Catharine MacKinnon é uma figura emblemática na vida e no direito americanos. Durante vários anos ela e a sua colaboradora mais recente, Andrea Dworkin, foram as porta-estandartes do feminismo antiliberal, e como advogada, autora e professora tem tido um impacto explosivo. Ela vem da esquerda, e o seu antiliberalismo, como o de Marx, escarnece dos direitos individuais considerando-os uma máscara ideológica para a protecção das estruturas de dominação existentes. No caso de Marx, os alvos eram os direitos à propriedade privada e à equidade processual, instrumentos da dominação de classe. No caso de MacKinnon, são a liberdade de expressão e o direito à privacidade, e a dominação que sustentam é sexual. A sua carreira tem sido dedicada a atacar a dominação masculina, não como uma negação dos direitos individuais das mulheres, mas como uma desigualdade sistémica profunda que define a diferença entre os sexos e o significado do sexo. E fez da lei norte-americana antidiscriminação a sua arma: “Nas sociedades regidas pelo estado de direito, este é tipicamente um instrumento do status quo; habitualmente não garante direitos em cuja negação a sociedade se baseia. Neste contexto, o direito igualitário é curioso: a igualdade social não existe, mas há uma garantia legal de igualdade”.
Ao contrário dos defensores liberais da igualdade feminina, que se concentram em assegurar oportunidades iguais no emprego e na educação, ordenados iguais, benefícios de maternidade, centros de dia gratuitos e outras medidas que visam fechar o fosso social e económico entre homens e mulheres, o interesse principal de MacKinnon é o sexo. Os seus temas são a violação, a pornografia, a prostituição e o assédio sexual. (Com os liberais partilha a preocupação pelo aborto, mas com uma reviravolta interessante; veja-se mais abaixo.) A sua perspectiva é que a dominação sexual das mulheres é o coração da desigualdade sexual, e que isso subjaz às desigualdades públicas conhecidas. Nada irá realmente mudar a menos que isso seja directamente atacado:
A sexualidade, tal como está socialmente organizada, é profundamente misógina. Para a dominação masculina, da qual o liberalismo é a ideologia actualmente dominante, a misoginia sexual fundamental para todos estes problemas não pode ser vista como uma questão de igualdade sexual porque a sua sexualidade tem como premissa a desigualdade. A igualdade legal não pode aplicar-se à sexualidade porque a igualdade não é sexy e a desigualdade é-o.
Não há muito romance na sua perspectiva da vida erótica: “As mulheres são comummente violadas, espancadas, vítimas de assédio sexual, abusadas sexualmente em criança, obrigadas a ter filhos e a prostituir-se, despersonalizadas, denegridas e objectificadas — e depois a esquerda diz-lhes que isto é divertido e igual, e a direita que é justo e natural”.
Women’s Lives, Men’s Laws é uma colectânea dos escritos e discursos de MacKinnon dos últimos vinte e cinco anos. É repetitivo: um ícone cultural inevitavelmente diz as mesmas coisas a muitas audiências. Também ferve de aversão pelos seus inimigos, como a União Americana das Liberdades Civis, descrita como o centro do “grupo de pressão a favor dos proxenetas”. Mas o livro contém muitas coisas impressionantes, tanto intelectual como retoricamente, e é instrutivo tanto acerca da história da batalhas de MacKinnon como acerca das questões em causa. De valor especial é um longo ensaio publicado originalmente na Yale Law Journal, “Reflections on Sex Equality under Law”, que apresenta a sua posição de maneira clara e incisiva. Ela pensa que a desigualdade sexual da sociedade americana pode ser legalmente atacada fazendo apelo ao bloqueio constitucional contra a subordinação de grupo que foi desenvolvido a partir da longa batalha contra a escravatura e o racismo. Mas o sexo não é como a raça: a igualdade não pode significar apenas que as mulheres devem ser tratadas exactamente como os homens, dado que esse padrão seria atingido se tanto aos homens como às mulheres se negasse a licença de parto e o direito ao aborto. (Esta, afirma, é a igualdade que proíbe ricos e pobres de dormir debaixo das pontes de Paris.)
