Na última semana escrevi reclamando de como os jornalistas tendem a usar o termo indiferenciado “politicamente correto” para descrever um grupo complexo de comportamentos que podemos encontrar na academia contemporânea. Meu ponto era defender que o politicamente correto “clássico”, tal como o policiamento da linguagem, tem diminuído, embora outras tendências preocupantes ainda continuem. Nesta semana gostaria de prosseguir com a discussão, mas agora a respeito de outro hábito ligeiramente pernicioso, ao qual aqueles de nós com gosto por classificar essas coisas se referem como o problema da “sociologia normativa”.
O conceito de “sociologia normativa” tem sua origem numa piada que Robert Nozick fez em Anarquia, Estado e Utopia. Escreveu ele, de maneira um tanto sem cerimônia, que a “Sociologia normativa, o estudo das causas que os problemas deveriam ter, muito nos fascina” (p. 247). A despeito da maneira casual como faz o comentário, a observação é astuta. Quando estudamos problemas sociais, é frequente a tentação quase irresistível de estudar o que gostaríamos (por qualquer razão) que fosse a causa do problema, de modo a negligenciar suas causas reais. Se isto não for corrigido, pode surgir o fenômeno das explicações “politicamente corretas” para vários problemas sociais — em que não há provas substanciais de que A causa B, mas as pessoas, por uma razão ou outra, pensam que A deveria ser a explicação para B. Podemos ser levados a uma situação na qual negar que A é a causa de B se torna algo moralmente estigmatizado, e assim as pessoas afirmam a conexão primariamente porque se sentem obrigadas a fazê-lo, e não porque se sentem persuadidas por qualquer prova.
Permita-me oferecer apenas um exemplo para dar um aperitivo da coisa. Rotineiramente oiço falar dos poderes causais extraordinários associados ao “racismo” — afirmações que em muito ultrapassam as provas disponíveis. Algumas dessas afirmações podem muito bem ser verdadeiras, mas há um claro estigma moral associado ao ato de questionar a conexão causal postulada — o que é perverso, pois o que causa o quê deveria ser um problema puramente empírico. Questionar a conexão, no entanto, provavelmente atrairá acusações de tentativa de “minimização do racismo”. (De fato, muitas pessoas, só por lerem as duas últimas frases, já devem estar pensando consigo mesmas algo como “Oh, meu Deus, esse cara quer minimizar o racismo”.) Também parece haver uma percepção de que, uma vez que o racismo é uma coisa inacreditavelmente má, tem também de causar muitas outras coisas más. Mas o que está operando aqui é basicamente uma intuição sobre como a ordem moral se organiza, e não uma intuição sobre a ordem causal. É sempre possível que algo seja extremamente mau (intrinsecamente mau, por assim dizer), ou extremamente comum, e no entanto causalmente não muito significativo.
Realmente penso que este tipo de confusão entre a ordem moral e a causal acontece muito. Além disso, apesar de ter muita simpatia pelas ciências sociais “qualitativas”, penso que o problema é muito pior nessas áreas. De fato, um das maiores vantagens das abordagens quantitativas das ciências sociais é o fato de ser praticamente impossível fazer sociologia normativa impunemente.
Em todo caso, a “sociologia normativa” não tem necessariamente um viés de esquerda. Há vários exemplos de conservadores que a praticam (e.g., o aumento da proporção de divórcios tem de ser em virtude da tolerância à homossexualidade, os nascimentos fora do casamento têm de ser causados pelo sistema de providência social, etc.). A diferença é que as pessoas à esquerda frequentemente são mais activas na resolução de vários problemas sociais, e assim têm um conjunto de interesses pragmáticos em jogo que podem enviesar severamente o juízo. Isto é particularmente frustrante, pois se o plano é resolver alguns problemas sociais atacando os seus antecedentes causais, então é muito importante ver corretamente as conexões causais — do contrário, a sua intervenção será inútil e muito possivelmente prejudicial.
Estive pensando muito sobre isto enquanto escrevia sobre o consumismo em The Rebel Sell. Uma das coisas que Andrew e eu tentamos mostrar no livro é o quanto a esquerda encravara numa teoria particular a respeito da causa do consumismo, pois comprara integralmente a velha ideia de Marx de que o capitalismo está sujeito a crises de sobreprodução. E a partir daí tentou explicar os vários fenômenos associados ao consumismo (publicidade, obsolescência programada, insatisfação perpétua, etc.) como uma tentativa de administrar o problema da sobreprodução. Ao longo do tempo, construiu-se um elaborado edifício sobre a base dessa frágil afirmação que, além de jamais ter sido testada empiricamente, sequer faz sentido numa análise mais detida. As pessoas realmente quiseram acreditar que o capitalismo tinha essa “contradição” interna. Consequentemente, uma grande quantidade de energia foi desperdiçada por ativistas. Tentavam mudar coisas que não tinham qualquer relação com o problema que queriam resolver — ou, no caso do consumismo, promoviam “soluções” que de fato estavam exacerbando o problema.
