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Crítica
6 de Outubro de 2022   Filosofia da religião

Argumentos ontológicos

Desidério Murcho

Anselmo nasceu em Aosta, na Itália, em 1033 ou 1034, e morreu em 1109, com 75 ou 76 anos. É também conhecido como “Anselmo da Cantuária”, porque foi arcebispo dessa província, sucedendo a Lanfranc. Mas foi como monge, no mosteiro beneditino de Nossa Senhora de Bec, situado no que é hoje o norte de França, que escreveu, por volta dos 44 anos, aquela que é talvez a sua mais influente obra: Proslogion (1077–1078). Na verdade, o mais influente desta obra é apenas um punhado de linhas, onde expõe o que depois se passou a chamar argumento ontológico. Ao que parece, esta é a primeira versão claramente formulada de uma família de argumentos que têm aproximadamente a mesma ideia de partida: que a mera reflexão sobre o próprio conceito de Deus permite inferir validamente que Deus existe. Depois de Anselmo, vários foram os filósofos que formularam versões desta ideia principal, entre os quais se conta Descartes (1596–1650) e Leibniz (1646–1716). Também na filosofia contemporânea surgiram várias versões de argumentos ontológicos, nomeadamente da autoria de Gödel (1906–1978) e de Plantinga (n. 1932), entre outros.

Uma maneira simples de compreender o âmago do argumento de Anselmo é reflectir sobre o próprio conceito de Deus, sem pressupor, claro, que existe tal entidade. Falar de Deus, ainda que hipoteticamente, sem saber se existe ou não, é falar de que género de entidade? Uma ideia é que se trata da entidade mais excelsa que conseguimos imaginar. Mas, nesse caso, parece incoerente declarar que essa entidade afinal não existe — porque, nesse caso, não seria assim tão excelsa. Ninguém tem um carro dos melhores que se consegue ter, mas que não exista; se não existe esse carro, não é assim tão bom.

Como se vê neste sumário descontraído, defender numa base deste género que Deus existe empurra-nos em direcções opostas. Por um lado, parece incrível que se consiga provar, só com base no próprio conceito de Deus, que este realmente existe; mas, por outro, não é fácil ver onde está exactamente o erro, se é que o argumento realmente está errado.

Os argumentos ontológicos a favor da existência de Deus contrastam com duas outras famílias comuns de argumentos a favor da existência de Deus, que não levantam este género de perplexidade. Os argumentos do desígnio, a que se chama também teleológicos, visam provar que Deus existe partindo da ideia de que sem essa hipótese não se consegue explicar adequadamente a ordem, ou desígnio, que se observa na natureza. Em contraste, a ideia principal dos argumentos cosmológicos é que sem a hipótese de Deus não se consegue explicar bem a própria existência do Universo. No caso destas duas últimas famílias de argumentos, não se pretende provar a existência de Deus partindo apenas do conceito de Deus; a ideia é que o exame atento do Universo conduz à hipótese de Deus. Diz-se, por isso, que estas duas famílias de argumentos são a posteriori, empíricos, ou sintéticos: dependem da experiência. Em contraste, os argumentos ontológicos são a priori, conceptuais ou analíticos, tal e qual como um argumento matemático ou meramente lógico.1

Ora, a primeira perplexidade é que Deus não parece o género de entidade que se consiga provar exclusivamente por meios conceptuais. Consegue-se provar por meios puramente conceptuais que existe um número par entre 0 e 3; mas isto não é surpreendente, porque o número 2, seja isso o que for, não é algo como uma árvore ou uma montanha. Deus também não é como uma árvore ou uma montanha, mas também não parece razoável pensar que é mais ou menos como um número — os números não andam por aí a criar universos, ou a ajudar a salvar as pessoas da aniquilação, porque, entre outras coisas, não têm poder causal, ao que parece. Deus, pelo contrário, é entendido como uma entidade com poder criador e de intervenção, porque criou o Universo e ajuda as pessoas. Além disso, na concepção teísta, Deus é uma pessoa — divina, e não humana, como nós, mas é uma pessoa. E não parece razoável que se consiga provar por meios puramente conceptuais que existe esta ou aquela pessoa, seja ela divina ou não.

É aqui que surge a segunda perplexidade: não é fácil ver onde estará o erro do argumento ontológico, se é que está errado. Por isso, um dos desafios ao longo da história da filosofia tem sido mostrar claramente e com rigor o que está afinal errado na maneira ontológica de tentar provar que Deus existe, ou então oferecer uma formulação do argumento que não levante dúvidas.

Vejamos, então, as palavras do próprio Anselmo:

Se aquilo maior que o qual nada pode ser pensado existe apenas no intelecto, então a própria coisa maior que a qual nada pode ser pensado é algo maior que o qual algo pode ser pensado. Mas isto é claramente impossível. Logo, não há dúvida de que algo maior que o qual nada pode ser pensado existe, tanto no intelecto como na realidade. (Anselmo, Proslogion II)

A estrutura mais geral do raciocínio é simplesmente um modus tollens, de cuja validade não há razões de peso para duvidar:

Se A, então B.
Não-B.
Logo, não-A.

