações locais para cada caso em que ela é empregada.
Outro problema é que complexidade e simplicidade são noções comparativas, cujo significado é influenciado pelo ponto de vista do filósofo em questão, o que dá margem para arbitrariedades e preconceitos na avaliação teórica: um filósofo que defende a existência de universais tende a considerar as teorias realistas como mais simples e elegantes e a rejeitar as teorias nominalistas por serem excessivamente complicadas e deselegantes. Desse modo, o uso de simplicidade como critério apenas reflete o preconceito de quem o utiliza.
De qualquer modo, mesmo admitindo que a simplicidade seja justificada como um critério para escolher teorias, dificilmente há casos na filosofia em que as teorias rivais são igualmente boas em todos os outros aspectos. Isto mostra que a simplicidade como um recurso para decidir entre teorias rivais ou é injustificada ou tem uma aplicação quase insignificante.
Matheus Martins Silva
Infelizmente, a maior parte da bibliografia sobre a simplicidade é voltada para o seu uso na avaliação de teorias científicas. Tentei indicar aqui algumas leituras que levam em consideração o seu uso na filosofia.