Devido a isso, fiquei realmente aturdido pela seguinte passagem do livro Choosing the Right Pond, de Robert Frank, no qual ele reclama precisamente dessa tendência na esquerda:
Os críticos de esquerda vêem o sistema de mercado com lentes muito menos lisonjeiras. No mercado, vêem antes de tudo um sistema no qual os fortes exploram os fracos. Firmas com poder de mercado tiram vantagem de trabalhadores cujas oportunidades são limitadas […] Os críticos de esquerda também vêem o sistema de mercado como promotor, de fato quase dependente, da venda de produtos que não servem qualquer necessidade social. Vêem a publicidade manipuladora persuadindo as pessoas a gastar a sua renda em carros beberrões com tetos retráteis enquanto o meio ambiente se deteriora e as crianças não têm bons livros para ler. Esses críticos vêem, finalmente, que as recompensas do sistema de mercado não são proporcionais à necessidade ou mesmo ao mérito. Pessoas cujos talentos e habilidades diferem ligeiramente ganham frequentemente rendas dramaticamente diferentes. E a recompensa não tem praticamente qualquer relação com o valor social do trabalho que é feito: o advogado que ajuda o seu cliente a explorar brechas tributárias aufere várias centenas de milhares de dólares por ano, ao passo que a pessoa que luta para ensinar nossos adolescentes recebe uma quantia insignificante. (p. 162)
Bem familiar até aqui. Então começa a ficar mais interessante:
A maior parte das pessoas, obviamente, não está em qualquer extremo do espectro político. Os que estão no meio presumivelmente acreditam que a verdade real sobre o mercado está em algum lugar entre as perspectivas oferecidas pelos campos extremos. Neste capítulo, argumento que a interpretação mais frutuosa não é pensar no mercado como um meio termo conveniente entre esses dois extremos. O mercado que retrato aqui tem tanto as qualidades positivas avançadas por seus defensores quanto o catálogo de males pelos quais tem sido atacado. Argumentarei, no entanto, que em quase todos os casos a esquerda dá as razões erradas para o fato de os resultados do mercado serem um fracasso. (pp. 162–3)
Ele conclui o capítulo com um eufemismo triunfal:
Tendo identificado os problemas reais, mas tendo-os atribuído a causas espúrias, a esquerda tem encontrado dificuldades para formular políticas públicas para saná-los. (p. 177)
Fico maravilhado com o quão raramente escuto esta ideia expressa: que a esquerda acerta consistentemente quando o que está em causa é identificar problemas, mas então oferece as explicações erradas (e frequentemente se apegam a essas explicações mesmo muito depois de terem sido denunciadas como problemáticas), sendo assim ineficaz do ponto de vista prático. Penso que a “sociologia normativa” tem muito a ver com isso. A partir de uma observação casual (com isso quero dizer que passei centenas de horas escutando as pessoas criticarem vários tipos de problemas sociais), posso ver quatro variantes principais de sociologia normativa.
1. O desejo de uma alavanca política. Muitos dos nossos problemas sociais marcantes permanecem marcantes porque ocorrem em áreas que estão fora da jurisdição imediata do estado: seja porque ocorrem na esfera privada (e.g., a divisão de trabalho entre os gêneros no seio da família), seja porque envolvem um exercício de autonomia individual (e.g., estudantes abandonando o ensino médio). Como resultado, não há qualquer “alavanca política” óbvia que possa ser accionada para solucionar o problema, pois o estado simplesmente não possui a autoridade (e às vezes nem mesmo o poder) para intervir diretamente nessas áreas.
Como resultado, quando as pessoas que gostariam de ver tais problemas resolvidos os analisam, pode haver uma enorme tentação de acreditar que estão causalmente conectados a outra área em que o estado tem uma alavanca política efetiva. O caso em que percebi isso mais claramente é a tendência de sobrestimar os efeitos causais da desigualdade — porque a distribuição de riqueza é algo que o estado tem capacidade para controlar. Assim, se podemos mostrar que o “problema social intratável A” é causado pela “pobreza do grupo B”, isso dá ao estado uma vantagem sobre o problema social intratável, pois ele sempre pode redistribuir a riqueza para B.
