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Crítica
15 de Março de 2016   Filosofia política

Por que as pessoas são irracionais sobre a política

Michael Huemer
Tradução de Hélio S. C. Carneiro

1. Introdução: o problema da discordância política

Talvez a característica mais marcante no que se refere à política é o quão ela é suscetível de discordância – apenas a religião e a ética competem com a política enquanto fonte de desacordo. Há três características principais das discordâncias políticas que quero apontar: (i) são muito difundidas. Não se trata apenas de algumas pessoas discordando sobre alguns assuntos; em vez disso, quaisquer duas pessoas escolhidas aleatoriamente provavelmente discordarão sobre vários temas políticos. (ii) São fortes, ou seja, as partes discordantes estão normalmente muito convencidas de suas próprias posições, que não são de maneira alguma provisórias. (iii) São persistentes, ou seja, é extremamente difícil resolvê-las. Várias horas de discussão normalmente não conseguem resultar em progresso. Algumas disputas têm persistido por décadas (com os mesmos personagens ou com diferentes partes ao longo de múltiplas gerações).

Essa situação deveria nos parecer muito estranha. A maioria dos outros assuntos – por exemplo, geologia, linguística ou álgebra – não está de maneira alguma suscetível a discordâncias desse tipo; suas disputas são muito menores em número e ocorrem no âmbito de um acordo substancial acerca da teoria básica; e tais discordâncias tendem a ser mais provisórias e mais facilmente resolvidas. Por que é a política sujeita a discordâncias tão amplas, fortes e persistentes? Considere-se quatro explicações gerais para a prevalência de desacordo político:

A. Teoria do Engano: As questões políticas estão sujeitas a muitas disputas porque são muito difíceis; assim, muitas pessoas simplesmente cometem erros – análogos a enganos cometidos ao trabalhar com problemas matemáticos difíceis –, o que as leva a discordar de outras pessoas que não cometeram erros ou que cometeram erros diferentes, levando-as a conclusões diferentes.

B. Teoria da Ignorância: Em vez de serem inerentemente difíceis (devido à sua complexidade ou abstração, por exemplo), as questões políticas são difíceis de resolver devido à informação insuficiente e/ou porque diferentes pessoas têm diferentes informações disponíveis. Se todos tivessem o conhecimento factual adequado, a maioria das disputas políticas seria resolvida.

C. Teoria dos Valores Divergentes: As pessoas discordam em questões políticas principalmente porque tais questões dependem de questões morais/valorativas, e as pessoas têm valores fundamentais divergentes.

D. Teoria da Irracionalidade: As pessoas discordam em questões políticas principalmente porque as maioria das pessoas é irracional quando se trata de política.

As discordâncias políticas indubitavelmente têm mais do que uma causa contributiva. Ainda assim, mantenho que a explicação D, a da irracionalidade, é o fator mais importante, e que as explicações A-C, na ausência da irracionalidade, não conseguem explicar quase nenhuma das características mais notáveis da discordância política.

2. As disputas políticas não são explicadas por engano ou ignorância

Começaremos com as duas explicações cognitivas – ou seja, com teorias que procuram explicar as disputas políticas em termos do funcionamento normal das nossas faculdades cognitivas. Esse é o tipo mais natural de explicação a que deitar mão na ausência de indícios específicos contra uma explicação cognitiva.

As explicações cognitivas, contudo, não conseguem explicar as seguintes características relevantes das crenças e disputas políticas:

a. A força das crenças políticas

Se as questões políticas são apenas muito difíceis, então deveríamos esperar que a maioria das pessoas defendesse, no máximo, posições provisórias, ou então que suspendesse o juízo de uma vez. É isso o que acontece com outras questões que são intrinsecamente difíceis. Se acabamos de resolver um problema matemático muito complicado, tendemos a manter no máximo uma crença provisória na resposta a que chegamos. Se uma outra pessoa inteligente diz ter solucionado o mesmo problema e chegado a uma resposta diferente, isso abala a nossa confiança na nossa resposta; encaramos isso como uma prova forte de que podemos estar errados. Mas em questões políticas as pessoas tendem a defender as suas posições com grande confiança, e a tratá-las como se não fossem muito difíceis de verificar, ou seja, como se fossem óbvias. E nem a mera presença de outra pessoa com uma crença política oposta tipicamente abala a nossa confiança.

A Teoria da Ignorância se sai um pouco melhor, visto que se as pessoas ignorarem não só os fatos relativos a uma questão política, mas também a sua própria ignorância, a sua confiança nas próprias crenças políticas seria compreensível. No entanto, ainda é misterioso o motivo pelo qual as pessoas ignorariam o seu próprio nível de ignorância – isso, por si só, necessita de uma explicação adicional. Além disso, a Teoria da Ignorância tem dificuldade de explicar a seguinte característica de disputas políticas:

b. A persistência das disputas políticas

Se as disputas políticas tivessem uma explicação puramente cognitiva, esperaríamos que elas fossem mais facilmente susceptíveis de serem resolvidas. Uma parte poderia fazer notar à outra em que altura foi cometido um erro no raciocínio – um erro de cálculo –, caso em que a segunda pessoa poderia corrigir o seu erro. Ou, no caso de as duas partes terem informações diferentes disponíveis, poderiam simplesmente se encontrar, compartilhar suas informações e então chegar a um acordo. Apesar de as partes nas disputas políticas normalmente de fato compartilharem as suas razões e provas entre si, as disputas persistem.

c. A correlação de crenças políticas com traços não-cognitivos

As crenças políticas das pessoas tendem a se correlacionar fortemente com sua raça, sexo, estatuto econômico, ocupação e traços de personalidade. Os membros de minorias têm maior probabilidade de apoiar ações afirmativas do que os homens brancos. Os membros da indústria de entretenimento têm muito mais probabilidade de serem progressistas do que conservadores. As pessoas que gostam de ternos têm maior probabilidade de serem conservadoras do que pessoas que gostam de blusas psicadélicas. E assim por diante. Nenhuma dessas correlações seria de esperar caso as crenças políticas tivessem uma origem inteiramente cognitiva. Esses fatos sugerem que é o tendenciosismo, e não um mero erro de cálculo, que tem um papel central na explicação dos enganos políticos.