A dificuldade é compreender por que razão pensa Anselmo que a hipótese de existir apenas no intelecto aquilo maior que o qual nada pode ser pensado conduz a uma contradição. Antes de esclarecer este aspecto crucial, é importante compreender que a ideia de Anselmo não é, evidentemente, que Deus é a maior das entidades em termos de dimensão, mas antes de excelência. Deus é, por hipótese, aquela entidade que é tão excelsa, que somos incapazes de imaginar outra ainda mais excelsa. Esta hipótese não parece uma petição de princípio; Anselmo não está a pressupor sub-repticiamente que Deus existe. Está apenas a sublinhar que, por hipótese, Deus é a mais excelsa das entidades — excelsa em tudo o que é uma grandiosidade. Deus é sumamente conhecedor, se existir, e é sumamente poderoso, e é moralmente perfeito. Porém, talvez não exista. E é aqui que Anselmo pensa que encontra uma contradição: a mera hipótese da inexistência de Deus faz-nos cair em contradição.

Porém, onde está a suposta contradição? Aqui: seja a a entidade que por hipótese é a mais excelsa. Quando imaginamos que não existe, conseguimos imediatamente imaginar outra entidade tão excelsa quanto a, mas que exista; chamemos-lhe b. Mas isto significa que a, que, por definição, é a mais excelsa das entidades, não é a mais excelsa das entidades — porque b é mais excelsa ainda, dado existir. Logo, a é e não é a mais excelsa das entidades: eis a contradição.

Resta agora fazer o modus tollens: dado que a hipótese de a existir apenas no intelecto conduz à ideia de que há uma entidade b mais excelsa do que a, e dado que isto é contraditório, segue-se que a hipótese de a existir apenas no intelecto é falsa. Deus existe; não apenas no intelecto, mas também na realidade.

Não é talvez um exagero afirmar que há neste raciocínio de Anselmo qualquer coisa de genial. Sobretudo se tivermos em consideração que ele não conhecia os rigores das lógicas modernas, que nos ajudam sobremaneira a raciocinar melhor. Bem compreendido, o raciocínio de Anselmo é um exemplo impressionante de um grande intelecto. Mas terá ele razão?

Uma primeira preocupação é a ideia crucial de uma entidade maximamente excelsa. Em muitos casos, não existe o grau máximo de uma certa propriedade ou atributo ou característica — essa é, em muitos casos, uma hipótese que nos faz cair em contradição, mas não na direcção pretendida por Anselmo. Imagine-se que uma pessoa declara que o número 666 é o maior número par. Mas somar 2 a 666 dá origem a outro número igualmente par, e que é maior que 666. Por isso, 666 é e não é o maior número par. É o maior número par, porque essa é a hipótese de partida; mas não é, porque acabámos de ver que há outro número ainda maior. Isto prova que o maior número par não existe; não prova que é contraditório pensar que o maior número par não existe.

Que razões tem Anselmo para pensar que não acontece o mesmo com a excelência? Imagine-se que Deus é excelente quando cria um Universo com vinte mil milhões de galáxias. Talvez Deus seja ainda mais excelente se criar quarenta mil milhões delas. E por isso parece que nunca há uma entidade maximamente excelsa. E o mesmo se consegue formular com respeito à sabedoria superlativa de Deus: esta é uma entidade muitíssimo sabedora, porque sabe tudo o que há para saber; mas num Universo com trinta biliões de factos há mais coisas para saber do que num Universo apenas com vinte biliões. De maneira que não parece razoável pensar que Deus é maximamente sábio. Talvez seja muitíssimo sábio, e muitíssimo excelente em todos os outros aspectos, mas não é óbvio que seja coerente imaginar que o é em termos máximos, tal como não é coerente imaginar que existe o maior número par, o maior triângulo, ou o polígono com o maior número de lados.

Esta é uma dificuldade muito séria, apesar de preambular; talvez Anselmo tenha em mente um conceito incoerente de Deus. Esta dificuldade está presente noutras versões de argumentos ontológicos, que recorrem a esta ideia de perfeição máxima, ou de máxima excelência ou grandiosidade. A dificuldade é preambular porque põe em questão não o próprio argumento, mas o conceito de Deus que nele se usa.

Uma segunda dificuldade está relacionada com esta, apesar de não ser já preambular, e foi formulada por um colega monge de Anselmo, de nome “Gaunilo” — e do qual nada mais se sabe, infelizmente, senão que era da abadia de Marmoutier, situada a sul de Bec. Gaunilo imagina uma ilha perfeita — tão perfeita, que nenhuma outra mais perfeita ainda se consegue imaginar sem cair em contradição. Raciocinando como Anselmo propõe, parece que se conclui então que essa ilha realmente existe — porque se não existisse, conseguiríamos imaginar outra ilha ainda mais perfeita, mas que existe, o que nos faria cair em contradição. Uma vez que é óbvio que não conseguimos provar desta maneira que existe a ilha mais perfeita que a qual nenhuma outra se consegue imaginar, parece que também não se consegue provar que Deus existe da maneira proposta por Anselmo.

