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29 de Junho de 2017   Filosofia política

Riqueza, pobreza e política

Thomas Sowell
Tradução de Desidério Murcho

A riqueza das nações depende de uma diversidade infinita de causas.
Alexander Hamilton1

Pode ser compreensível e de aplaudir que as pessoas que vivem hoje nas nações mais prósperas fiquem muitas vezes chocadas com os padrões de vida muitíssimo inferiores nos países do terceiro mundo, ou com a maneira como vivem as pessoas menos afortunadas da sua própria sociedade. Mas se o que pretendemos é compreender as suas causas, não podemos proceder como se aquilo a que por acaso estamos habituados a ver ao nosso redor fosse algo que podemos pressupor que acontece tão natural ou automaticamente que se pode perguntar por que razão as outras nações “fracassam” quando não têm os mesmos altos padrões de vida, como sugere o título de um bem conhecido estudo contemporâneo.2 O subtítulo de outro inclui “as origens da desigualdade”,3 como se a igualdade económica fosse tão natural, automática ou comum que é a sua ausência que precisa de explicação.

Por mais que este tipo de pressupostos implícitos sejam comuns em muito do que se diz hoje, é questionável se podem sobreviver a um exame histórico, ainda que modesto. Mesmo num país há muito considerado um dos mais prósperos da Terra, os Estados Unidos da América, no início do século XX só 10 % dos lares americanos tinham quartos de banho com autoclismo e só 3 % tinham luz eléctrica.4 Nada há de automático na prosperidade. Os padrões de vida que hoje damos como garantidos só foram atingidos numa fracção muitíssimo diminuta da história do género humano, e não são de modo algum a norma hoje entre a maior parte das pessoas do mundo. Padrões de vida muitíssimo abaixo do que consideraríamos pobreza foram a norma durante inúmeros milhares de anos. Não é as origens da pobreza que precisa de explicação, dado que a espécie humana começou na pobreza. O que exige explicação são as coisas que criaram e alimentaram padrões de vida mais elevados.

A igualdade dos resultados económicos tem sido ainda mais rara do que a prosperidade. Como se explica as origens de algo como a desigualdade, que tem sido omnipresente desde que temos registos históricos?

Os gregos da antiguidade tinham geometria, filosofia, arquitectura e literatura quando as ilhas britânicas eram terras de povos tribais iletrados que viviam de maneira primitiva. Atenas tinha a Acrópole — cujas ruínas são ainda hoje impressionantes, milhares de anos depois — quando não havia um só edifício em todas as ilhas britânicas. Os gregos antigos tinham Platão, Aristóteles, Euclides e outras figuras marcantes que ajudaram a estabelecer as fundações intelectuais da civilização ocidental, quando não havia um só britânico cujo nome tenha entrado nas páginas da história.

Os estudiosos calcularam que na antiguidade havia partes da Europa em que se vivia a um nível que a Grécia transcendera milhares de anos antes.5 Houve outras civilizações complexas no mundo antigo — no Egipto, na Índia e na China, por exemplo — quando os povos de várias partes da Europa e não só estavam ainda a começar a descobrir os rudimentos da agricultura.6

Imensas disparidades de riqueza, e de capacidade para criá-la, foram comuns durante milénios. Mas apesar de as desigualdades económicas terem persistido em toda a história registada do género humano, o padrão particular dessas desigualdades mudou drasticamente nos últimos séculos.

Os gregos eram muito mais avançados do que os britânicos nos tempos antigos, mas os britânicos eram muito mais avançados do que os gregos no século XIX, quando os britânicos conduziram o mundo à era da industrialização. Só o Reino Unido produziu mais de 40 % das invenções, descobertas e inovações mais importantes do mundo, de meados do século XVIII ao primeiro quartel do XIX.7 A sua preeminência tecnológica andou a par da sua preeminência como nação conquistadora. Um estudioso italiano do século XX perguntou “Como foi exactamente que uma ilha periférica passou da miséria primitiva à dominação mundial?”8 No seu auge, o império britânico incluía um quarto dos territórios terrestres do mundo, e um quarto também de todas as populações do mundo.