A originalidade de MacKinnon é ter alargado o alcance deste aspecto conhecido muito para lá do biológico, ligando-o ao seu sentido visceral da subordinação sexual e pessoal omnipresente das mulheres. A discriminação legal e económica explícita e o impacto desigual de leis formalmente neutras são apenas a ponta do icebergue, e portanto o ataque jurídico tem de ser muito mais profundo do que no caso da desigualdade racial. Tem de invadir a própria vida sexual. E os meios do ataque não devem ser o direito criminal, cuja aplicação é demasiado facilmente negligenciada pelas autoridades masculinas quando ameaça a dominação masculina, mas antes o direito civil, que permite às mulheres prejudicadas e aos seus advogados ir a tribunal e procurar recompensas. Além disso, apesar de ela não o mencionar, impõe um ónus da prova menos exigente.
O maior sucesso de MacKinnon tem sido o desenvolvimento da lei do assédio sexual, que, como explica numa exposição detalhada, surgiu a partir de uma série de casos, alguns dos quais ela defendeu em tribunal, com base na Lei dos Direitos Civis de 1964. Esta lei proibiu a discriminação no emprego com base no sexo e na raça. Doze anos depois, uma mulher que foi despedida depois de recusar os avanços sexuais do seu superior moveu com êxito uma acção em tribunal por discriminação usando essa lei. O conceito de assédio sexual foi depois alargado a outros casos para incluir a atenção sexual persistente indesejada, a hostilidade com carga sexual, e talvez exibições individuais obscenas como a que Paula Jones invocou para acusar Bill Clinton. MacKinnon explica por que razão este alargamento da ideia de discriminação foi correcta e importante. Não são apenas danos a um indivíduo que por acaso é uma mulher; ela é sujeita a esses danos porque é uma mulher, dado que elas são convencionalmente vistas como destinatários apropriados desse tratamento na nossa civilização, ao contrário dos homens.
A referência à subordinação de grupo ao identificar um dano a um indivíduo que pode ser levado a tribunal é o elemento-chave da concepção de igualdade de MacKinnon. Ela não vê interesse nos direitos puramente individuais, muito menos se forem universais. O objectivo é lutar contra a discriminação. Isto leva-a a uma posição muito própria e significativa acerca do aborto, que ela pensa não dever ser defendido com base na privacidade ou na autonomia do corpo, mas antes na igualdade: “Se a igualdade sexual existisse socialmente — se as mulheres fossem reconhecidas como pessoas, se a agressão sexual fosse verdadeiramente desviante, e se a criação dos filhos fosse partilhada e compatível com uma vida plena em vez de lhe ser avessa — o feto poderia ainda assim não ser considerado uma pessoa, mas a questão do seu estatuto político seria muito diferente”. Mas, sendo as coisas como são, “o aborto constitui um alívio numa situação desigual que não tem saída. Até que este contexto mude, só as mulheres grávidas podem escolher a vida do nascituro”.
MacKinnon condena a privacidade como um valor que tradicionalmente permitiu aos homens safar-se com tudo, sob um código de protecção mútua. Em alguns aspectos, os seus desejos tornaram-se realidade, e ela festeja a exposição de homens poderosos como Clinton e Clarence Thomas. Mas as suas tentativas de alargar a técnica dos direitos civis para lá do assédio sexual em duas outras direcções fracassaram — infelizmente num caso, e felizmente no outro. O primeiro caso, uma Lei Federal da Violência contra a Mulher que ela ajudou a escrever, teria permitido as mulheres ir a tribunal quando os estados não lhes dessem protecção adequada. Foi aprovada no Congresso, mas bloqueada pelo Supremo Tribunal em 2000 porque violava a divisão da autoridade entre os estados e o governo federal — um exemplo pouco habitual de federalismo exacerbado, que MacKinnon critica num ensaio incisivo originalmente publicado na Harvard Law Review.
O outro caso, a façanha mais famosa de MacKinnon e Dworkin, foi a tentativa de levar a pornografia a tribunal por ser uma forma de discriminação sexual. Os criadores e distribuidores de pornografia seriam objecto de acções em tribunal por mulheres que tivessem participado nas suas produções, mulheres agredidas em resultado do consumo masculino da pornografia, ou mulheres cuja subordinação fosse causada pelo tráfico geral da pornografia. Isto foi correctamente visto como uma forma não muito disfarçada de privatizar a censura. A versão adoptada pela cidade de Indianápolis foi bloqueada pelos tribunais federais em 1984 porque violava a liberdade de expressão. Os liberais opuseram-se-lhe solidamente, e um grupo denominado Grupo de Trabalho Feminista contra a Censura apresentou um relatório ao tribunal, para grande irritação de MacKinnon.