Esta dificuldade é muito séria, e a resposta óbvia reconduz-nos à nossa dificuldade preambular. A resposta óbvia é dizer que a excelência divina é o género de atributo do qual há um máximo, ao passo que nunca há uma ilha maximamente perfeita, tal como não há um número par maior de todos os que se consegue conceber. Esta resposta parece introduzir simplesmente uma arbitrariedade: a excelência de Deus é um atributo ou conjunto de atributos do qual há um máximo, porque precisamos disso para o argumento que queremos, mas não temos razões independentes da aceitação desse argumento para pensar que a excelência divina é como se declara.

Estas duas dificuldades inter-relacionadas são sérias, mas não oferecem um diagnóstico do que estará errado no argumento de Anselmo, se acaso a excelência tiver realmente um máximo — tal como os números inteiros negativos têm um máximo, que é o –1. No século XVIII, Kant procurou oferecer um diagnóstico do que estaria errado em qualquer tentativa de provar ontologicamente a existência de Deus — tendo ele em mente a versão de Descartes, e não a de Anselmo. Eis o que escreveu:

Postular um triângulo e cancelar os seus três ângulos é contraditório; mas cancelar completamente o triângulo, com os seus três ângulos, não é uma contradição. Acontece exactamente o mesmo com o conceito de um ser absolutamente necessário. Caso se cancele a sua existência, cancela-se a própria coisa, com todos os seus predicados; de onde é então de supor que emerge a contradição? (KrV: B622–B623)

É óbvio que o ser não é um verdadeiro predicado, i.e., um conceito de algo que se poderia acrescentar ao conceito de uma coisa. É apenas o postular de uma coisa ou de certas determinações em si. No seu uso lógico, é apenas a cópula de um juízo. (KrV: B626)

Assim, a famosa prova ontológica (cartesiana) da existência do ser mais elevado, a partir de conceitos, não passa de aflições e labores perdidos, e um ser humano não consegue ficar mais rico em sagacidade a partir de meras ideias do que um mercador consegue ficar mais rico em recursos caso queira melhorar o seu estado financeiro acrescentando uns quantos zeros ao saldo da tesouraria. (KrV: B630)

Infelizmente, tanto nestas passagens como noutras, Kant limita-se a defender circularmente que não se consegue provar a existência de algo partindo apenas de conceitos. É de conceder que é surpreendente que se consiga fazer tal coisa, tratando-se de uma entidade como Deus, e não de uma entidade abstracta como um número ou uma figura geométrica. Mas o simples facto de ser surpreendente não significa automaticamente que há algo de errado no argumento de Anselmo; e enquanto não se conseguir identificar tal coisa, é circular apelar a um princípio filosófico dúbio — “é impossível provar a existência de entidades que não sejam meramente matemáticas recorrendo exclusivamente a conceitos” — porque o próprio argumento de Anselmo, caso não se identifique nele qualquer erro específico, é a prova de que esse princípio filosófico dúbio é, afinal, falso.

Em qualquer caso, uma preocupação central de Kant era a ideia de que a existência, ou o ser, parece exigir uma lógica cuidadosa, em que se distinga esse conceito dos predicados comuns. E é deste modo que, sobretudo na sequência do advento das lógicas actuais, se tende a ver a crítica de Kant: o argumento ontológico estaria errado, porque não estaria a atender devidamente à diferença lógica entre frases como “Descartes existe” e “Descartes pensa”. Nas lógicas actuais, é comum considerar que, no segundo caso, se trata de uma predicação genuína, com a forma lógica Fa, em que Fx é a forma do predicado “x pensa” e a indica o lugar do nome próprio “Descartes”. Só que a primeira frase tem uma forma lógica muitíssimo diferente: ∃x (x = a), ou seja, existe algo que é Descartes. Caso se pense que “Descartes existe” teria a forma lógica Fa — sendo agora Fx a forma do predicado da existência — estaríamos a confundir as coisas.

Durante muito tempo, era comum pensar que estas considerações permitiriam diagnosticar o erro da maneira ontológica de tentar provar que Deus existe. Contudo, está longe de ser óbvio que se consiga fazer tal coisa; e, em qualquer caso, consegue-se hoje reconstruir algo como o raciocínio de Anselmo, sem cair em supostos erros lógicos de pensar que a existência é um predicado como os outros. Eis uma maneira de o fazer, em que se introduz explicitamente conceitos modais, ou seja, que dizem respeito à possibilidade e necessidade.

