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Crítica
10 de Fevereiro de 1998   Filosofia política

Contra a corrupção

Antônio Ribeiro de Almeida
A Imprensa e o Dever da Verdade
de Rui Barbosa
Prefácio de Freitas Nobre, 3.a edição revista e atualizada
Editora da Universidade de São Paulo, 1990, 80 pp.

“A verdade antes de tudo, senhores” — isto é o que pedia Rui Barbosa na conferência “A Imprensa e o Dever da Verdade” publicada pela Universidade de São Paulo. Esse texto se deve a uma feliz iniciativa de Freitas Nobre, professor do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes — ECA — onde funciona o Curso de Jornalismo. Suponho que deve ser uma das leituras programadas pelos professores no trabalho de formação da consciência dos seus alunos, futuros jornalistas.

Lendo-a, constatei que não existe grande diferença entre os vícios que cerceavam a imprensa na Primeira República e os que continuam a limitá-la neste final de século. Rui nunca chegou a pronunciar esta conferência de viva voz. Já estava muito doente naquele ano de 1920 que também marcaria o aparecimento de outro ensaio antológico do mestre baiano, a sua famosa “Oração aos Moços”.

Mas o que buscava Rui com aquela conferência dirigida aos jornalistas? Freitas Nobre escreve que o objetivo principal era o de atacar a corrupção que dominava a imprensa e fazer um chamamento aos princípios éticos que devem sempre nortear a vida do jornalista. Não é demais lembrar que Rui era jornalista também, e que muito se orgulhava dessa profissão. Por isto, fundamentado na sua longa experiência de articulista do jornal A Imprensa (vide Obras Completas, vol. 27), Rui não cessaria de lutar pela independência do jornalismo frente ao Governo Federal e outros poderosos. Por isto, escreve que para o jornalista o princípio fundamental, e do qual não pode abrir mão, é o que chama de “amor da verdade”. A verdade caríssima deve estar acima do amor da pátria e do amor da liberdade e, hoje, das razões de Estado. Escreve por isso o seguinte:

Cara nos é a pátria, a liberdade mais cara; mas a verdade mais cara que tudo. Damos a vida pela pátria. Deixamos a pátria pela liberdade. Mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade. (pág. 58)

E como anda, nos dias de hoje, o respeito à verdade na imprensa brasileira? Parece, infelizmente, que não é lá grande coisa, sobretudo na chamada “grande mídia”. Em revistas semanais, são incontáveis os episódios em que jornalistas forjam dados na ânsia de ganharem notoriedade. E depois passam a responder na Justiça pelos crimes de calúnia e difamação.

Como na Primeira República, a corrupção continua sendo a grande inimiga da verdade. Quantas e quantas vezes na história do nosso jornalismo o dinheiro grosso calou as redações que poderiam denunciar um fato escabroso que apontava uma figura política de projeção ou a prática criminosa de uma grande indústria? No seu tempo, com grande destemor, Rui chegou a denunciar o nosso primeiro Presidente da República, o Marechal Deodoro da Fonseca, como um corrupto ao usar o Banco do Brasil para colocar no bolso de certa redação a vultuosa quantia de 200 contos de réis. E, de lá para cá, aquele banco oficial sempre foi pressionado pelos governantes para liberar empréstimos generosos que nunca foram pagos. Nos anos 50 eram contumazes clientes, que nunca pagavam os empréstimos, jornalistas como Assis de Chateaubriand e Samuel Weiner, proprietários de duas grandes redes de jornais e televisão e que influenciavam poderosamente na opinião pública.

Em contraposição a este quadro, a imprensa, quando é livre, imparcial e objetiva é, segundo Rui,

... a vista da Nação... que enxerga, o que malfazem; devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam e roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam.

Exemplos deste papel temos, no passado, no jornal londrino Times e, recentemente, nos Estados Unidos, no Washington Post. O jornal inglês salvou praticamente o Exército na Guerra da Criméia quando denunciou, em 1854, que a administração militar era corrupta e péssima. Neste século, o Washington Post colocou o Presidente Richard Nixon no olho da rua quando descobriu a espionagem eleitoral no famoso caso de Watergate. No Brasil, temos também alguns exemplos de independência quando nos anos de 1953 e 1954 o jornal Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, mostrou o famoso mar de lama que corria nos porões do Catete. O resultado disto foi o suicídio de Vargas a 24 de Agosto de 1954.

Finalmente, mais perto de nós, a imprensa teve um papel definitivo para extinguir a Ditadura de 1964 e no “impeachment” do Presidente Fernando Collor. Muitos jornalistas pagaram, e continuam a pagar, com a própria vida, a coragem de suas denúncias e o compromisso com a Verdade. Mas eles não têm e nunca terão outra alternativa se o dever da verdade está acima de tudo. Por isto, o jornalismo não é uma profissão para Sanchos que ouvem mais as razões do estômago do que o ideal que deve impulsioná-los. Para mim, em cada jornalista que merece este nome, sempre habitará o espírito de Dom Quixote à espera de uma “nueva salida”, ainda que seja contra moinhos de vento.

Antônio Ribeiro de Almeida

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ISSN 1749-8457