d. O agrupamento de crenças políticas

Duas crenças não têm relação lógica se nenhuma delas, ainda que verdadeiras, constituiria prova contra ou a favor da outra. Diversas crenças sem relação lógica estão correlacionadas – ou seja, é frequentemente possível prever a crença de alguém sobre um assunto baseando-se na sua opinião sobre outra questão sem relação alguma com a primeira. Por exemplo, as pessoas que apoiam o controle de armas têm muito mais probabilidade de apoiar programas de bem-estar social e o direito ao aborto. Visto que esses temas não têm relação lógica entre si, numa teoria puramente cognitiva das crenças políticas das pessoas seria de esperar que não houvesse tal tipo de correlação.

Às vezes as correlações observadas são o oposto do que seria de esperar com base apenas na razão – ou seja, às vezes as pessoas que sustentam uma crença têm menor probabilidade de sustentar outras crenças que são apoiadas pela primeira. Por exemplo, alguém poderia ingenuamente esperar que aqueles que defendem os direitos dos animais tenham maior probabilidade de se opor ao aborto do que aqueles que rejeitam a noção dos direitos dos animais; de maneira simétrica, quem se opõe ao aborto deveria ter maior probabilidade de aceitar os direitos dos animais. Isto porque para aceitar os direitos dos animais (ou dos fetos), uma pessoa deve ter uma concepção mais expansiva dos tipos de seres que têm direitos do que aqueles que rejeitam os direitos dos animais (ou dos fetos) – e porque os fetos e os animais parecem partilhar a maior parte das mesmas propriedades moralmente relevantes (e.g., são ambos sencientes, mas nenhum é inteligente). Não estou dizendo que a existência de direitos dos animais implica que os fetos têm direitos, ou vice-versa (há algumas diferenças entre fetos e animais); estou apenas dizendo que se animais têm direitos, é bem mais provável que os fetos também os tenham, e vice-versa. Assim, se as crenças políticas das pessoas tiverem em geral explicações cognitivas, seria de esperar uma correlação estatística positiva entre ser pró-vida e ser a favor dos direitos dos animais. De fato, o que observamos é precisamente o oposto.

Alguns agrupamentos de crenças sem relação lógica poderiam explicar-se cognitivamente – por exemplo, por meio da hipótese de que algumas pessoas tendem, no geral, a ser boas na tarefa de alcançar a verdade (talvez porque são inteligentes, têm um bom nível de conhecimento, etc.). Suponha-se, então, que seja verdadeiro que as ações afirmativas são justas e que o aborto é moralmente permissível. Essas questões não estão logicamente relacionadas; contudo, se algumas pessoas são em geral boas a chegar à verdade, então quem acredita numa dessas proposições muito provavelmente acreditaria na outra.

Mas note-se que, nessa hipótese, não seria de esperar a existência de um agrupamento oposto de crenças. Ou seja, suponha-se que as crenças progressistas sejam, no geral, verdadeiras, e que isso explica por que há tantas pessoas que geralmente abraçam esse agrupamento de crenças. (Assim, as ações afirmativas são justas, o aborto é permissível, os programas de bem-estar social são bons, a pena de morte é má, os seres humanos estão seriamente prejudicando o meio ambiente, etc.). Por que haveria um número significativo de pessoas que tendem a abraçar as crenças opostas em todas essas questões? Não é plausível supor que há algumas pessoas que são em geral atraídas pela falsidade. Ainda que haja pessoas que não sejam muito boas em chegar à verdade (talvez sejam estúpidas, ignorantes etc.), as suas crenças deveriam, no pior dos casos, não ter qualquer alinhamento com a verdade; não deveriam estar sistematicamente afastadas da verdade. Portanto, mesmo que possa haver um “agrupamento verdadeiro” de crenças políticas, estas considerações sugerem fortemente que nem o agrupamento progressista nem o conservador o é.

3. As disputas políticas não são explicadas por valores divergentes

As questões políticas são normativas; dizem respeito ao que as pessoas devem fazer: deve o aborto ser permitido? Devemos cortar nos gastos militares? E assim por diante. Talvez as disputas políticas persistam porque as pessoas partem de diferentes valores fundamentais, e então corretamente raciocinam a partir desses valores e chegam a conclusões politicamente divergentes.

Esta hipótese traz à tona a seguinte questão mais ampla: por que têm as pessoas diferentes valores fundamentais? Se os valores são objetivos, então essa pergunta é tão intrigante quanto a inicial (“Por que discordam as pessoas acerca de questões políticas?”). Mas muitos acreditam que as questões relativas a valores não têm resposta objetiva, e que os valores são apenas uma questão de sentimentos e preferências pessoais. Isso tenderia a explicar, ou ao menos a não tornar surpreendente, a razão pela qual várias pessoas têm valores divergentes e são incapazes de resolver essas diferenças de valor.

Há três razões pelas quais discordo dessa explicação. A primeira é que as questões de valor são objetivas e o anti-realismo moral é completamente injustificado.2 3 A segunda razão é que essa hipótese falha em explicar o agrupamento de crenças descrito anteriormente. Na Teoria dos Valores Divergentes, seria de esperar que os agrupamentos de crenças políticas prevalecentes correspondessem a diferentes teorias morais básicas. Assim, deveria haver alguma posição moral central que unisse todas ou a maior parte das crenças políticas “progressistas”, e uma posição moral diferente que unisse todas ou a maior parte das crenças políticas “conservadoras”. Que tese moral subjacente sustenta as perspectivas segundo as quais a) o capitalismo é injusto, b) o aborto é permissível, c) a pena de morte é má e d) as ações afirmativas são justas? Não preciso afirmar aqui que essas crenças sempre andam juntas, mas apenas que estão correlacionadas (se uma pessoa defende uma delas, provavelmente defenderá outra delas); a hipótese dos Valores Divergentes não consegue explicar isso. E o exemplo anterior sobre o aborto e os direitos dos animais (seção 2d) mostra que em alguns casos os agrupamentos de crenças políticas que encontramos são o oposto do que esperaríamos de pessoas que estivessem raciocinando corretamente a partir de teorias morais fundamentais.