Mudanças históricas como estas nos papéis de povos e nações particulares ocorreram noutros lados e noutras épocas. Os chineses foram durante séculos mais avançados do que quaisquer europeus, incluindo entre as suas descobertas e invenções o compasso, a impressão, o papel, o leme e os pratos de porcelana que no ocidente foram denominados chinaware ou china. O ferro fundido foi produzido na China mil anos antes da Europa.9 Um almirante chinês fez uma viagem de descoberta mais longa do que a de Colombo, muitas gerações antes, e em navios maiores e mais avançados.10 Mas as posições relativas da China e da Europa também se reverteram ao longo dos séculos. Vários outros povos, em várias outras partes do mundo, tiveram as suas próprias eras de liderança em campos particulares ou em avanços em várias especialidades.

A agricultura, o avanço que mais afectou a vida na evolução das sociedades humanas, chegou à Europa a partir do médio oriente nos tempos antigos. A agricultura tornou as cidades possíveis, pois os caçadores-recolectores precisavam de tanto território para se sustentarem que não podiam estabelecer-se permanentemente nessas comunidades compactas e densamente povoadas. Além disso, durante séculos as cidades espalhadas pelo mundo produziram uma parte completamente desproporcional de todos os avanços nas artes, ciências e tecnologia, em comparação com os feitos de um número semelhante de pessoas espalhadas nas províncias.11

Porque os gregos estavam mais perto do médio oriente do que os povos da Europa do norte ou da ocidental, a agricultura chegou-lhes mais cedo e puderam urbanizar-se primeiro — séculos antes — e avançar em vários aspectos muito além das populações de outros lugares que não haviam ainda recebido os muitos benefícios que a vida urbana torna possíveis. O acidente da localização geográfica não podia criar génios, mas tornou possível um contexto em que muitas pessoas podiam desenvolver o seu próprio potencial mental muito além do que era possível entre os bandos de caçadores-recolectores que percorriam vastos territórios, preocupados com a necessidade urgente de procurar comida. A geografia não predetermina o que as pessoas irão escolher fazer, mas pode limitar ou alargar o número e o tipo de opções disponíveis.

A geografia é apenas uma das influências por detrás das vastas diferenças económicas entre as populações e os lugares. Além disso, estas diferenças não dizem apenas respeito a padrões de vida, apesar de estes serem importantes. Contextos geográficos diferentes também alargam ou restringem o desenvolvimento do potencial mental próprio das populações para dar origem ao que os economistas chamam o seu capital humano, dando a diferentes populações um acesso a um universo cultural mais alargado ou mais restrito. Estes contextos geográficos não diferem apenas horizontalmente — como entre a Europa, Ásia e África, por exemplo — mas também verticalmente, como entre as populações que vivem nas planícies e as que vivem nas montanhas. Como se lê num estudo geográfico:

As regiões montanhosas desencorajam o florescimento da genialidade porque são áreas de isolamento, confinamento, afastadas das grandes correntes de homens e ideias que percorrem os vales dos rios.12

Muitas regiões montanhosas do mundo — seja as montanhas Apalaches nos EUA, as Rife de Marrocos, os montes Pindo da Grécia, os Himalaias na Ásia ou outras montanhas alhures — exibem padrões muito semelhantes de pobreza e atraso. Como escreveu o distinto historiador francês Fernand Braudel, “A vida nas montanhas ficou sistematicamente para trás relativamente à das planícies”.13 Isto foi ainda mais marcado nos milénios anteriores às revoluções nos transportes e comunicações dos últimos dois séculos, que tardiamente levaram algum do progresso do mundo exterior aos povoados montanhosos isolados. O que estas revoluções não podiam levar às montanhas, contudo, foram os séculos anteriores de desenvolvimento cultural que as outras pessoas tiveram em ambientes mais favoráveis. As pessoas que viviam nas montanhas podiam tentar apressar o passo, mas é claro que o resto do mundo não ficou entretanto parado à espera.

As montanhas são apenas uma característica geográfica, e a geografia é apenas uma influência sobre o desenvolvimento humano. Mas quer se considere a geografia quer a cultura, o isolamento é um facto recorrente na pobreza e no atraso por todo o mundo, seja físico ou cultural, por várias razões particulares que serão exploradas nos próximos capítulos.

