Se algumas páginas do livro do Sr. Bertrand Russell, O Poder, parecem vazias, isso é unicamente porque descemos a um ponto tal que a reafirmação do óbvio é o primeiro dever dos homens inteligentes. O problema não é apenas que hoje em dia o governo da força crua se encontra em quase todo o lado. Provavelmente, isso sempre foi assim. Onde o nosso tempo difere das épocas imediatamente anteriores é que não há uma intelligentsia liberal. O culto dos tiranos, sob várias formas, tornou-se uma religião universal, e truismos como o de que uma metralhadora é uma metralhadora mesmo que quem aperta o gatilho seja um homem “bom” — e isto é efectivamente o que o Sr. Russell afirma — tornaram-se heresias que na verdade se estão a tornar perigosas proferir.
A parte mais interessante do livro do Sr. Russell são os primeiros capítulos, nos quais analisa os vários tipos de poder — eclesiástico, oligárquico, ditatorial, etc. Ao tratar da situação contemporânea é menos satisfatório, porque como todos os liberais é melhor a apontar o que é desejável do que a explicar como poderemos alcançá-lo. Ele vê claramente que o problema essencial de hoje é a “domesticação do poder” e que não podemos confiar que qualquer sistema além da democracia nos irá salvar de horrores indescritíveis. E também que a democracia pouco significado tem sem uma igualdade económica aproximada e sem um sistema educativo que tenda a promover a tolerância e a firmeza de espírito. Mas infelizmente não nos diz como fazer para alcançar essas coisas; profere apenas o que equivale a uma esperança piedosa de que o presente estado das coisas não perdure. Ele inclina-se a apontar para o passado; todas as tiranias acabaram por cair, mais cedo ou mais tarde, e “não há qualquer razão para supor que (Hitler) terá maior permanência do que os seus predecessores”.
Subjacente a isto está a ideia de que o senso comum acaba sempre por ganhar. Contudo, o horror peculiar do nosso tempo é que não podemos ter a certeza de que isto seja verdade. É muito possível que estejamos a entrar numa época na qual dois mais dois seja cinco se o Líder o disser. O Sr. Russell chama a atenção para o facto de que o imenso sistema de mentira organizada do qual os ditadores dependem mantém os seus apoiantes apartados da realidade e tende portanto a colocá-los em desvantagem relativamente a quem conhece os factos. Isto é verdade, mas não prova que a sociedade escrava que os ditadores pretendem será instável. É muito fácil imaginar um estado em que a casta dirigente engana os seus apoiantes sem se enganarem a si mesmos. Atreve-se alguém a ter a certeza de que algo do género não está já a formar-se? Basta pensar nas sinistras possibilidades da rádio, da educação controlada pelo estado, e assim por diante, para nos apercebermos de que “a verdade é forte e irá prevalecer” é uma prece e não um axioma.
O Sr. Russell é um dos autores de hoje de leitura mais agradável, e é muito animador saber que ele existe. Enquanto ele e outros como ele estiverem vivos e não estiverem presos, sabemos que o mundo tem ainda alguma zonas de sanidade. Ele tem um espírito muito eclético, consegue dizer coisas superficiais e coisas profundamente interessantes em frases alternadas, e por vezes, mesmo neste livro, é menos sério do que o tema merece. Mas ele tem um intelecto essencialmente decente, um tipo de cavalheirismo intelectual que é muito mais raro do que a mera esperteza. Poucas pessoas nos últimos trinta anos foram tão consistentemente impermeáveis ao disparate em moda no momento. Num tempo de pânico e mentira universal, ele é uma pessoa boa com quem contactar. Por esta razão, este livro, apesar de não ser tão bom quanto Freedom and Organization, é uma valiosa leitura.