A sua insistência em derrubar as barreiras liberais da privacidade e da liberdade de expressão para exercer o controlo estatal da vida sexual pode fazer parecer que MacKinnon tem a mesma motivação da direita conservadora, mas ela rejeita a acusação. Num ensaio intitulado “Beyond Moralism: Directions in Sexual Harassment Law”, defende com mestria que a objecção ao assédio sexual não deriva a sua força do puritanismo sexual, e que se dirige apenas ao tratamento desigual das mulheres. Mas no caso da sua proposta de lei contra a pornografia, a sua insistência de que não é uma censura moralista baseada no conteúdo soa a falsa. Não que ela seja puritana, mas a sua atitude perante a pornografia e os seus consumidores é estrondosamente moralista. Que os homens gostem de ver mulheres nestes cenários é em si o que ela odeia. As débeis experiências psicológicas que ela cita, e os casos em que a pornografia foi usada como guia em agressões sexuais, não passam de tentativas de dar o peso do dano interpessoal a uma repulsa essencialmente moral perante uma forma de prazer sexual masculino com o qual ela se sente violentada.
Ao contrário dela, devido ao seu trabalho como advogada, não tenho conhecimento em primeira mão das profundezas da opressão feminina, mas tenho todas as razões para aceitar a sua palavra sombria de que as vidas de muitas mulheres são feitas desde a infância de degradação, estupro, violência e coerção. Partilho a sua crença de que muitos homens receiam e desprezam as mulheres. Mas a ideia de que a pornografia tem uma responsabilidade causal significativa em tudo isto é extraordinariamente pouco imaginativa e não se apoia, tanto quanto sei, em indícios de que a violência sexual aumenta quando a pornografia fica mais acessível numa sociedade. Algumas das culturas mais misóginas e abusivas são as que têm uma censura mais forte, e algumas das menos misóginas, como a sueca, foram das primeiras a eliminar restrições.
MacKinnon tem razão em insistir que o estatuto desigual das mulheres afecta a sexualidade e não se limita à esfera pública. Mas isto faz-lhe subvalorizar o prazer sexual, que todos temos de obter onde o encontrarmos. A imensa indústria pornográfica serve este fim ao alimentar as fantasias das pessoas. Dado que ela considera que a maior parte das fantasias dos homens são revoltantes e degradantes para as mulheres, e dado que a maior parte dos consumidores de pornografia são homens, isto não lhe interessa. Na verdade, ela quer acabar com isso, e portanto fixa-se na ilusão de que pode combater a desigualdade controlando a fantasia dos homens.
E que dizer do prazer feminino? MacKinnon menciona-o uma vez apenas, em resposta à pouco sábia afirmação do Juiz Richard Posner de que os homens têm mais desejo sexual do que as mulheres. Isto, afirma ela, ignora “o orgasmo clitoridiano que, quando começa, se prolonga durante semanas, e nenhum homem lhe chega perto, para frustração de tantos deles. (Isto está subjacente à pergunta “Já te vieste?”, que muitas vezes tem um toque de maldade, quando quer dizer “Não acabaste já? Eu já”.)” É evidente que estamos num campo de batalha.
O credo antiliberal de MacKinnon precisa de ser seriamente enfrentado. Parece-me exigir uma justificação moral que ela nem sequer tenta fornecer. Não basta, ao defender o uso do poder do estado, apontar para as desigualdades sociais profundas e dizer que esta é uma maneira de as atacar. Os meios têm não só de ser eficazes mas também de respeitar os limites da invasão legítima do estado na autonomia pessoal de cada um dos seus cidadãos. Também isto é uma exigência do tratamento igual, apesar de ser definido de maneira individualista. Se não lhe for dado qualquer peso e se for automaticamente anulado devido à desigualdade e subordinação de grupo, teremos uma tirania em nome da igualdade — um resultado bem conhecido. MacKinnon deveria explicar por que razão o seu desprezo pelos direitos e pela privacidade, autonomia e liberdade de expressão não tem esta consequência, ou então explicar por que razão é aceitável.