Sejam quais forem as razões das disparidades económicas entre povos e nações, estas têm sido tão comuns nos tempos modernos como nos antigos. No século XXI, a Suíça, Dinamarca e Alemanha têm tido cada uma mais de três vezes o produto interno bruto (PIB) per capita da Albânia, Sérvia ou Ucrânia, e a Noruega tem tido mais de cinco vezes o PIB per capita destes países da Europa de leste.14 Este tipo de disparidades económicas não é exclusivo da Europa. Também na Ásia o Japão tem mais de três vezes o PIB per capita da China e mais de nove vezes o da Índia.15 A África subsariana tem menos de um décimo do PIB per capita dos países da zona Euro.16

No seio das nações, tal como entre elas, abundam as disparidades de rendimento, seja entre classes, raças ou outras subdivisões da espécie humana. As reacções a estas disparidades económicas vão deste a resignação à revolução. Porque muitas pessoas consideram estranhas estas disparidades no seu próprio país, ou até sinistras, é necessário fazer notar que essas disparidades internas não são exclusivas de um dado momento ou lugar. Logo, as explicações das diferenças económicas não pode reduzir-se a factores específicos de um dado momento ou lugar, como a era do capitalismo moderno ou a revolução industrial,17 e ainda menos a factores que sejam politicamente convenientes ou emocionalmente reconfortantes.

Não se pode automaticamente pressupor que factores que levantam questões morais momentosas, como a conquista e a escravatura, são igualmente momentosos como explicações causais das disparidades económicas actuais. Podem sê-lo ou não, em casos particulares. Os povos ou nações podem ser ricos ou pobres porque 1) produziram mais ou menos do que outros, ou 2) apropriaram-se do que os outros produziram ou viram os outros apropriar-se do que tinham. O que se pode preferir acreditar num dado lugar ou momento não tem coisa alguma a ver com o que são os factos brutos.

Não há dúvida que as conquistas dos espanhóis no hemisfério ocidental, por exemplo, não só brutalizaram e conquistaram povos e destruíram civilizações viáveis, como também deslocaram vastas quantidades de riqueza em ouro e prata desse hemisfério para Espanha — 200 toneladas de ouro e mais de 18 mil toneladas de prata18 — em resultado do roubo de tesouros dos povos indígenas e dos trabalhos forçados dessa mesma população nas minas de ouro e prata. Além disso, a Espanha não foi a única a fazê-lo. Mas a questão aqui, contudo, é a seguinte: em que medida as transferências de riqueza podem explicar as diferenças económicas entre os povos e nações do mundo de hoje?

A Espanha hoje é um dos países mais pobres da Europa, ultrapassada economicamente por países como a Suíça e a Noruega, que nunca tiveram impérios desses. A imensa quantidade de riqueza que entrou em Espanha na sua “idade de ouro” poderia ter sido investida na sua economia ou no seu povo. Mas não foi. Gastaram-na. Os próprios espanhóis diziam que o ouro caía em Espanha como a chuva num telhado, para logo desaparecer.19 Nem foi incomum na história que uma enorme quantidade de sofrimento humano — de povos conquistados ou escravizados — tivesse produzido pouco mais do que um enriquecimento transitório de uma elite governativa.

As depredações morais monumentais de Espanha no hemisfério ocidental tiveram pouquíssimo efeito causal na prosperidade de longo prazo da economia espanhola. Chegados a 1900, mais de metade da população espanhola era ainda iletrada,20 ao passo que os negros norte-americanos eram na sua maior parte letrados, apesar de terem sido libertos há menos de cinquenta anos.21 Um século depois, em 2000, o rendimento per capita real na Espanha era ligeiramente inferior ao dos negros norte-americanos.22 Os descendentes de outros grandes conquistadores, como os fundadores do império otomano ou as hordas de Genghis Khan, não conseguiram também surgir entre as nações mais prósperas do mundo de hoje.

Conversamente, alguns grupos expulsos das terras onde nasceram e obrigados a deixar a maior parte dos recursos materiais que haviam acumulado ao longo da vida, ou de gerações — certamente uma enorme injustiça — tornaram-se apesar disso de novo prósperos depois de chegarem sem coisa alguma às suas novas terras. Estes grupos incluem desde os judeus expulsos de Espanha em 1492 aos gujaratis expulsos do Uganda nos anos 70 do século XX, ao passo que os cubanos que voluntariamente fugiram da sua terra natal depois de os comunistas tomarem o poder em 1958, e os vietnamitas que fugiram também pela mesma razão nos anos 70 do mesmo século, tiveram um percurso semelhante da pobreza para a prosperidade nos seus novos países. As questões moralmente importantes não são necessariamente factores causais decisivos.

