Este é um livro estranho de um economista, no mínimo, controverso. Na verdade, Steven D. Levitt nunca escreveu qualquer livro, incluindo este, que foi escrito (ou compilado) pelo jornalista Stephen J. Dubner do New York Times e da New Yorker, com base em artigos científicos publicados por Levitt. Apesar do sub-subtítulo ser um pouco exagerado, o subtítulo já assim não o é. Esta obra, efectivamente, aventura-se pelo estranho mundo da economia, fazendo as perguntas necessárias para as respostas que andam por aí, à frente dos nossos olhos na vida do dia-a-dia. Como referem os autores na introdução, se a moral representa a forma como gostaríamos que o mundo funcionasse, a economia mostra-nos como ele realmente funciona.
A questão reside em procurar fazer as perguntas correctas. E aquelas que nos são apresentadas pelos autores como interessantes serão no mínimo estranhas e surpreendentes: O que têm em comum os professores e lutadores de sumo? O que têm em comum o Ku Klux Klan e um grupo de agentes imobiliários? Por que razão os traficantes de droga ainda vivem em casa dos pais? O que é feito de todos os criminosos? O que faz os pais perfeitos? Estas são algumas das principais perguntas que os autores procuram responder ao longo deste livro, revelando o estranho mundo da economia — que, além de tudo o mais, ainda permite responder a estas perguntas e revelar o lado escondido de algumas coisas!
Um dos lados escondidos que nos é revelado é a relação entre a aprovação precoce de leis de despenalização do aborto nos EUA e a redução da criminalidade. Para isso, o trabalho do Mayor de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, contribuiu menos do que a sentença do juiz Harry Blackmun do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA em 22 de Janeiro de 1973, que na prática legalizou o aborto em todo os estados dos EUA. O município de Nova Iorque obviamente contribuiu para o controle e prevenção do crime. A aplicação do princípio das janelas partidas, a proibição dos lavadores de pára-brisas nos semáforos, o reforço do policiamento, entre outras medidas activas, certamente criou condições menos adequadas ao desenvolvimento das actividades criminosas e dos delitos graves. Mas a decisão do supremo tribunal de justiça contribuiu muito mais. Ao permitir às mulheres que não queriam ter os seus filhos a possibilidade de abortar em condições de segurança e higiene normalmente garantidas pelos hospitais comuns no início dos anos 70 do século XX, veio impedir o nascimento de toda uma geração de potenciais criminosos, que por não serem desejados, ou por não poderem vir a gozar de condições de ensino e ambientes familiares adequados, certamente viriam na sua grande maioria a sê-lo efectivamente. Assim, a justiça e a demografia encarregam-se de explicar em grande medida, por que razão o crime nos EUA diminuiu drasticamente durante a década de 90 do século XX. Com ou sem Giuliani, com ou sem janelas partidas, o crime nos EUA teria sempre diminuído durante os anos 90, simplesmente porque os “criminosos” não nasceram 20 anos antes.
Steven D. Levitt é referenciado como um economista da nova geração. Claramente quantitativo, caracteriza-se especialmente pela capacidade de fazer perguntas inovadoras e na sua perspectiva “interessantes”, procurando depois as respostas nas estatísticas já existentes e produzindo conclusões e explicações, estas sim, verdadeiramente inovadoras. Uma vez que nelas não se remete o leitor para mundos esotéricos e desconhecidos como os “mercados financeiros de futuros” ou a “taxa de crescimento da taxa de inflação”, mas sim para um mundo real onde existem pedintes, criminosos, traficantes e pais que procuram, por todos os meios, o melhor futuro possível para os seus filhos.
Não é que este livro vá responder a muitas outras questões que nos atormentam diariamente, mas vai certamente ajudar-nos a entender melhor algumas coisas. Por isso mesmo, vai permitir-nos estar mais e melhor preparados para as enfrentar. E vai permitir-nos colocar essas questões na verdadeira medida da sua importância, sem que provoquem medo ou endeusamento injustificado.
Fernando M. Caria