Utilizando um exemplo concreto, ouve-se muito nesses dias sobre o “gradiente social da saúde” — basicamente, trata-se da forte correlação entre diversos resultados relativos à saúde e o ESE (“estatuto sócio-econômico”), que permanece incrivelmente forte a despeito da distribuição relativamente igualitária de recursos de assistência médica. O ESE é um conceito explicitamente híbrido, projetado para representar a relativa desigualdade de riqueza e o estatuto social. Mas, obviamente, enquanto o estado pode facilmente redistribuir a riqueza, o estatuto social já é muito mais complicado, e a capacidade do estado para intervir, ou sequer modificar, essas hierarquias de estatuto é bem próxima de zero (exceto indiretamente, talvez, ao redistribuir riqueza, mas isso ainda assim facilmente surte o efeito contrário, pois quem recebe essas transferências considera que perdeu estatuto precisamente porque recebe essas transferências). Assim, na medida em que o gradiente social de saúde está relacionado a desigualdades de estatuto, não há praticamente coisa alguma que o estado possa fazer a respeito disso. Em resultado, já perdi a conta de quantas apresentações sobre saúde pública presenciei que começavam falando sobre o ESE e, então, sutilmente passavam a falar de desigualdade de riqueza para depois recomendar alguma forma de redistribuição de renda.
2. A preocupação com “culpar a vítima”. A confusão mais comum entre as ordens moral e causal ocorre quando as pessoas começam a falar sobre responsabilidade. Há uma grande tendência para pensar que se a pessoa X causou a ocorrência de A, então X é responsável por A. Consequentemente, quando as pessoas não querem considerar X responsável por A, sentem um poderoso impulso de resistir a qualquer sugestão de que as escolhas ou ações de X podem ter causado A. Isso, é claro, se trata de uma confusão, pois se X causou A ou não é apenas uma questão factual que não decide a questão da responsabilidade. E mesmo assim já vi com frequência acadêmicos, depois de terem feito uma alegação puramente empírica sobre a fonte de um problema particular, serem acusados por pessoas dizendo “você não está simplesmente culpando a vítima?”. Podemos ver aqui uma preocupação moral entrando onde não pertence. Se seguirmos essa linha de raciocínio, acabaremos falando sobre o que gostaríamos que fosse a causa dos problemas, em vez de falar do que realmente o é.
Para explicar um pouco: uma relação causal em direção um resultado é tipicamente uma condição necessária, mas não suficiente, para uma atribuição de responsabilidade. Isso é assim devido ao fenômeno das “várias causas”. Se jogo uma garrafa de cerveja pela minha janela e ela acaba atingindo um pedestre, está claro que eu causei o dano a essa pessoa. Mas essa pessoa também causou o dano ao decidir caminhar e passar pela minha casa naquele exato momento. E talvez muitas outras pessoas também tenham contribuído, ao permitirem que a pessoa em questão caminhasse e passasse pela minha casa, ou ao me venderem a cerveja e assim por diante. Assim, a questão sobre quem é responsável é uma questão separada da questão da causalidade. Portanto, deveria ser possível conversar sobre o que causa o quê de modo completamente separado da questão de quem tem culpa do quê — talvez essa conversa seja um prelúdio à segunda questão, mas as preocupações que surgem nesta última não deveriam se intrometer na primeira.
Pegando um exemplo óbvio, há uma enorme relutância em acreditar que o subdesenvolvimento poderia se dever amplamente às condições domésticas dos países pobres. Há uma necessidade premente de tratar essa pobreza como algum tipo de dano infligido sobre os países pobres pelos países ricos, ou como uma consequência de danos sofridos no passado (e.g., um “legado do colonialismo”) — não tanto porque algum desses mecanismos propostos parecem muito persuasivos, mas antes porque fazer qualquer outra coisa envolve “culpar a vítima” ou tratar os pobres como responsáveis de alguma forma pela condição em que se encontram.