A ideia de que se consegue pensar num ser maior que qualquer outro em que se consiga pensar é aparentemente bem captada dizendo que se trata de afirmar que é possível que exista um ser necessariamente maior que qualquer outro:

◇∃xy [¬(y = x) → □Fxy]

Ou seja, é possível que exista um x tal que, dada outra entidade y qualquer, x é necessariamente maior que y. Isto capta adequadamente a ideia da máxima excelência divina. Deus é, por definição, aquele ser necessariamente maior que qualquer outra entidade. Note-se que não se está aqui a pressupor que esta entidade existe: só se afirma que é possível que exista. A questão agora é mostrar que esta afirmação, que parece perfeitamente inócua, conduz a uma contradição, caso se afirme também que essa entidade hipotética, afinal, não existe:

¬∃xy [¬(y = x) → Fxy]

Ou seja, não existe um x tal que, dada outra entidade y qualquer, x seja maior que y.

Superficialmente, encontra-se realmente a contradição que Anselmo talvez tivesse em mente: supor que Deus é aquela entidade necessariamente maior que qualquer outra entra em contradição com a suposição de que essa entidade afinal não existe. Porém, só se consegue provar esta contradição admitindo ingenuamente que a possibilidade inicial da suposição — ◇∃xy [¬(y = x) → □Fxy] — é metafísica. A verdade, porém, é que não se sabe se é metafisicamente possível que Deus exista; o que se sabe é que é conceptualmente possível que exista. E quando se formula a hipótese explicitando o carácter meramente conceptual da possibilidade visada — ◇cxy [¬(y = x) → □Fxy] — desaparece a contradição almejada.2

Este diagnóstico é importante também porque não diz apenas respeito ao argumento específico de Anselmo, mas a qualquer tentativa de provar seja o que for de substancial partindo de uma mera possibilidade conceptual: é preciso ter muita atenção à diferença entre a possibilidade meramente conceptual, e a possibilidade metafísica. Prova-se que é preciso distinguir esses dois tipos de possibilidade começando por considerar o seguinte raciocínio:

É possível que a conjectura de Goldbach seja verdadeira.
Ou a conjectura é necessariamente verdadeira, ou necessariamente não é verdadeira.
Logo, é verdadeira.

É fácil provar que este raciocínio é válido, considerando a sua forma lógica:

p
p ⋁ □¬p
p

Contudo, é evidente que há aqui algo de errado, porque, caso contrário, conseguíramos provar de maneira elementar qualquer hipótese matemática que os melhores espíritos matemáticos até hoje foram incapazes de provar. O que está errado não é a segunda premissa: dada a natureza da conjectura de Goldbach — todo o número inteiro par maior que 2 é a soma de dois primos —, ou é uma afirmação necessariamente verdadeira, porque será uma verdade matemática, ou necessariamente não é verdadeira, porque será uma falsidade matemática. As afirmações matemáticas, quando são verdadeiras, são-no necessariamente, e quando não o são, também é necessário que não o sejam. A segunda premissa é, pois, verdadeira. Mas a primeira também parece verdadeira: claro que é possível que a conjectura seja verdadeira; se fosse impossível, ninguém se daria ao trabalho de tentar prová-la.

É aqui que está a ilusão.

Precisamente porque não sabemos se a conjectura é verdadeira ou falsa, também não sabemos se é necessariamente verdadeira, ou se, pelo contrário, é necessário que não seja verdadeira. E, claro, se for necessário que não seja verdadeira, então não é possível que seja verdadeira.

De onde vem então o ar de verdade, quando se afirma que é possível que seja verdadeira? Da ambiguidade do conceito de possibilidade. A conjectura é possivelmente verdadeira, mas apenas em termos conceptuais; não sabemos se a conjectura é possivelmente verdadeira, em termos metafísicos. Talvez seja impossível metafisicamente, e não possível; acontece apenas que, mesmo nesse caso, continuará a ser conceptualmente possível, porque isto só quer dizer que não sabemos a priori (pelo menos por enquanto) que a conjectura não é verdadeira. Contraste-se com a afirmação de que há triângulos com cinco ângulos. Essa não é uma possibilidade conceptual, porque sabemos a priori que não há triângulos com cinco ângulos.

Outra maneira de ver que há algo de errado no raciocínio anterior é considerar o seguinte, que segue o mesmo padrão e parece provar o exacto oposto:

É possível que a conjectura de Goldbach não seja verdadeira.
Ou a conjectura é necessariamente verdadeira, ou necessariamente não é verdadeira.
Logo, não é verdadeira.

Eis a sua forma lógica:

◇¬p
p ⋁ □¬p
∴ ¬p

Como se vê, parece agora que se provou que a conjectura de Goldbach não é verdadeira. O erro, claro, é o mesmo: a possibilidade da primeira premissa é conceptual, e não metafísica.