O terceiro problema, e o maior, com a teoria dos Valores Divergentes é que as disputas políticas envolvem todo o tipo de disputas não-morais. As pessoas que discordam acerca da justiça da pena de morte também tendem a discordar acerca dos fatos não-morais sobre a pena de morte. Quem defende a pena de morte têm muito mais probabilidades de acreditar que tem um efeito dissuasor, e que poucos inocentes foram executados. Quem se opõe à pena de morte tende a acreditar que não tem um efeito dissuasor, e que vários inocentes foram executados. Estas são questões factuais, e meus valores morais não deveriam ter efeito sobre o que penso acerca dessas questões factuais. Se a pena de morte dissuade criminosos ou não é algo a determinar pela análise de provas estatísticas e de estudos científicos sobre o tema – e não invocando as nossas crenças sobre a natureza da justiça. É claro que pode acontecer que os meus valores morais afetem as minhas crenças sobre tais questões factuais porque sou irracional – isso seria consistente com a teoria avançada nesse artigo.

Similarmente, as pessoas que defendem o controle de armas geralmente acreditam que as leis de controle de armas reduzem crimes violentos de maneira significativa. Aqueles que se opõem ao controle de armas geralmente acreditam que as leis de controle de armas não reduzem crimes violentos de maneira significativa, e até mesmo que aumentam os crimes violentos. Essa também é uma questão factual, e não se pode determinar que efeito as leis de controle de armas têm na ocorrência de crimes invocando as próprias crenças morais.

Como exemplo final, os socialistas tendem a culpar o capitalismo pela pobreza no terceiro mundo; mas os defensores do capitalismo tipicamente o veem como a solução da pobreza no terceiro mundo. Mais uma vez, essa é uma questão factual que não pode ser resolvida invocando crenças morais.

Haverá algumas diferenças de valores fundamentais? Provavelmente. Algumas discordâncias políticas se devem a discordâncias morais? Quase certamente que sim (as ações afirmativas e o aborto são bons candidatos). Ainda assim, o ponto é que várias discordâncias políticas são discordâncias factuais e não podem ser explicadas – sem se invocar uma hipótese de irracionalidade – invocando discordâncias morais.

4. Ignorância racional e irracionalidade racional

As considerações anteriores, à primeira vista, dão suporte à importância da irracionalidade na explicação de discordâncias políticas – nenhuma das outras explicações parece muito boa. Mas precisamos saber mais sobre a Teoria da Irracionalidade – como e por que as pessoas são irracionais na política?

Primeiro, vejamos uma teoria relacionada. A teoria da Ignorância Racional diz que as pessoas frequentemente escolhem – racionalmente – permanecer ignorantes porque os custos de coletar informações são maiores que o valor esperado das informações. Isso é frequentemente verdadeiro com relação à informação política. Para ilustrar, em diversas ocasiões dei palestras sobre o assunto deste artigo, e sempre pergunto às pessoas da audiência se sabem quem é o congressista que elegeram. A maioria não sabe. Entre cidadãos mais velhos, talvez metade levante a mão; entre estudantes de faculdade, talvez um quinto. Em seguida pergunto se alguém sabe qual foi a última votação ocorrida no Congresso. Até agora, de centenas de pessoas a quem perguntei, nenhuma respondeu afirmativamente. Por quê? Simplesmente não vale a pena perder tempo a coletar essa informação. Se você tentasse se manter atualizado acerca de todo político e burocrata que supostamente o estaria representando (ou servindo), você provavelmente passaria toda sua vida fazendo isso. Ainda assim, isso não lhe traria bem algum – talvez viesse a saber em que político votar na próxima eleição, mas os outros milhares de eleitores no seu distrito iriam à mesma votar em quem quer que seja que iriam votar antes de você coletar a sua informação.

Compare-se isso com o que ocorre quando você compra um produto no mercado. Se você tirar um tempo para ler a Consumer Reports a fim decidir que tipo de carro comprar, você sai e compra o carro escolhido. Mas se tirar um tempo para pesquisar os registros das atividades dos políticos para decidir em quem votar, não obtém mesmo assim o candidato que escolheu. Vai continuar com o candidato em quem a maioria da população votou (a não ser que o resultado seja exatamente um empate, que é uma possibilidade desprezível).4 Do ponto de vista do autointeresse, normalmente é irracional coletar informação política.

Similarmente, a teoria da Irracionalidade Racional diz que as pessoas frequentemente escolhem – racionalmente – adotar crenças irracionais porque os custos de formar crenças racionais excedem os seus benefícios.5 Para entender isto, é preciso distinguir dois significados da palavra “racional”:

A teoria da Irracionalidade Racional diz que frequentemente é instrumentalmente racional ser epistemicamente irracional. Em termos mais coloquiais (mas menos precisos): as pessoas frequentemente pensam ilogicamente porque é de seu interesse fazê-lo. Isso é particularmente comum em relação a crenças políticas. Considere-se um dos exemplos de Caplan.6 Se eu acreditar, irracionalmente, que as relações entre mim e as outras pessoas é prejudicial, sou eu quem suporta os custos dessa crença. Mas se eu acreditar – também irracionalmente – que as relações entre o meu país e os outros é prejudicial, não sou em quem suporta praticamente nenhum dos custos dessa crença. Há uma probabilidade minúscula de que a minha crença vá ter algum efeito sobre as políticas públicas; se isso acontecer, os custos serão suportados pela sociedade como um todo; só uma porção insignificante terá de ser suportada por mim pessoalmente. Por essa razão, tenho um incentivo para ser mais racional acerca dos efeitos das relações que ocorrem no âmbito individual do que acerca dos efeitos gerais das relações entre nações. Em geral, tal como não recebo quase nenhum benefício na minha coleta de informação política, também não recebo quase nenhum benefício ao pensar racionalmente sobre questões políticas.

