Em 1952, a BBC transmitiu seis conferências radiofónicas de Isaiah Berlin que deixaram o público rendido ao seu talento para discutir, de uma forma acessível e despretensiosa, teorias políticas e filosóficas com grande importância prática. Cinquenta anos depois, foi finalmente publicado o livro que dá a conhecer esta série de conferências, cada uma delas com a duração de uma hora, sobre seis “inimigos da liberdade”: Helvétius, Rousseau, Fichte, Hegel, Saint-Simon e Maistre. Dado que Berlin falava a um ritmo que fez descrevem-no como “o único homem que pronuncia “epistemológico" como uma única sílaba”, é de esperar que este livro proporcione mais do que seis horas de leitura. Henry Hardy, o organizador do volume, pôde contar apenas com uma gravação da conferência sobre Rousseau, pelo que se baseou sobretudo em diversas transcrições.
A liberdade é um ideal político que quase todos reconhecem, mas que admite interpretações muito divergentes. A contribuição mais influente de Berlin para a filosofia política é a sua defesa da “liberdade negativa”, que consiste na simples ausência de coerção ou de obstáculos à acção individual. Os defensores da “liberdade positiva” rejeitam esta interpretação, característica do pensamento político liberal. Em seu entender, a liberdade deve ser entendida não como a simples ausência de interferências externas, mas como realização pessoal ou como autodeterminação enquanto membro de um grupo.
Embora o ensaio clássico de Berlin sobre estes dois conceitos de liberdade tenha sido publicado apenas em 1958, as conferências da BBC revelam já muito nitidamente as suas ideias centrais sobre o assunto. Entre os seis autores examinados, só Maistre não se declara favorável à liberdade, mas na verdade, diz-nos Berlin, todos eles são adversários da liberdade no sentido negativo. A caracterização que nos dá desta noção é elucidativa: a liberdade individual é “o direito de moldarmos livremente as nossas vidas como desejarmos, a criação de circunstâncias nas quais os homens possam desenvolver as suas naturezas da forma mais variada, mais rica e, se necessário, mais excêntrica possível. A única barreira a isto é formada pela necessidade de proteger outros homens em relação aos mesmos direitos ou, então, pela salvaguarda da segurança comum de todos”.
A oposição de Berlin às concepções positivas de liberdade baseia-se em grande medida nos abusos políticos que estas propiciam. É no ensaio sobre Rousseau que conseguimos ver com mais clareza como podem surgir estes abusos. Ainda que apresente a liberdade como um valor absoluto, Rousseau, com a sua teoria da vontade geral, acaba por nos conduzir ao “monstruoso paradoxo no qual a liberdade acaba por se tornar uma espécie de escravidão”. Também noutros ensaios, Berlin pretende revelar o mesmo padrão, mostrando como a ideia de liberdade pode ser pervertida ao ponto de justificar politicamente a privação dos direitos individuais mais elementares.
Nestes seus retratos filosóficos, Berlin é exímio a apresentar teorias bastante complexas — e por vezes, como no caso de Fichte, formuladas originalmente de um modo quase ininteligível — com grande vivacidade e poder de síntese. O leitor fica com uma razoável visão global do pensamento dos autores escolhidos, e pode ainda descobrir uma infinidade de pormenores tão irrelevantes quanto deliciosos. Por exemplo, ficamos a saber que Saint-Simon — o “socialista utópico” a quem Marx, afinal, devia muito mais do que aquilo que geralmente se presume — ordenou ao seu criado que o acordasse todas as manhãs com estas palavras: “Levante-se, Senhor Conde — tem grandes feitos a realizar”.
Um dos retratos mais interessantes, o de Maistre, é seguramente também o mais sinistro. Para este conservador radical e anti-racionalista, diz-nos Berlin, “a única maneira de obrigar as pessoas a viverem em sociedade é impedi-las de questionarem e a única maneira de o fazer é através do terror”. Maistre apresenta-nos o mundo como um altar em que tudo tem de ser imolado até “à morte da morte”, descreve o carrasco como o elo que mantém a sociedade unida, mas, a par destes elementos delirantes, revela uma perspicácia notável no modo como entende a natureza humana — e também um considerável engenho literário.
É com Maistre que Berlin conclui esta sua incursão pela história das ideias. Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade não é um livro propriamente académico, acusa um estilo pouco distanciado e imparcial, mas por isso mesmo proporciona uma leitura muito agradável e não deixa de ser bastante informativo.