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Crítica
13 de Julho de 2016   Filosofia política

Realismo político

Alexander Moseley
Tradução de Álvaro Nunes

O realismo político é uma teoria de filosofia política que tenta explicar, modelar e prescrever as relações políticas. Parte do pressuposto que o poder é (ou deve ser) o fim primeiro da acção política, seja na arena doméstica seja na arena internacional. Na arena doméstica, a teoria afirma que os políticos lutam, ou devem fazê-lo, para maximizar o seu poder, enquanto que no palco internacional, os estados-nação são vistos como os agentes básicos que maximizam, ou devem maximizar, o seu poder. A teoria tem, portanto, de ser examinada ou como uma prescrição do que deve ser ou acontecer, isto é, as nações e os políticos devem procurar o poder ou os seus próprios interesses, ou como uma descrição do corrente estado de coisas — que as nações e os políticos apenas procuram (e talvez possam apenas procurar) o poder ou o interesse próprio.

Em essência, o realismo político reduz-se ao princípio ético-político do poder do mais forte. [...] O realismo político pressupõe que os interesses devem ser mantidos pelo exercício do poder e que o mundo se caracteriza por centros de poder em competição. Na política internacional, a maior parte dos teóricos políticos enfatizam o estado-nação como o agente relevante, enquanto os marxistas se concentram nas classes. [...] O realismo político nacionalista [...] estendeu-se às teorias geopolíticas, que consideram que o mundo se divide em culturas supra-nacionais, como o Este e o Oeste, o Norte e o Sul, o Velho Mundo e o Novo Mundo, ou que se concentram nas aspirações continentais pan-nacionais da África, da Ásia, etc. [...] [E]m geral os realistas políticos concentraram-se na necessidade ou na ética de garantir que o agente relevante (o político, a nação, a cultura) assegure a sua própria sobrevivência defendendo as suas próprias necessidades e interesses antes de olhar para as necessidades dos outros.

Para explorar as várias matizes e implicações da teoria, vamos examinar a sua aplicação às relações internacionais.

O realismo político descritivo normalmente sustenta que a comunidade internacional se caracteriza pela anarquia, uma vez que não há um governo mundial supremo que imponha um código de regras comum. Apesar de esta anarquia não ter de ser caótica, pois vários estados membros da comunidade internacional podem envolver-se em tratados ou em padrões de comércio que originem uma espécie de ordem, a maior parte dos teóricos conclui que a lei ou a moralidade não se aplicam para lá dos limites da nação. [...] Consequentemente, sem um poder ou um tribunal internacional supremo, os estados vêem-se uns aos outros com receio e hostilidade, e o conflito, ou sua a ameaça, é endémica ao sistema.

Outra proposição é que uma nação só pode promover os seus interesses contra os interesses de outras nações; isto implica que o meio internacional é inerentemente instável. Qualquer que seja a ordem existente, ela desfaz-se quando, por exemplo, as nações competem pelos mesmos recursos, e pode seguir-se a guerra. Em tal ambiente, argumentam os realistas, uma nação depende apenas de si própria.

O realismo político descritivo é verdadeiro ou falso. Mesmo que seja verdadeiro, não se segue, contudo, que a moralidade não se deva aplicar às relações internacionais: nem sempre o que deve ser se segue do que é. Uma forma de realismo político forte sustenta que as nações são necessariamente egoístas, que podem apenas formular a política externa em termos do que a nação pode ganhar, e não podem, pela sua própria natureza, pôr de lado os seus próprios interesses. Contudo, para que o realismo descritivo seja sustentado, tem de ser como uma teoria fechada, o que significa que pode refutar todos as provas contrafactuais nos seus próprios termos (por exemplo, a prova de que uma nação oferece apoio a um vizinho como um acto ostensivo de altruísmo é refutada apontando algum motivo egoísta que a nação dadora presumivelmente tem — aumentará o comércio, ganhará um aliado importante, sentir-se-á culpada se não o fizer, e por aí adiante), pelo que qualquer tentativa para introduzir a moralidade nas relações internacionais se revelaria fútil. [...] Logicamente, a natureza fechada do realismo político implica que uma proposição contrária, segundo a qual as nações não servem quaisquer interesses ou podem servir apenas os interesses de outras, pode ser igualmente válida. A validade lógica das três teorias resultantes sugere que preferir uma posição a outra é uma decisão arbitrária — isto é, uma suposição que pode ser ou não sustentada. Isto nega a solidez do realismo descritivo; não é uma descrição verdadeira ou falsa das relações internacionais mas reduz-se a uma suposição arbitrária. As suposições podem ser testadas com provas, mas em si mesmas não se pode provar que são verdadeiras ou falsas. Por fim, o que é de dada maneira não necessita de o ser, nem necessita de dever sê-lo.