A teoria da Irracionalidade Racional faz duas pressuposições centrais. Primeiro, os indivíduos têm preferências não-epistêmicas de crença (também conhecidas como “tendenciosismo”). Ou seja, há certas coisas em que as pessoas querem acreditar, por razões independentes do valor de verdade de certas proposições ou do quão bem sustentadas por provas o estejam. Segundo, os indivíduos podem exercer algum controle sobre suas crenças. Dada a primeira pressuposição, há um “custo” em se pensar racionalmente – nomeadamente, pode-se acabar não acreditando no que se queria acreditar. Dada a segunda pressuposição (e dado que os indivíduos são instrumentalmente racionais), a maioria das pessoas vai aceitar esse custo apenas se receberem maiores benefícios por pensarem racionalmente. Mas visto que os indivíduos não recebem quase nenhum benefício por serem epistemicamente racionais acerca de questões políticas, é de prever que as pessoas vão frequentemente escolher ser epistemicamente irracionais acerca de questões políticas.

Pode ser que haja pessoas para as quais ser epistemicamente racional seja, em si, um valor suficientemente grande para superar quaisquer outras preferências que possam ter relativas às suas próprias crenças. Tais pessoas continuariam a ser epistemicamente racionais até mesmo em questões políticas. Mas não há razão para esperar que todo o mundo teria esse tipo de estrutura de preferência. Para explicar por que alguns adotariam crenças políticas irracionais, precisamos apenas supor que algumas preferências não-epistêmicas de crença dos indivíduos são mais fortes do que o seu desejo (se é que há algum) de ser epistemicamente racional.

Nas duas seções seguintes, discutirei e defenderei as duas pressuposições centrais da Teoria da Irracionalidade que acabei de mencionar.

5. Fontes das preferências de crença

Por que as pessoas preferem acreditar em algumas coisas que não são verdadeiras ou não são sustentadas por provas? Que tipos de preferências não-epistêmicas de crença nós temos?

Uma resposta razoavelmente detalhada exigiria um estudo psicológico extenso. Vou mencionar só alguns fatores que parecem desempenhar algum papel no que as pessoas preferem acreditar – sem dúvida, tais fatores merecem uma investigação posterior, e também não há dúvida de que há outros fatores a serem considerados.

a. Tendenciosismo de interesse-próprio

As pessoas tendem a abraçar as crenças políticas que, se fossem geralmente aceitas, as beneficiariam a elas mesmas ou ao grupo com o qual preferem identificar-se. Assim, quem tem probabilidade de beneficiar de programas de ações afirmativas tem maior probabilidade de acreditar na justiça de tais programas, os professores das escolas públicas têm maior probabilidade de apoiar um aumento nos gastos com a educação pública, e os médicos já existentes têm maior probabilidade de apoiar exigências mais restritas de formação de novos médicos.

A frase em itálico, “o grupo com o qual preferem identificar-se”, é importante em alguns casos. Os professores universitários, por exemplo, preferem identificar-se com a classe trabalhadora e não com os empresários; consequentemente, apoiam políticas que consideram benéficas para os trabalhadores. Como este exemplo ilustra, um grupo com o qual alguém se identifica não tem de ser um grupo ao qual alguém de fato pertence. (Por essa razão, o termo “tendenciosismo de interesse-próprio” é levemente enganador.)

b. As crenças constroem a imagem de si

As pessoas preferem manter crenças políticas que melhor se encaixam com a imagem de si mesmas que elas querem adotar e projetar. Por exemplo, uma pessoa pode querer apresentar-se (tanto para si própria como para outras pessoas) como uma pessoa compassiva e generosa. Nesse caso, será motivada a endossar a desejabilidade e a justiça de programas de bem-estar social, e até mesmo a exigir um aumento nesse tipo de despesa (independentemente de qual seja o nível atual de despesa), apresentando-se assim como mais generosa/compassiva que quem estabeleceu o sistema atual. Outra pessoa pode querer apresentar-se como durona, caso em que será motivada a advogar o aumento em despesas militares (novamente, independentemente do nível atual de despesa), apresentando-se assim como mais durona que quem estabeleceu o sistema atual.

Presumivelmente, foi por reconhecimento desse viés que o presidente Bush definiu a sua filosofia como “conservadorismo compassivo”.7 O grau de compaixão dos conservadores não tem relevância lógica para os méritos das políticas conservadoras, mas Bush evidentemente percebeu que alguns indivíduos gravitam ao redor do progressismo a partir de um desejo de ser (ou de ser visto como) compassivo.

c. As crenças como ferramentas de integração social

As pessoas preferem ter as crenças políticas de outras pessoas de quem gostam e com quem querem se associar. É improvável que uma pessoa que não gosta da maioria dos conservadores passe a ter crenças conservadoras. Analogamente, a atração física das pessoas influencia a tendência dos outros a concordarem politicamente com elas. Um estudo das eleições federais canadenses descobriu que os candidatos atraentes recebiam mais do dobro dos votos do que os candidatos que não são atraentes – apesar de a maioria dos entrevistados negar nos termos mais fortes possíveis que a atração física tenha tido qualquer influência nos seus votos.8

O papel social de crenças políticas provavelmente explica boa parte do agrupamento de crenças sem relação lógica. As pessoas com as mesmas orientações políticas têm maior probabilidade de passar mais tempo juntas do que as pessoas com orientações políticas divergentes. Uma boa quantidade de provas mostra que as pessoas tendem a se conformar às crenças e disposições dos que os rodeiam, particularmente daqueles que veem como semelhantes a si mesmas.9 Assim, pessoas com um nível substancial de concordância política inicial tenderão a convergir mais ao longo do tempo – ainda que a coleção particular de crenças sobre as quais há convergência possa ser largamente uma questão historicamente acidental (daí a dificuldade de elaborar um princípio geral que una as crenças progressistas ou as conservadoras).