As questões morais e as causais são ambas importantes. Mas confundir umas com as outras, ou imaginar que podem ser simplesmente combinadas num pacote política ou ideologicamente atraente, não é uma abordagem muito promissora para uma explicação das diferenças económicas.

As disparidades económicas entre as nações são apenas parte da história das desigualdades económicas. Grandes disparidades económicas no seio das nações precisam também de ser enfrentadas. Quando se considera as diferenças económicas entre as populações de um dado país, há uma tendência para vê-las como questões acerca do que se denomina “distribuição do rendimento”.23 Mas o rendimento real — isto é, o rendimento em dinheiro ajustado à inflação — consiste nos bens e serviços produzidos na nação. Olhar para este resultado apenas do ponto de vista de quem recebe dinheiro por ter produzido esses bens e serviços arrisca-se a provocar confusões desnecessárias, dando origem a problemas sociais sérios.

O padrão de vida de uma nação depende mais do resultado per capita do que do dinheiro recebido como rendimento por produzir esse resultado. De outro modo, o governo poderia tornar-nos ricos a todos limitando-se a imprimir mais dinheiro. Mas ao centrarem-se no que chamam “distribuição de rendimento”, muitas pessoas procedem como se o governo pudesse rearranjar esses fluxos de dinheiro de maneira a tornar os rendimentos mais “justos” — seja como for que isso se defina — sem atender às repercussões que tal política poderia ter nos processos fundamentais de produção de bens e serviços, dos quais depende o padrão de vida de um país. Mas na perspectiva apresentada nos meios de comunicação, e muitas vezes até na academia, é como se o resultado ou riqueza se limitasse de algum modo a existir, restando a questão realmente importante de saber como distribuí-la.

Por vezes esta preocupação com os rendimentos que as pessoas recebem, negligenciando a produção do resultado por detrás disso, pode levar a tentativas de explicar os rendimentos muitíssimo elevados que elas recebem recorrendo à “ganância” — como se um desejo insaciável por quantidades monstruosas de dinheiro fizesse de algum modo os outros pagar essas quantidades monstruosas para comprar os bens ou serviços do ganancioso.

Entre as muitas causas possíveis das diferenças de rendimento e riqueza, seja entre populações, seja entre regiões ou nações, uma das mais óbvias é frequentemente ignorada. Como o economista Henry Hazlitt escreveu:

O verdadeiro problema da pobreza não é um problema de “distribuição” mas antes de produção. Os pobres são-no não porque algo lhes é sonegado mas antes porque, por alguma razão, não produzem o suficiente.24

O que parecia óbvio a Henry Hazlitt não era tão óbvio para muitos outros que alimentaram perspectivas alternativas com planos alternativos nelas baseados. A diferença entre ver as disparidades económicas como algo que resulta de diferenças na produção de riqueza e vê-las como algo que resulta da transferência de riqueza de umas pessoas para outras é fundamental. A história mostra que tanto uma como a outra das causas das disparidades económicas pode ser dominante em momentos e lugares específicos.

Quando exploramos as influências dos factores geográficos, culturais e outros que afectam a produção da riqueza, é imperativo fazer uma distinção nítida entre influência e determinismo. Segundo o determinismo geográfico, contextos especialmente favoráveis criam mais ou menos directamente a prosperidade económica e o avanço social, seja porque fornecem recursos naturais mais ricos seja porque têm um clima mais propício ao trabalho, por exemplo.

Foi muito fácil aos críticos mostrar que isto não foi de modo algum sempre assim, e que não é necessariamente verdadeiro na maior parte dos casos, pois há países pobres como a Venezuela e a Nigéria com recursos naturais ricos e países prósperos como o Japão e a Suíça com recursos naturais paupérrimos. Apesar de alguns tipos de clima poderem ter estado profundamente correlacionados com as sociedades mais avançadas, como um geógrafo do início do século XX tentou mostrar,25 uma classificação muitíssimo diferente das nações, usando os mesmos critérios, teria existido mil ou dois mil anos antes, quando a China era muito mais avançada do que o Japão, ao passo que este país acabou por se tornar económica e tecnologicamente mais avançado do que o outro mil anos depois — sem qualquer indício de que o clima tenha mudado muito em qualquer dos países.