A possibilidade conceptual é muitíssimo diferente da possibilidade metafísica. E desempenha também um papel lógico muitíssimo diferente, porque afirmar que p é conceptualmente possível é apenas uma declaração de ignorância: trata-se de afirmar que não se sabe a priori que ¬p. Ora, pretender concluir seja o que for de substancial de qualquer premissa dominada por um operador de possibilidade conceptual é cair na conhecida falácia do apelo à ignorância. É conceptualmente possível que Deus exista, mas isto quer apenas dizer que não sabemos a priori que Deus não existe; e daqui nada de substancial há para inferir validamente. Em particular, é inválido inferir que Deus existe, mesmo que se admita que é conceptualmente possível que Deus seja um existente necessário.

Contraste-se isto com a possibilidade metafísica. Da possibilidade metafísica da existência de Deus, conclui-se validamente que Deus existe, se acrescentarmos a premissa razoável e definicional de que ou é necessário que Deus exista, ou é necessário que não exista — ou seja, se aceitarmos que Deus não é um existente nem um inexistente contingente: se existe, existe necessariamente, e se não existe, não existe necessariamente. De modo que é razoável pensar que o erro dos argumentos ontológicos, em pelo menos algumas formulações, é pretender partir da mera possibilidade conceptual da existência de Deus, que é então tratada como se fosse possibilidade metafísica, coisa que não há razões independentes para aceitar.

Este diagnóstico aplica-se à conhecida versão de Plantinga (1974a, 1974b) do argumento ontológico, apresentada na sequência da sua discussão das versões de Malcolm (1960) e de Hartshorne (1965) do argumento original de Anselmo. Plantinga apresenta várias formulações, e em todas encontra deficiências sérias, menos na última, que parte da ideia de que há um mundo possível em que a grandiosidade máxima está instanciada. Isto é apenas uma maneira de dizer que é possível que exista uma entidade maximamente grandiosa, mas evitando cuidadosamente algumas dificuldades identificadas por Plantinga. O que este filósofo não viu, porém, é que está a falar apenas de possibilidade conceptual, e não de mundos possíveis no sentido metafísico do termo. O que sabemos é que há pelo menos um mundo possível — exclusivamente no sentido conceptual do termo — no qual existe um ser maximamente grandioso, tal como existe pelo menos um mundo possível no qual a conjectura de Goldbach é verdadeira; daqui nada se infere de substancial, porque, apesar do vocabulário enganador dos mundos possíveis, isto quer dizer de novo o mesmo: que não sabemos a priori que Deus não existe, por enquanto, nem sabemos a priori, por enquanto, que a conjectura de Goldbach não é verdadeira. E do que não se sabe há que fazer um profundo e reverencial silêncio inferencial.

Curiosamente, Craig deu-se conta da diferença entre a possibilidade meramente conceptual, ou epistémica, para usar o seu termo, e a possibilidade genuína ou metafísica — mas não retirou daqui a lição adequada. Eis a passagem em que Craig distingue a possibilidade meramente conceptual, ou epistémica, da possibilidade genuína, ou metafísica:

[…] é crucial distinguir claramente entre a possibilidade metafísica e a meramente epistémica. A primeira diz respeito ao que é realmente possível; a segunda, ao que é consistente com o que sabemos. É uma tentação dizer “É possível que Deus exista, e é possível que não exista!” Mas esta asserção só é verdadeira com respeito à possibilidade epistémica: tanto quanto sabemos, Deus talvez exista, ou talvez não. Por outro lado, se Deus é concebido como um ser maximamente grandioso, então a sua existência ou é necessária ou impossível, independentemente da nossa incerteza epistémica. Para ilustrar: uma equação matemática extraordinariamente difícil talvez esteja para lá da nossa capacidade de apreensão, de modo que dizemos que é possível que a equação seja verdadeira e é possível que seja falsa. Mas com isto limitamo-nos a confessar a nossa incerteza epistémica com respeito ao valor de verdade da equação. Enquanto componente matemática, a equação em si ou é necessariamente verdadeira ou necessariamente falsa. Do mesmo modo, a admissibilidade epistémica da premissa 1 [É possível que exista um ser maximamente grandioso] (ou da sua negação) não garante a sua possibilidade metafísica. (Craig 2008: 185)

A lição a retirar daqui é que qualquer raciocínio que dependa crucialmente de uma mera possibilidade conceptual — ou epistémica, como lhe chama Craig — corre o sério risco de cair na falácia do apelo à ignorância, procurando concluir que Deus existe da premissa de que não sabemos que não existe. Mas Craig considera que o argumento ontológico, numa interpretação modal razoável da versão de Anselmo (como a de Plantinga), ainda que não prove só por si a existência de Deus, é mais um elemento que aponta nessa direcção:

O argumento ontológico poderá desempenhar o seu papel numa defesa cumulativa do teísmo, na qual variadíssimos factores conspiram simultaneamente para nos levar à conclusão global de que Deus existe. Nesse sentido, Anselmo estava enganado ao pensar que tinha descoberto um argumento único que, independentemente de tudo o mais, servia para demonstrar a existência de Deus em toda a sua grandiosidade. Contudo, o seu argumento condensa realmente a força de todos os argumentos juntos para mostrar que Deus, o Ser Supremo, existe. (Craig 2008: 188–189)

É duvidoso que um argumento que só é válido caso se aceite desde logo a conclusão consiga contribuir para a força da aceitabilidade epistémica dessa mesma conclusão. Também Plantinga (1974b: 139–140) pensa que há algum interesse epistémico num argumento claramente circular a favor da existência de Deus, como o seguinte:

Ou Deus existe, ou 7 + 5 = 14.
É falso que 7 + 5 = 14.
Logo, Deus existe.