d. Tendenciosismo de coerência

As pessoas são tendenciosas acerca de crenças que “caem bem” com as suas crenças prévias. É claro que, em certo sentido, a tendência para preferir crenças que combinam com um sistema de crenças prévio é um procedimento racional, e não tendencioso. Mas essa tendência também pode funcionar como tendenciosamente. Por exemplo, há muitas pessoas que acreditam que a pena de morte reduz o crime e muitas pessoas que acreditam que não há tal redução; há também várias pessoas que acreditam que gente inocente é frequentemente condenada e várias pessoas que creem que isso não acontece. Mas há relativamente poucas pessoas que ao mesmo tempo pensam que a pena de morte reduz o crime e que várias pessoas inocentes são condenadas. Da mesma maneira, poucas pessoas acreditam que a pena de morte não consegue reduzir o crime, mas que pouca gente inocente é condenada. Em outras palavras, as pessoas tenderão ou a adotar as duas crenças factuais que tenderiam a fortalecer o partido favorável à pena de morte, ou a adotar as duas crenças factuais que tenderiam a enfraquecer o partido favorável à pena de morte. Num caso similar, relativamente poucas pessoas acreditam que o uso de drogas é extremamente prejudicial à sociedade, mas que as leis contra as drogas não são e continuarão a não ser eficazes. No entanto, a priori, não há razão para se pensar que tais posições (i.e., posições nas quais uma razão a favor de uma política particular e uma razão contra essa política têm ambas uma base factual sólida) deveriam ser menos prováveis do que as posições que são de fato prevalecentes (i.e., posições segundo as quais todas as considerações relevantes apontam na mesma direção).

Num estudo psicológico, os sujeitos foram expostos a provas de estudos sobre o efeito dissuasor da pena de morte. Um estudo concluiu que a pena de morte tem um efeito dissuasor, e outro concluiu que esse efeito não existe. Todos os sujeitos da experiência tiveram em mãos resumos dos dois estudos, e foi-lhes pedido que avaliassem qual era a conclusão, no geral, mais sustentada pelas provas que tinham acabado de ver. O resultado foi que quem inicialmente já apoiava a pena de morte alegou que as provas de que tiveram conhecimento sustentam, no geral, que a pena de morte tem um efeito dissuasor. Quem inicialmente já se opunha à pena de morte achou que essas mesmas provas sustentam, no geral, a conclusão de que a pena de morte não tem efeito dissuasor. Em cada caso, os partidários deram razões (ou racionalizações) para explicar por que o estudo cuja conclusão favorecia a sua própria posição era metodologicamente superior ao outro. Isso aponta para uma razão pela qual as pessoas tendem a ficar polarizadas sobre questões políticas: tendemos a avaliar provas que apontam em direções diferentes para sustentar crenças que já temos inclinação para adotar – caso em que aumentamos o nosso grau de crença.10

6. Mecanismos de fixação de crença

A teoria defendida nas duas últimas seções pressupõe que as pessoas têm controle sobre as suas próprias crenças; explica as crenças das pessoas da mesma maneira que geralmente explicamos as ações das pessoas (invocando os seus desejos). Mas vários filósofos pensam que não podemos controlar nossas crenças – ao menos não diretamente.11 Para mostrá-lo, costumam dar exemplos de proposições obviamente falsas e então perguntam se você pode acreditar nelas – por exemplo, você pode, se quiser, acreditar que está neste momento no planeta Vênus?

Talvez não possamos acreditar em proposições obviamente falsas por vontade própria. Ainda assim, podemos exercer um controle substancial sobre as nossas crenças políticas. Um “mecanismo de fixação de crenças” é uma maneira por meio da qual podemos nos fazer acreditar nas coisas que queremos acreditar. Vejamos alguns desses mecanismos.

a. Ponderação tendenciosa de provas

Um método é simplesmente atribuir um pouco mais do que o peso devido às provas que suportam a perspectiva que se prefere, e atribuir um pouco menos de peso às provas que enfraquecem tal perspectiva. Esse método requer apenas um pequeno desvio da racionalidade perfeita em cada caso, mas pode ter grandes efeitos quando aplicado consistentemente a uma grande diversidade de provas. A ponderação tendenciosa não tem de ser inteiramente consciente; os nossos desejos de apoiar uma dada conclusão podem ter o efeito de vermos cada prova favorável como um pouco mais importante. Um fenômeno relacionado é que temos mais facilidade em recordar fatos ou experiências que sustentam as nossas crenças, em detrimento daquilo que as enfraquece.

b. Atenção e energia seletivas

A maioria de nós passa mais tempo pensando em argumentos que apoiam as nossas crenças do que em argumentos que apoiam crenças alternativas. Em resultado, os argumentos que sustentam as nossas crenças têm mais impacto psicológico em nós, e tendemos a ficar menos dispostos a dar atenção a razões para duvidar das nossas crenças. Quando ouvimos um argumento a favor de uma conclusão na qual não acreditamos, a maioria de nós imediatamente se prepara para descobrir “o que está errado com o argumento”. Mas quando ouvimos um argumento a favor de uma conclusão na qual acreditamos, estamos muito mais dispostos a aceitar o argumento tal como está em vez de procurar algo de errado, solidificando assim nossa crença. Isso é ilustrado pelo experimento acerca da pena de morte mencionado anteriormente (seção 5d): os pacientes colocaram sob escrutínio minucioso aqueles estudos com os quais discordavam, procurando falhas metodológicas, ao passo que aceitaram sem maiores esforços os estudos com cuja conclusão concordavam. Quase todos os estudos possuem algum tipo de imperfeição epistemológica, de modo que essa técnica permite manter quaisquer crenças factuais que se quiser sobre a sociedade.