É uma descrição aceitável que a arena internacional actual de estados é caracterizada pela falta de um poder dominante. [...] O estado de coisas aparentemente anárquico levou alguns pensadores a fazer comparações com a anarquia doméstica, quando um governo não existe para regular e dirigir uma nação. Sem um poder mundial, podem eles pensar, a guerra, o conflito, a tensão, e a insegurança foram o estado de coisas normal; eles podem então concluir que tal como um governo doméstico elimina a luta interna e pune o crime local, também um governo mundial deve dirigir as actividades dos estados individuais [...]. Contudo, a ‘analogia doméstica’ presume que as relações entre os indivíduos e entre os estados são as mesmas. [...] Tal argumento implica a colectivização dos indivíduos e/ou a personificação dos estados: o realismo pode descrever as nações como indivíduos agindo na cena internacional para promover os seus interesses, mas por detrás do conceito de ‘França’ ou de ‘África do Sul’ existem milhões de indivíduos únicos, que podem ou não concordar com as exigências de promover o interesse nacional. Alguns [...] alegam que as relações entre os estados e os seus cidadãos são muito diferentes das relações entre os estados-nação, uma vez que os indivíduos podem ter crenças e podem sofrer, ao contrário dos estados. [...]

Para lá das proposições descritivas do realismo político, o realismo político prescritivo defende que qualquer que seja o estado actual das relações internacionais, as nações devem procurar os seus próprios interesses. Esta teoria assume várias matizes dependendo daquilo que se declara ser o padrão do interesse nacional e da permissividade moral de empregar vários meios para os fins desejados. Podemos oferecer várias definições do que deve incluir o interesse nacional: a maior parte das vezes as afirmações invocam a necessidade de ser económica e politicamente auto-suficiente, reduzindo desse modo a dependência de nações nas quais não se pode confiar.

O argumento que suporta a primazia da auto-suficiência na formulação do interesse nacional tem uma longa história: tanto Platão como Aristóteles argumentaram a favor da auto-suficiência económica com base na necessidade de assegurar o poder de uma nação — as nações, pensam ambos, devem apenas importar mercadoria não necessária. O poder desta doutrina económica foi frequentemente usado para apoiar o realismo político: no século XVIII, em especial, os teóricos políticos e os mercantilistas defenderam que o poder político poderia apenas ser sustentado e aumentado reduzindo as importações de uma nação e aumentando as suas exportações. O denominador comum entre as duas posições é a proposição que uma nação só pode enriquecer à custa das outras. Se a riqueza da Inglaterra aumenta, concomitantemente a da França diminui. Este influente chão que suporta o realismo político não é, contudo, sólido. O comércio não é necessariamente benéfico exclusivamente para uma das partes: frequentemente é mutuamente benéfico. Os economistas Adam Smith e David Ricardo explicaram as vantagens que resultam para ambas as partes do comércio livre e sem entraves. O realista pode, não obstante, admitir isto e responder que apesar das vantagens do comércio, as nações não devem confiar noutras para o seu sustento, ou que o comércio livre não deve ser apoiado uma vez que frequentemente implica alterações culturais que são indesejadas. A esse respeito, os interesses das nações são definidos como estando para lá de quaisquer benefícios materiais que possam resultar da colaboração e da cooperação internacionais. [...]

Os realistas políticos são frequentemente caracterizados como amoralistas, que afirmam que quaisquer meios devem ser usados para sustentar o interesse nacional, mas uma crítica mordaz é que a definição de moralidade está a ser distorcida para pressupor que agir no seu próprio interesse ou no interesse da sua nação é imoral ou na melhor das hipóteses amoral. Esta é uma alegação injusta contra servir o interesse da sua nação, tal como é injusto afirmar que qualquer acção egoísta é necessariamente imoral ao nível pessoal. A discussão invoca a ética da imparcialidade; aqueles que acreditam num código ético universal sustentam que uma acção egoísta que não pode ser universalizada é imoral. Contudo, o universalismo não é o único padrão das acções éticas. Pode-se alegar que a parcialidade deve ter um papel nas decisões éticas; os parcialistas consideram absurdo que os funcionários do estado não devam dar à sua nação um maior peso moral que às outras nações, tal como seria absurdo que os pais considerassem de igual modo as suas crianças e as crianças dos outros. Mas se a moralidade é empregue no sentido de ser altruísta ou, pelo menos, universalista, então os realistas políticos admitiriam correctamente que tentar ser moral seria prejudicial para o interesse nacional ou para o mundo como um todo e que, portanto, a moralidade deve ser ignorada. Mas se a moralidade aceita a validade de pelo menos algumas acções egoístas, então ipso facto o realismo político pode ser uma doutrina política moral.

Alexander Moseley
Excerto de “Political Realism”, The Internet Encyclopedia of Philosophy.
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ISSN 1749-8457