O alcance exacerbado das explicações geográficas levou não apenas ao afastamento do determinismo geográfico, mas também a um enfraquecimento da geografia como uma influência principal noutros sentidos. Contudo, nem todos os geógrafos do início do século XX foram descuidados ou exagerados. A distinta geógrafa Ellen Churchill Semple escreveu em 1911: “Toda a ciência da antropogeografia é ainda demasiado jovem para ter regras simples, e o seu objecto de estudo é demasiado complexo para permitir fórmulas”.26 Apesar do fracasso do determinismo geográfico, a geografia pode influenciar os resultados económicos de outras maneiras muito diferentes, como veremos. Além disso, esta influência não se deve necessariamente a características geográficas particulares consideradas isoladamente — como o clima ou os recursos naturais — antes se devendo frequentemente a interacções entre características geográficas particulares e outros factores não-geográficos, nomeadamente culturais, demográficos e políticos, entre outros.

Mesmo um facto geográfico tão simples e indisputado como o dos lugares mais perto dos pólos terem temperaturas mais baixas, em média, do que os mais próximos do equador nem sempre se sustenta quando as interacções com outros factores geográficos são tidos em consideração. Assim, Londres, que está centenas de milhas mais a norte do que Boston, tem temperaturas médias no inverno mais mornas do que as desta última cidade, sendo muito semelhantes às temperaturas no inverno de algumas cidades americanas que ficam centenas de milhas a sul de Boston.27 A temperatura mais alta média de Dezembro em Londres é igual à de Washington, D.C., que fica a mais de 850 milhas a sul de Londres.28 A latitude é importante, mas o mesmo acontece com as diferenças de temperatura das diferentes correntes oceânicas,29 e a interacção das duas pode criar resultados muito mais diferentes do que qualquer uma delas produziria por si.

Quando factores geográficos particulares interagem também com factores não-geográficos, os resultados podem também ser muito diferentes do que seriam se considerássemos isoladamente os factores geográficos, culturais, demográficos ou políticos. É por isso que influência não é o mesmo que determinismo. Dado que muitos resultados económicos, se não a maior parte, dependem de mais de um factor, a probabilidade de todos os factores se juntarem de modo a produzir níveis iguais de prosperidade e progresso entre os povos e nações em todo o mundo parece muito remota. Contextos geográficos radicalmente diferentes são apenas um dos factores que tornam os resultados económicos iguais improváveis.

As culturas estão entre os outros factores que diferem muitíssimo entre povos e nações, tal como entre indivíduos e grupos numa dada nação. Como os críticos das influências geográficas, os críticos das influências culturais recorreram por vezes também a uma imagem simplista dessas influências. Por exemplo, numa tentativa de desacreditar a influência dos factores culturais nos resultados económicos, um estudo bem conhecido — Why Nations Fail — rejeitou a ideia de que a cultura herdada da Inglaterra explica por que razão as antigas colónias deste país, como os EUA, Canadá e a Austrália são prósperos:

O Canadá e os EUA foram colónias inglesas, mas também a Serra Leoa e a Nigéria o foram. A variação de prosperidade entre as antigas colónias inglesas é tão grande quanto a que encontramos no mundo em geral. O legado inglês não é a razão do sucesso da América do Norte.30

Apesar de ser verdadeiro que todos estes países são antigas colónias da Inglaterra, e portanto poder-se-ia considerar que foram influenciados pela cultura inglesa, também é verdadeiro que as pessoas que fundaram o Canadá e os EUA eram inglesas, descendentes de pessoas mergulhadas na cultura da Inglaterra que se desenvolveu ao longo de séculos — ao passo que as pessoas da Serra Leoa e da Nigéria eram descendentes de pessoas mergulhadas por muitos séculos em culturas muito diferentes de uma região da África subsariana, e superficialmente expostas à cultura inglesa durante menos de um século, durante o qual as suas próprias culturas indígenas não foram de modo algum extintas no período historicamente curto em que pertenceram ao império britânico. O historiador francês Fernand Braudel falava da “tardia e efémera colonização da África negra pelas potências europeias no século XIX”.31 Isto dificilmente foi suficiente para transformar culturalmente africanos em europeus.