c. Seleção de fontes de prova

De maneira semelhante à anterior, as pessoas podem selecionar a quem ouvir para obter informações e argumentos sobre questões políticas. Se você vir alguém sentado no aeroporto lendo o National Review, imagina que seja um conservador. Já o homem lendo o New Republic é presumivelmente um progressista. Similarmente, os conservadores tendem a ter amigos conservadores, de quem eles ouvem argumentos conservadores, ao passo que os progressistas têm amigos progressistas. Uma das razões é que é desagradável ouvir afirmações e argumentos partidários (ou, como se pode chamar também, “tendenciosos”), a menos que concordemos com eles. Outra razão pode ser que simplesmente não queremos ser expostos a informações que possam enfraquecer as crenças que queremos ter. Se eu não ouvir as pessoas de quem discordo, é praticamente impossível mudar as minhas crenças. (Raramente é o caso de um lado do debate ser tão incompetente a ponto de não conseguir vencer tendo 95% do tempo para falar.)

d. Argumentos subjetivos, especulativos e fortuitos

As pessoas frequentemente se valem de argumentos fortuitos – argumentos que invocam exemplos particulares em vez de estatísticas – para sustentar generalizações. Por exemplo, ao dizer que o sistema de justiça americano é ineficiente, posso citar os julgamentos de O. J. Simpson e dos irmãos Menedez. Obviamente, o problema é que um único caso, ou até mesmo diversos casos, constitui prova insuficiente para se fazer generalizações indutivas. Cito isso como mecanismo de fixação de crença porque, para a maioria das questões sociais controversas, sempre haverá casos que sustentam duas generalizações contrárias quaisquer – certamente haveria casos que alguém poderia citar em que o sistema de justiça funcionou corretamente, por exemplo. Assim, o método fortuito é normalmente capaz de sustentar qualquer crença que queiramos manter.

Uma afirmação “subjetiva”, no sentido aqui relevante, é aquela que é difícil de refutar decisivamente porque exige algum tipo de ultimato subjetivo. Há graus de subjetividade. Por exemplo, a frase “os programas americanos de televisão são muito violentos” é relativamente subjetiva. Uma frase menos subjetiva seria “o número de mortes retratadas numa hora média na programação da televisão americana é maior que o número de mortes retratadas numa hora média na programação da televisão britânica”. A segunda frase requer menos juízo subjetivo para a sua avaliação. Os cientistas têm criado maneiras de reduzir o máximo possível a sua dependência de frases subjetivas para avaliar as suas teorias – um cientista defendendo uma teoria deve usar afirmações relativamente objetivas como prova. Mas no campo da política as afirmações subjetivas são abundantes. As afirmações subjetivas são mais facilmente influenciadas por tendenciosismos; consequentemente, depender desse tipo de afirmações para avaliar teorias torna mais fácil acreditar no que queremos acreditar.

Um fenômeno relacionado é depender de juízos especulativos. Trata-se de juízos que podem ter condições de verdade claras, mas simplesmente há falta de provas decisivas contra ou a favor deles. Por exemplo, “a Guerra Civil foi causada primariamente por motivos econômicos” é uma frase especulativa; “esta mesa tem aproximadamente 1,5 metro de altura” não é. Nas ciências, fazemos as nossas teorias dependerem o máximo possível de afirmações não-especulativas como a segunda. Na política, é frequente tratar especulações como provas a favor ou contra teorias políticas. Pessoas com perspectivas políticas iniciais opostas tenderão a considerar especulações opostas plausíveis, fazendo que cada um mantenha o que quer acreditar.

Uma implicação interessante surge a partir da consideração dos mecanismos de fixação de crença. Normalmente, a inteligência e a educação auxiliam a aquisição de crenças verdadeiras. Mas quando um indivíduo tem preferências não-epistêmicas de crença nem sempre isso é assim; um alto nível de inteligência e um amplo conhecimento podem piorar a probabilidade de um indivíduo formar uma crença verdadeira (ver gráfico abaixo).12 A razão é que uma pessoa tendenciosa usa a sua inteligência e educação como instrumentos para a racionalização de crenças. As pessoas muito inteligentes podem pensar em racionalizações para suas crenças em situações nas quais os menos inteligentes seriam forçados a desistir e conceder que erraram, e as pessoas muito educadas têm mais reservas de informações, a partir das quais podem procurar seletivamente informações que apoiam uma crença preferida. Assim, é quase impossível mudar a cabeça de um acadêmico sobre qualquer assunto importante, especialmente quando se trata do seu próprio campo de estudo. Isso é particularmente verdadeiro no caso de filósofos (a minha própria ocupação), que são profissionais em argumentação.

Probabilidade de se chegar à verdade com diferentes traços intelectuais
Inteligência Tendenciosismo
1. + - (melhor caso)
2. - -
3. - +
4. + + (pior caso)

7. O que fazer

A irracionalidade política é o maior problema social que a humanidade enfrenta. É um problema maior que o crime, que o vício em drogas ou até mesmo que a pobreza mundial, pois se trata de um problema que nos impede de resolver outros problemas. Antes de podermos resolver o problema da pobreza, devemos antes de mais nada ter crenças corretas sobre a pobreza: o que a causa, o que a reduz, e quais são os efeitos colaterais de políticas alternativas. Se as nossas crenças sobre essas coisas são guiadas pelo grupo social ao qual queremos pertencer, pela autoimagem que queremos manter, pelo desejo de evitar admitir que estivemos errados no passado, e assim por diante, então seria puro acidente se um número suficiente de nós de fato formasse crenças verdadeiras para resolver o problema. Uma analogia: suponha que você vai ao médico, se queixando de uma doença. O médico então tira de uma cartola um procedimento médico para realizar. Você teria sorte se o procedimento não piorasse sua situação.