3. A escolha de um lado de uma correlação. Esta é uma variação mais sutil. As análises estatísticas revelam com frequência uma correlação entre duas coisas, mas, como sabemos, a correlação não implica causalidade. Se A tende a acontecer lado a lado com B, talvez 1) A cause B, ou 2) B cause A, ou 3) A e B se reforcem mutuamente, ou 4) haja uma terceira coisa, C, que causa tanto A quanto B. No entanto, é muitíssimo comum que as correlações estatísticas sejam descritas como relações causais. (Este é um grande problema em relatórios médicos, por exemplo. Na minha juventude, a minha mãe tinha medo de cozinhar em panelas de alumínio ou de usar anti-transpirantes porque havia estudos que relatavam a presença de alumínio nos cérebros de pacientes com Alzheimer. Mas, ainda que isso fosse verdade, não havia razão para pensar que a exposição ao alumínio causava a doença; poderia ser que a doença causasse o acúmulo de alumínio, ou que alguma outra coisa causasse ambas as coisas.) Como esse tipo de raciocínio descuidado acontece o tempo todo, não é tão difícil para as pessoas que gostariam de acreditar que A causa B tratar a prova de correlação entre ambas como uma confirmação da sua perspectiva.
O debate sobre a chamada “cultura da pobreza” oferece alguns exemplos excelentes de todas as três tendências. Certamente não escapou a ninguém que a pobreza está (estatisticamente) associada com um amplo número de padrões comportamentais que, digamos, prejudicam os próprios praticantes (crimes leves, gravidez na adolescência, famílias desestruturadas, vício em drogas, violência doméstica, etc.). O conservador estereotipado olha para isso e diz “veja, não há dúvida do porquê de serem pobres, é por causa de todas as más escolhas que estão fazendo”. O progressista estereotipado olha para isso e diz “não há dúvida do porquê de estarem fazendo escolhas tão más, é porque são pobres”. Em vários desses casos, algum tipo de reforço mútuo parece ser a explicação mais provável, mas a resposta ideológica mais comum é pegar apenas uma direção de causalidade e centrar-se nela.
(Também é possível entrever na resposta progressista o desejo de ter uma alavanca política. O problema das explicações da “cultura da pobreza” é que ninguém faz ideia de como mudar essa cultura — a ideia de que ouvir a moralização de cristãos vai mudar alguma coisa não é muito persuasiva. O dinheiro, contudo, pode ser redistribuído. E, finalmente, há um desejo óbvio de evitar “culpar a vítima” — por alguma razão, propor uma tendência cultural perniciosa é de algum modo visto como compatível com a responsabilidade individual, ao contrário da ação de forças econômicas anônimas.)
4. Perspectivas metafísicas. Como mencionei, há frequentemente uma sensação de que a perversão moral de alguma ação exige que tenha consequências grandiosas. Isto pode facilmente levar à ideia de que quem nega os efeitos causais está, de alguma forma, minimizando a perversão moral. (Agora, se todos fossem consequencialistas morais, isso faria muito sentido, visto que a perversão de uma ação seria inteiramente determinada pelos seus efeitos, e, então, minimizar os efeitos seria minimizar a perversão. Mas a maioria das pessoas não é consequencialista.)
Um bom exemplo disso nos debates contemporâneos envolve as atitudes acerca do crescimento da desigualdade. Muitas pessoas pensam que isso é muito mau. E há ainda o desejo de acreditar que se é muito mau, então deve causar muitas outras coisas más. (O livro de Richard Wilkinson e Kate Pickett, The Spirit Level, é um exemplo dessa tendência, assim como The Price of Inequality, de Joseph Stiglitz.) Há também um desejo comum de pensar que as agitações e revoluções políticas são causadas pela pobreza e pela desigualdade, ao passo que as provas preponderantemente sugerem que não o são (as expectativas crescentes são mais importantes). E quem nega que a desigualdade tem esses efeitos está sujeito à acusação de estar inventando desculpas a seu favor (note-se, por exemplo, como Paul Krugman, neste comentário interessante sobre Stiglitz, procura enfatizar que continua condenando a desigualdade).
P.S.: Duas observações: primeiro, para clarificar, o que foi dito aqui nada tem a ver com o modo como a sociologia de verdade é praticada. A “sociologia” é apenas parte da brincadeira: “os sociólogos são pessoas que estudam as causas dos problemas sociais [i.e., estereótipo engraçado], logo os sociólogos normativos são pessoas que estudam o que as causas deveriam ser [estereótipo ainda mais engraçado]”. Quando uso o termo, aplica-se principalmente às pessoas na filosofia e na teoria política, e não aos cientistas sociais de verdade. Segundo, para todos aqueles que estão dizendo “ele não oferece qualquer prova para sustentar as suas alegações”, tudo o que posso dizer é “cara, este é um artigo de blog”. Se nunca viu alguém fazendo sociologia normativa, parabéns — deve ir a conferências melhores do que eu.