Muitas outras antigas colónias inglesas continuaram a observar algum aspecto da cultura da Inglaterra depois de se tornarem independentes — os advogados usam perucas no tribunal, por exemplo — mas estas observâncias exteriores das tradições inglesas não impediu que estas antigas colónias tivessem um legado cultural fundamentalmente muito diferente do inglês, tendo por isso experiências económicas e políticas muitíssimo diferentes ao percorrer os seus caminhos depois da independência. A tentativa de desacreditar a influência da cultura juntando antigas colónias de ingleses e antigas colónias de africanos governados por ingleses não faz senão evidenciar que se pode mostrar que praticamente qualquer crença está errada, seja ela acerca do que for, se for formulada de maneira suficientemente simplista.

Quem acredita no determinismo genético procura também desacreditar os factores culturais, que são alternativas à sua perspectiva de que são as diferenças inatas, genéticas, de inteligência que explicam as diferenças de disparidades económicas entre as raças, nações e civilizações. Mas o determinismo genético, baseado em diferenças contemporâneas inegáveis de rendimento per capita entre nações e as diferenças correspondentes nos resultados de testes de inteligência,32 não pode explicar mudanças radicais igualmente inegáveis nas quais raças, nações ou civilizações particulares ora estão muito à frente ora muito atrasadas em diferentes períodos da história — os chineses e europeus são apenas um exemplo entre muitos outros de inversões históricas.

As nações que passaram da pobreza e do atraso e chegaram num século à linha da frente dos feitos humanos — Escócia, por exemplo, começando no século XVIII, e o Japão, começando no XIX — mudaram mais rapidamente do que é provável que mudem as constituições genéticas, e de facto sem qualquer indicação de mudanças genéticas, apesar de haver muitas indicações de mudanças culturais nestes dois casos. Os investigadores podem ficar frustrados pelo facto de as origens de culturas particulares se perderem muitas vezes nas brumas do tempo, apesar de as suas manifestações contemporâneas serem visíveis. A cultura também não se presta à quantificação, como se queixou um determinista genético,33 e consequentemente não pode fornecer análises estatísticas, como as que mostram uma elevada correlação entre os resultados dos testes de QI entre as nações e os seus rendimentos per capita.34 Tais correlações podem dar um ar de precisão científica, mas o mesmo aconteceu com as correlações anteriores entre o clima e a prosperidade do determinista geográfico.35

Tanto uma correlação como a outra são obtidas de dados que dizem respeito a uma fatia extremamente magra do tempo, em comparação com os muitos milénios da história humana, nos quais os feitos relativos de várias populações e nações mudaram imensamente. Além disso, como os estatísticos frequentemente fizeram notar, a correlação não é causalidade — e, como se disse há anos, “Mais vale estar aproximadamente certo do que precisamente errado”.36

Quer consideremos factores culturais, geográficos, políticos ou outros, é devido às suas interacções que compreender as influências é muito diferente de afirmar o determinismo.

Thomas Sowell
Wealth, Poverty and Politics, edição revista e alargada (Nova Iorque: Basic Books, 2016), cap. 1.