O que podemos fazer em relação a esse problema?

Primeiro: Entender a natureza da irracionalidade política é, por si, um grande passo para combatê-la. Em particular, a atenção explícita aos mecanismos discutidos na seção 6 deve fazer com que se evite utilizá-los. Quando estivermos aprendendo sobre uma questão política, por exemplo, devemos coletar informação de gente de todos os lados da questão. Devemos passar um tempo pensando sobre objeções aos nossos próprios argumentos. Quando nos sentirmos inclinados a fazer uma afirmação política, devemos parar para nos perguntarmos que razões temos para acreditar nela, e devemos tentar acessar o caráter subjetivo, especulativo e fortuito dessas razões – e talvez reduzir a nossa confiança nelas de acordo com a variação de tal caráter.

Segundo: Devemos identificar casos em que somos particularmente suscetíveis a ser tendenciosos, e então hesitar em assentir as crenças que seriam alvo do nosso tendenciosismo. (Nota: as pesquisas indicam que maioria das pessoas se considera mais inteligente, mais imparcial e menos tendenciosa que uma pessoa média – mas a maioria dessas crenças são elas mesmas tendenciosas.13) Nesses casos inclui-se:

  1. Casos em que os nossos próprios interesses estão envolvidos.
  2. Questões sobre as quais temos fortes reações emocionais. Se, por exemplo, você se chateia quando conversa sobre o aborto, então as suas crenças sobre esse tema provavelmente não são confiáveis.
  3. Se as suas crenças tendem a se agrupar do jeito tradicional (ver seção 2d), então várias são provavelmente produto de tendenciosismo.
  4. Se as suas crenças políticas são largamente o que seria de se esperar com base na sua raça, no seu sexo, na sua ocupação e nos seus traços de personalidade, então a maioria delas é provavelmente produto de tendenciosismo.
  5. Se tem uma opinião sobre uma questão empírica antes de coletar dados empíricos – ou se as suas crenças sobre alguma questão não mudam quando você coleta muito mais dados –, então provavelmente é tendencioso acerca dessa questão. Para citar um exemplo particularmente impressionante: 41% dos americanos acredita que ajuda externa é uma das duas áreas em que há mais despesa do governo federal.14 Essa crença poderia ser facilmente conferida de maneira direta, e mostraria que é terrivelmente imprecisa; portanto, aparentemente, essa tem de ser uma crença sustentada na ausência de provas.

Terceiro: Devemos reparar na irracionalidade de terceiros e, nessa exata medida, ajustar nosso grau de confiança na informação transmitida. Deve-se reconhecer que muito da informação apresentada em debates políticos é provavelmente a) falsa, b) altamente capciosa e/ou c) incompleta. Esta é uma das razões pelas quais precisamos ouvir os dois lados antes de aceitar qualquer argumento. Logicamente, o problema é que, ao ouvir um indivíduo argumentando em defesa de uma posição específica, estamos selecionando provas. As provas que aquele indivíduo nos apresenta não são uma seleção aleatória das provas disponíveis; todas as provas contra a conclusão sendo defendida foi deixada de fora. Se tivermos isso em mente, devemos ficar muito menos impressionados com os argumentos dos ideólogos políticos. Exemplo: um proponente do controle de armas apresenta estatísticas de assassinato na Inglaterra (que tem um controle estrito de armas) e nos Estados Unidos (que tem menos controle de armas). Os números parecem ser impressionantes. E então nos lembramos que Inglaterra e Estados Unidos não foram aleatoriamente selecionados entre os países dos quais temos dados – provavelmente foram escolhidos porque são os casos mais favoráveis à posição sendo defendida, sendo os casos mais desfavoráveis excluídos.

Quarto: Deve você acusar os outros de irracionalidade se suspeitar que são irracionais? Há um dilema aqui. Por um lado, reconhecer a irracionalidade de alguém pode ser necessário para combatê-la. Meramente apresentar provas sobre a questão em disputa pode não ser suficiente, visto que essas provas vão continuar a ser analisadas irracionalmente. A vítima do tendenciosismo pode precisar de um esforço consciente para combatê-los. Por outro lado, as pessoas que são acusadas de serem irracionais podem encarar a acusação como um ataque pessoal, e não como um ponto relevante para o debate político, e assim responder defensivamente. Se isso ocorrer, é quase impossível que elas mudem a sua posição política.

Testemunhei poucas conversões políticas, de modo que o máximo que posso oferecer é uma especulação de como poderia ocorrer. Para começar, para que uma pessoa seja persuadida a mudar de posição, não deve ver o debate como uma competição pessoal. Por essa razão, devemos ter cuidado para evitar até mesmo observações levemente ofensivas no percurso de discussões políticas – sejam elas direcionadas aos indivíduos presentes ou a terceiros com quem eles possam se identificar.

Uma segunda sugestão é que se deve primeiro tentar levar o interlocutor a suspender o juízo, em vez de tentar levá-lo a uma posição oposta à sua. Pode-se tentar realizar isso primeiro ao identificar afirmações empíricas das quais a sua posição depende. Após assegurar concordância acerca de quais são as questões empíricas relevantes, pode-se tentar assegurar concordância acerca de qual tipo de provas seria necessário para resolver tais questões. Na maioria dos casos, pode-se então apontar que nenhuma das partes da discussão realmente tem esse tipo de provas. A linha de raciocínio por trás desse procedimento é a de que a pergunta “que tipo de provas é relevante para X?” é normalmente mais fácil de responder do que a perguntar “X é verdadeiro?”. Por exemplo: suponha que está discutindo com alguém sobre o porquê de os Estados Unidos ter um alto índice de crimes violentos. A outra pessoa sugere que isso se deve à violência na TV e nos filmes. Essa é uma afirmação empírica. Como descobriríamos se ela é verdadeira? Aqui estão algumas sugestões: uma série de dados temporais sobre a quantidade de violência retratada na televisão (por exemplo, o número de assassinatos por cada hora de entretenimento) durante um período de vários anos; índices de crimes violentos durante o mesmo período de tempo; dados similares de outros países; estudos psicológicos de criminosos violentos de fato que tenham tirado conclusões acerca dos motivos pelos quais os crimes foram cometidos; dados sobre a correlação estatística entre possuir uma televisão e a ocorrência de crimes; dados sobre a correlação estatística entre o número de horas que indivíduos passam assistindo e o risco de virem a cometer crimes. Esses são só alguns exemplos. O ponto importante é que, na maioria dos casos, nenhuma das partes do debate tem qualquer dado desse tipo. Ao se aperceber disso, ambas as partes devem concordar em suspender o juízo sobre se a violência na televisão contribui para a ocorrência de crimes, e quanto contribui.