Como no pensamento original de Anselmo, temos aqui um argumento considerado válido em grande parte das lógicas, e também na matemática, na ciência e na maneira comum de pensar: o silogismo disjuntivo. Por outro lado, a segunda premissa é verdadeira. E a primeira? Bem, se Deus existe, a primeira premissa é verdadeira (porque uma disjunção é verdadeira desde que uma das suas disjuntas seja verdadeira). Nesse caso, o argumento será sólido, porque é válido e só terá premissas verdadeiras. A dificuldade aqui é que quem não sabe ainda se Deus existe ou não, e quem está a tentar descobrir se existe raciocinando desta forma, não tem qualquer razão independente da aceitação da própria conclusão para aceitar a primeira premissa. Por outras palavras, o argumento é epistemicamente circular, que é exactamente o que acontece caso se insista na premissa que afirma que é metafisicamente possível que exista Deus (e não apenas conceptualmente possível): só quem já sabe que Deus existe tem por isso mesmo razões para aceitar essa premissa; as outras pessoas não sabem ainda se é realmente possível que Deus exista, ou se isso é apenas conceptualmente possível, apesar de na realidade ser, afinal, impossível que exista tal entidade.

Tal como acontecia anteriormente com a conjectura de Goldbach, também aqui, raciocinando de maneira análoga, se consegue chegar também à conclusão oposta:

Ou Deus não existe, ou 7 + 5 = 14.
É falso que 7 + 5 = 14.
Logo, Deus não existe.

Quando um argumento tem o tipo de circularidade presente na proposta de Plantinga, consegue-se argumentar exactamente da mesma maneira, mas a favor da conclusão oposta. E isso mostra que os dois argumentos são simplesmente circulares, e por isso não são cogentes (para que um argumento seja cogente é preciso que, além de sólido, todas as suas premissas sejam aceitáveis para quem rejeita a conclusão). Não é fácil ver como um argumento que se transveste facilmente para concluir o oposto consegue dar força à posição teísta, uma vez nesse caso também o seu oposto dá força à posição ateísta — o que, em última análise, significa que ficamos exactamente como estaríamos caso não tivéssemos nem o argumento ontológico, nem o seu oposto.

Assim, uma primeira preocupação com várias versões de argumentos ontológicos diz respeito ao conceito de possibilidade em questão: caso se trate de possibilidade meramente epistémica, os argumentos não são circulares, mas são inválidos; e caso se trate, alternativamente, de possibilidade metafísica, os argumentos são válidos, mas circulares. Uma segunda preocupação diz respeito ao conceito de existência envolvido em qualquer argumentação acerca de entidades abstractas — talvez esta preocupação descenda, num certo sentido, das considerações de Kant, mas, como se verá, é muitíssimo diferente delas. Uma maneira de ver a questão é começar com um argumento ontológico moderno, mencionado por (Craig 2008: 187):

  1. Os objectos abstractos, como números e proposições, ou são realidades com existência independente, ou então são conceitos numa mente.
  2. Os objectos abstractos não são realidades com existência independente.
  3. Se os objectos abstractos são conceitos numa mente, então existe um ser omnisciente e metafisicamente necessário.
  4. Logo, existe um ser omnisciente e metafisicamente necessário.

De 1 e 2, infere-se validamente que os objectos abstractos são conceitos numa mente; daqui e de 3, infere-se validamente a conclusão. A ideia favorável a 2 é que os objectos abstractos não são como árvores ou montanhas, que existem independentemente de alguém as conceber; os objectos abstractos só existem se alguém pensar neles. Porém, se ao mesmo tempo se insistir que há uma imensidade tal de objectos abstractos que nenhuma mente humana, ou conjunto de mentes humanas, é capaz de os conceber a todos; e se ao mesmo tempo se insistir que os objectos abstractos não são contingentes, mas sim necessários; então, parece que sem uma entidade necessária e omnisciente que os conceba, não existiriam objectos abstractos. Daí a plausibilidade da premissa 3.