Notas

  1. Alexander Hamilton, “Defects of the Present Confederation,” Alexander Hamilton, James Madison, e John Jay, The Federalist, Número 21, org. Benjamin Fletcher Wright (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1961), p. 189. ↩︎
  2. Daron Acemoglu e James A. Robinson, Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty (Nova Iorque: Crown Business, 2012). ↩︎
  3. Angus Deaton, The Great Escape: Health, Wealth, and the Origins of Inequality (Princeton: Princeton University Press, 2013). ↩︎
  4. Theodore Caplow, Louis Hicks e Ben J. Wattenberg, The First Measured Century: An Illustrated Guide to Trends in America, 1900–2000 (Washington: The AEI Press, 2001), p. 99; Stanley Lebergott, Pursuing Happiness: American Consumers in the Twentieth Century (Princeton: Princeton University Press, 1993), p. 120. ↩︎
  5. Ver, por exemplo, N.J.G. Pounds, An Historical Geography of Europe (Cambridge: Cambridge University Press, 1990), p. 21. ↩︎
  6. Ibid., p. 27. O estado avançado das civilizações da antiguidade egípcia, indiana e chinesa no mesmo período foi objecto de estudo em muitos livros e artigos de muitos autores, incluindo Margaret Oliphant, The Atlas of the Ancient World: Charting the Great Civilizations of the Past (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1992), pp. 38–41, 146–149, 162–165. ↩︎
  7. Mark Casson, The Growth of International Business (Londres: George Allen & Unwin, 1983), p. 106. ↩︎
  8. Luigi Barzini, The Europeans (Nova Iorque: Simon and Schuster, 1983), p. 47. ↩︎
  9. Charles O. Hucker, China’s Imperial Past: An Introduction to Chinese History and Culture (Stanford: Stanford University Press, 1975), p. 65; Jacques Gernet, A History of Chinese Civilization, segunda edição, trad. J.R. Foster e Charles Hartman (Nova Iorque: Cambridge University Press, 1996), pp. 69, 138, 140. ↩︎
  10. David S. Landes, The Wealth and Poverty of Nations: Why Some Are So Rich and Some So Poor (Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 1998), pp. 93–95; William H. McNeill, The Rise of the West: A History of the Human Community (Chicago: University of Chicago Press, 1991), p. 526. ↩︎
  11. Charles Murray, Human Accomplishment: The Pursuit of Excellence in the Arts and Sciences, 800 B.C. to 1950 (Nova Iorque: Harper Collins, 2003), pp. 355–361. ↩︎
  12. Ellen Churchill Semple, Influences of Geographic Environment (Nova Iorque: Henry Holt and Company, 1911), p. 20. Segundo Fernand Braudel, “As montanhas, regra geral, estão muitíssimo apartadas das civilizações, que são feitos urbanos e das terras baixas. A sua história é não ter história, permanecendo quase sempre às margens das grandes ondas civilizatórias, incluindo das mais longas e persistentes, que podem espalhar-se ao longo de grandes distâncias no plano horizontal, mas não conseguem deslocar-se na vertical quando enfrentam um obstáculo de umas poucas centenas de metros.” Fernand Braudel, The Mediterranean and the Mediterranean World in the Age of Philip II, trad. Siân Reynolds (Berkeley: University of California Press, 1995), Vol. I, p. 34. ↩︎
  13. Fernand Braudel, The Mediterranean and the Mediterranean World in the Age of Philip II, trad. Siân Reynolds, p. 35. ↩︎
  14. The World Almanac and Book of Facts: 2014 (Nova Iorque: World Almanac Books, 2014), pp. 748, 771, 779–780, 821, 831, 839, 846. ↩︎
  15. Ibid., pp. 764, 786, 793. ↩︎
  16. The Economist, Pocket World in Figures: 2013 Edition (Londres: Profile Books, Ltd., 2012), p. 25. ↩︎
  17. Segundo os autores de Why Nations Fail, “A desigualdade mundial de hoje existe porque durante os séculos XIX e XX algumas nações conseguiram aproveitar-se da revolução industrial e das tecnologias e métodos de organização que esta trouxe, ao passo que outras não conseguiram fazê-lo”. Daron Acemoglu e James A. Robinson, Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty (Nova Iorque: Crown Business, 2012), p. 271. Mas as desigualdades económicas entre as nações não começaram com a revolução industrial, e as desigualdades internacionais dos tempos antigos não eram de modo algum necessariamente menores do que as desigualdades dos séculos XIX e XX, ou de hoje. ↩︎
  18. Herbert Heaton, Economic History of Europe (Nova Iorque: Harper & Brothers, 1936), p. 246; Saskia Sassen, Territory, Authority, Rights: From Medieval to Global Assemblages (Princeton: Princeton University Press, 2006), p. 83. ↩︎