A minha terceira e última sugestão é demonstrar imparcialidade, o que pode induzir um interlocutor a ter confiança e a demonstrar imparcialidade similar. Pode-se demonstrar imparcialidade a) ao restringir apropriadamente as afirmações – ou seja, reconhecer possíveis limitações no próprio argumento e não fazer afirmações mais fortes do que é assegurado pelas provas; b) trazer provas que sabidamente militam contra a própria posição favorecida; c) reconhecer pontos corretos feitos pelo interlocutor.15

Não sei se estas sugestões seriam bem-sucedidas. Parecem entrar em conflito com a prática aceita entre aqueles que podemos considerar profissionais no debate político; por outro lado, a prática aceita parece altamente malsucedida em produzir concordância (mas parece bem-sucedida em produzir polarização, i.e., aumentar a confiança daqueles que já mantêm uma posição particular).

8. Sumário

Baseando-se no nível de discordância, os seres humanos são muito pouco confiáveis para identificar afirmações políticas corretas. Isso é extremamente lamentável, visto que significa que temos pouca probabilidade de resolver problemas sociais e uma boa probabilidade de criá-los ou exacerbá-los. A melhor explicação reside na teoria da Irracionalidade Racional: os indivíduos obtêm recompensas psicológicas por manter certas crenças políticas, e já que cada indivíduo não sofre quase nenhum prejuízo causado por suas próprias crenças políticas falsas, frequentemente faz sentido (pois dá o que ele quer) adotar tais crenças independentemente de serem verdadeiras ou de estarem bem sustentadas.

As crenças que as pessoas querem manter são frequentemente determinadas pelo seu autointeresse, pelo grupo ao qual se quer pertencer, pela autoimagem que se quer manter, e pelo desejo de querer se manter coerente com as próprias crenças anteriores. As pessoas podem lançar mão de vários mecanismos para as habilitar a adotar e manter as suas crenças preferidas, incluindo-se aqui fazer uma avaliação tendenciosa das provas, focar a sua atenção e energia em argumentos que favorecem as suas próprias crenças preferidas, coletar provas apenas de fontes com as quais já se concorda, e se valer de afirmações subjetivas, especulativas e fortuitas como provas a favor de teorias políticas.

A hipótese da irracionalidade é superior às explicações alternativas devido à sua capacidade para explicar diversas características das crenças e discussões políticas: o fato de as pessoas manterem as suas crenças políticas com um alto grau de confiança, o fato de as crenças políticas estarem correlacionadas com fatores como a raça, o sexo, a ocupação e outros traços cognitivamente irrelevantes, e o fato de numerosas crenças políticas sem relação lógica – e até mesmo, em alguns casos, crenças que racionalmente se enfraquecem entre si – tenderem a existir em conjunto. Essas características das crenças políticas não são explicadas pelas hipóteses segundo as quais as questões políticas são meramente muito difíceis, que não coletamos informação suficiente acerca delas, ou que as disputas políticas são causadas primariamente pela divergência dos sistemas de valores fundamentais das pessoas.

Pode ser possível combater a irracionalidade política, primeiro, ao reconhecer a nossa própria suscetibilidade ao tendenciosismo. Deve-se reconhecer os casos em que há maior probabilidade de ser tendencioso (como questões que despertam fortes emoções), e deve-se conscientemente evitar usar os mecanismos discutidos anteriormente, que servem para manter crenças irracionais. Perante o tendenciosismo generalizado, deve-se também tomar uma postura cética acerca de provas apresentadas por terceiros, reconhecendo que as provas provavelmente foram selecionadas e de alguma maneira distorcidas. Por último, é possível combater a irracionalidade dos outros ao identificar o tipo de provas empíricas que se exigem para testar as afirmações proferidas, bem como ao fazer uma abordagem imparcial e cooperativa, em vez de combativa, nas discussões. Ainda é uma questão de especulação saber se essas medidas irão aliviar significativamente o problema da irracionalidade política.

Michael Huemer
Publicado originalmente na página web do autor.

Referências

Notas

  1. Ver Huemer 2005. ↩︎︎

  2. http://www.owl232.net/objectiv.htm ↩︎︎

  3. Friedman (1989, pp. 156–9) faz essa observação. ↩︎︎

  4. A teoria tem origem em Caplan (2007). ↩︎︎

  5. Caplan 2003, pp. 221–2. ↩︎︎

  6. Num discurso proferido em 20 de abril de 2002. ↩︎︎

  7. Cialdini 1993, p. 171. ↩︎︎

  8. Cialdini 1993, cap. 4. ↩︎︎

  9. Resumido em Gilovich 1991, pp. 53–4. ↩︎︎

  10. E.g., Hume (1975, seção V.II) e Owens (2000). ↩︎︎

  11. Kornblith (1999, p. 182) faz essa observação. ↩︎︎

  12. Gilovich 1991, p. 77. ↩︎︎

  13. Caplan 2007, pp. 79–80. A ajuda externa na verdade é menos de 1% da despesa. ↩︎︎

  14. Compare-se com a excelente discussão feita por Feynman (1974) sobre os requisitos da ciência, fazendo um paralelo com os pontos a e b. ↩︎︎

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