A ideia capital aqui é que a mera existência de objectos abstractos, entendidos de uma certa maneira, implica a existência necessária de uma mente infinita. Como se vê, fala-se aqui de “existência”, aplicando o conceito a coisas como triângulos abstractos. Ora, em que sentido exactamente existe um triângulo abstracto, em contraste com os triângulos concretos, localizados no espaço e no tempo? Uma resposta óbvia caracteriza a existência de entidades abstractas por analogia com as entidades concretas, limitando-se a negar o que faz destas últimas concretas. Assim um triângulo abstracto existe no mesmo sentido em que existe um triângulo concreto, mas fora do espaço e do tempo. A dificuldade aqui é que mal se entende o conceito de existência deste modo alargado, mal nos afastamos do sentido comezinho do conceito de existência que aplicamos a árvores e girafas, damo-nos conta de que é razoável defender que existe exactamente tudo o que nos apetecer nomear ou mencionar. Isto esvazia de tal modo o conceito de existência que se torna desinteressante, ou pelo menos não significa o que é comum pensar que significa. Neste sentido diáfano de existência meramente lógica, existe Batman e não apenas Deus, além de existirem também entidades que parecem metafisicamente impossíveis, como o triângulo abstracto de Locke, que não é equilateral, nem isósceles, nem escaleno, e que é também tudo isso conjuntamente.3 E não só essas entidades todas existem, como existem todas necessariamente! Só que nada se acrescentou com este advérbio, na direcção de qualquer robustez metafísica com respeito à existência. Em última análise, estamos apenas a dizer que, se quisermos, falamos de todas essas entidades; ou seja, são objectos de discurso.

Ora, o que pelo menos alguns de nós queremos saber quando nos perguntamos se Deus existe, não é se existe no mesmo sentido diáfano em que existe tudo o que é objecto de discurso, mas antes se existe em qualquer sentido mais robusto, que inclua a independência relativamente a nós, o poder para criar o Universo e a capacidade para amar, sempre na acepção não-ficcional nem meramente mental destes conceitos. Se no mesmo sentido em que Deus existe, também os triângulos metafisicamente impossíveis existem, assim como as fadas e os deuses do Egipto clássico, provar a sua existência é um exercício vácuo e frívolo.

Quando a existência é entendida desta maneira tão pouco exigente, não só se prova facilmente que tudo existe, como se prova que tudo existe necessariamente (Williamson 2002). E nem precisamos de uma argumentação como a de Williamson,4 caso aceitemos a lógica clássica, ou outras lógicas próximas, porque nesse caso aceitamos que qualquer frase da forma ∃x (x = a), como “Williamson existe”, “Deus existe” e “Batman existe”, é uma verdade lógica. Ora, dado que qualquer verdade lógica é também uma verdade necessária, conclui-se que Williamson, Deus e Batman não só existem, como existem necessariamente. Evidentemente, este sentido meramente lógico de existência é muitíssimo diáfano e desinteressante: existe tudo o que é objecto de discurso, ainda que não exista empiricamente, nem em qualquer outro sentido relevante. Devido a este conceito meramente lógico de existência — que é o que se tem em mente muitas vezes, ainda que não explicitamente, ao falar de entidades abstractas, como números — é preciso cuidado ao formular argumentos ontológicos a favor da existência de Deus com base em considerações acerca de entidades abstractas: a prova, ainda que cogente, será simplesmente irrelevante se não for além do conceito meramente lógico de existência.

Resta discutir brevemente uma última preocupação com respeito às tentativas de provar a existência de Deus com base apenas em considerações conceptuais. Como se viu, algumas dessas tentativas, sobretudo as mais recentes, recorrem desavergonhadamente aos conceitos modais de necessidade, possibilidade e contingência.5 A dificuldade é que não se sabe se há realmente verdades necessárias, contingentes ou possíveis em qualquer sentido modal robusto que não seja eliminável usando outros conceitos mais modestos.

As modalidades aléticas dizem respeito a supostos modos da própria verdade, distinguindo-se de modos epistémicos (a priori, a posteriori) e de modos semânticos (analítico, sintético). Os modos aléticos são os mencionados: contingência, necessidade e possibilidade. Ora, há aqui duas dificuldades importantes. A primeira é que não se sabe se esses modos são meras fantasias filosóficas, devidamente elimináveis recorrendo aos modos epistémicos (e os modos semânticos eliminam-se recorrendo a estes); a segunda, é que não se sabe se há ou não co-extensionalidade entre os supostos modos genuinamente metafísicos e os meramente lógicos.