  19. Carlo M. Cipolla, Before the Industrial Revolution: European Society and Economy, 1000–1700, segunda edição (Nova Iorque: W.W. Norton, 1980), p. 252. ↩︎
  20. David S. Landes, The Wealth and Poverty of Nations, p. 250. ↩︎
  21. U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1970 (Washington: Government Printing Office, 1975), Part 1, p. 382. ↩︎
  22. The Economist, Pocket World in Figures: 2003 Edition (Londres: Profile Books, 2002), p. 26; U.S. Bureau of the Census, “Money Income in the United States: 2000,” Current Population Reports, P60–213 (Washington: U.S. Bureau of the Census, 2001), p. 2. ↩︎
  23. A expressão “distribuição do rendimento” leva algumas pessoas a raciocinar como se houvesse um bloco preexistente de rendimento ou riqueza — criada “de algum modo” — que é então dividida entre os indivíduos ou grupos. Na realidade, é o processo de criar riqueza que leva os rendimentos individuais a serem recebidos em troca da produtividade individual nesse processo. Estes rendimentos individuais podem depois ser acrescentados a outros num “rendimento nacional” verbalmente colectivo, que se diz depois que é “distribuído” aos indivíduos ou grupos. Por vezes aplica-se a mesma maneira de pensar internacionalmente, levando a que se lamente, por exemplo, que os americanos consumam uma parte desproporcional dos “produtos do mundo”. Mas não há pessoa alguma chamada “Mundo” que faça todos esses produtos, ou sequer qualquer um. Os americanos essencialmente consumem o que produzem, usando uma porção do que produzem para trocar por uma quantidade equivalente de bens importados. Num sentido estatístico puramente figurativo, podemos dizer que o rendimento está “distribuído” no mesmo sentido em que há uma “distribuição” da altura da população, sem que alguém imagine que estas alturas existem colectivamente sendo depois enviadas aos indivíduos. Quem pensa que o rendimento ou a riqueza deve ser colectivizada na realidade, e depois partilhada, pode é claro defender esse sistema económico explicitamente, mas isso é muito diferente de insinuar esse processo com palavras que têm mais de um significado. ↩︎
  24. Henry Hazlitt, The Wisdom of Henry Hazlitt (Irvington-on-Hudson, Nova Iorque: The Foundation for Economic Education, 1993), p. 224. ↩︎
  25. Ellsworth Huntington, “Climate and Civilization,” Harper’s Monthly Magazine, Fevereiro de 1915, pp. 367–373. ↩︎
  26. Ellen Churchill Semple, Influences of Geographic Environment, p. 125. ↩︎
  27. Darrel Hess, McKnight’s Physical Geography: A Landscape Appreciation, décima primeira edição (Upper Saddle River, Nova Jérsia: Pearson Education, 2014), pp. 100–101; E.A. Pearce e C.G. Smith, The Times Books World Weather Guide (Nova Iorque: Times Books, 1984), pp. 129, 130, 131, 132, 142, 376. ↩︎
  28. E.A. Pearce e C.G. Smith, The Times Books World Weather Guide, pp. 132, 376. Em nenhum dos meses de inverno — de Dezembro a Março — é a média da temperatura mais baixa em Washington mais elevada do que a de Londres, e a mais baixa temperatura registada naquela cidade norte-americana é mais baixa em todos aqueles meses de inverno do que em Londres. ↩︎
  29. A Corrente do México, que tem origem nas águas subtropicais do Golfo do México, flui para nordeste no oceano Atlântico em direcção às ilhas britânicas, criando invernos mais moderados na Europa ocidental do que nas mesmas latitudes da Europa de leste, da Ásia ou da América do Norte. ↩︎
  30. Daron Acemoglu e James A. Robinson, Why Nations Fail, p. 62. ↩︎
  31. Fernand Braudel, The Structures of Everyday Life: The Limits of the Possible, trad. Siân Reynolds (Berkeley: University of California Press, 1992), p. 101. ↩︎
  32. Veja-se, por exemplo, Richard Lynn e Tatu Vanhanen, IQ and Global Inequality (Augusta, Georgia: Washington Summit Publishers, 2006), pp. 105–111. ↩︎
  33. Richard Lynn, The Global Bell Curve: Race, IQ, and Inequality Worldwide (Augusta, Georgia: Washington Summit Publishers, 2008), p. 5. ↩︎
  34. Richard Lynn e Tatu Vanhanen, IQ and Global Inequality, pp. 105–111. ↩︎
  35. Ellsworth Huntington, “Climate and Civilization,” Harper’s Monthly Magazine, Fevereiro de 1915, pp. 367–373. ↩︎
  36. Atribuído a John Maynard Keynes, sem citação específica. Uma afirmação muito semelhante aparecera anteriormente em Carveth Read, Logic: Deductive and Inductive, terceira edição (Londres: Alexander Moring Limited, The De La More Press, 1909), p. 320. ↩︎
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ISSN 1749-8457