Começando pela segunda dificuldade, considere-se a pergunta seguinte: haverá necessidades metafísicas que não sejam necessidades lógicas? Se não houver, então tudo o que é logicamente contingente é também metafisicamente contingente. Pressupõe-se bastas vezes sem pensar que o simples facto de a existência do Universo — ou de qualquer outra entidade ou agregado mereológico de entidades — ser logicamente contingente prova que é metafisicamente contingente; mas isto depende de se provar primeiro que as modalidades lógicas e metafísicas coincidem exactamente, ou seja, que são co-extensionais. E não há qualquer prova cogente de tal coisa. Talvez a hipótese da co-extensionalidade entre essas modalidades seja verdadeira; mas outra hipótese é que algumas necessidades metafísicas não sejam necessidades lógicas — como “O José é o Eça”, quando os dois nomes são co-referenciais. Talvez muitas necessidades metafísicas não sejam necessidades lógicas; ou talvez não. É preciso estar ciente destas duas hipóteses, para não cair na falácia de admitir que algo é contingente só porque é logicamente contingente, quando isso nos dá jeito, e depois esquecê-lo e defender que outra coisa é metafisicamente necessária, apesar de ser logicamente contingente. Assim, defender que só uma entidade necessária como Deus explica a existência do Universo, porque este é contingente, parece falacioso, porque a única razão para pensar que o Universo é um existente contingente é o facto de “O Universo existe” não ser uma verdade lógica (ignorando as considerações anteriores sobre a existência no sentido meramente lógico do termo); mas, nesse caso, também Deus é um existente contingente, a menos que se prove primeiro que, surpreendentemente, “Deus existe” é uma verdade lógica — e esta é a tarefa, no fundo, dos argumentos ontológicos a favor da existência de Deus.

Quanto à primeira dificuldade, é ainda mais radical: é que não se sabe se as supostas modalidades metafísicas são ou não meras fantasias. Talvez a verdade simplesmente não tenha quaisquer modos. Não se trata de dizer que tudo é contingente, mas antes que não há contingências, nem necessidades, nem possibilidades, em qualquer sentido que não o meramente epistémico, que inclui o lógico. Uma verdade lógica, como “O Sol é feito de hidrogénio ou não”, é uma verdade logicamente necessária, mas isto é só uma maneira mais exótica de voltar a dizer que é uma verdade lógica; e o conceito de verdade lógica reduz-se sem grandes dificuldades à modalidade epistémica: sabe-se a priori que o Sol é feito de hidrogénio ou não, mas não é dessa maneira que se sabe que o Sol é feito de hidrogénio, e por isso aquela frase é uma verdade lógica, mas não a frase “O Sol é feito de hidrogénio”. Metafisicamente, contudo, as duas frases têm precisamente o mesmo veridador, que é o facto de o Sol ser feito de hidrogénio, pelo que não há diferença metafísica entre elas: a diferença é meramente epistémica.

Não se trata de dizer que as coisas são assim, mas apenas que esta é uma hipótese que não há provas cogentes de que seja falsa. E por isso é preciso não a perder de vista. Ora, se acaso for verdadeira, toda a conversa acerca de contingências e necessidades que não sejam meramente lógicas não passa de fantasia filosófica obscurantista pré-científica, como falar de flogisto ou do éter.6 Esta é uma preocupação a ter firmemente em vista ao estudar quaisquer ideias filosóficas que dependam de noções modais. Não se trata de dizer que caso as modalidades metafísicas sejam ilusórias, se conclui imediatamente que Deus não existe; nem se trata de dizer que nenhuma prova cogente se consegue encontrar da sua existência, caso as modalidades metafísicas não passem de fantasias filosóficas. A existência de Deus parece compatível com a inexistência de modalidades metafísicas; e talvez se consiga tentar provar apropriadamente que Deus existe sem usar esses conceitos problemáticos. Mas é verdadeiro que, ao longo da história da filosofia, uma parte significativa dos argumentos a favor da existência de Deus, sejam eles ontológicos ou não, dependem desses problemáticos conceitos modais. E isso é preocupante, num certo sentido, mas também estimulante, noutro: abre uma linha de investigação muitíssimo promissora, que é tentar descobrir se há boas provas da existência de Deus, sejam elas ontológicas ou não, que não dependam das problemáticas modalidades aléticas.

Desidério Murcho

Referências

Notas

  1. Oppy sugere que pelo menos alguns argumentos supostamente ontológicos têm aparentemente elementos a posteriori: “Considere-se, por exemplo, a afirmação de que eu concebo um ser maior que o qual nenhum pode ser concebido. É claro que esta afirmação não é analítica […], nem necessária […], nem a priori […]” (Oppy 2002: §3). Pensando deste modo, parece que nenhum raciocínio matemático seria também analítico, nem a priori, uma vez que para uma pessoa concluir que os triângulos têm três lados, partindo do conceito de triângulo, tem de pensar no conceito de triângulo, e isso é uma actividade empírica, num certo sentido. O que conta para considerar que os argumentos ontológicos são a priori e analíticos, como os matemáticos, é que se conclui algo com base apenas nos conceitos, sem o concurso de informação empírica adicional; é irrelevante que seja um facto empírico que alguém pensa nesses conceitos.↩︎
  2. Para pormenores deste resultado lógico, veja-se Murcho (2019: 233–239) e Murcho (2021).↩︎
  3. “Não exige esforço e habilidade a formação da ideia Geral de Triângulo (que nem é das mais abstractas, abrangentes e difíceis)? Pois não pode ser Oblíquo, nem Rectângulo, nem Equilateral, nem Isósceles, nem Escaleno; mas todas essas coisas e nenhuma ao mesmo tempo. Com efeito, é algo imperfeito que não pode existir; uma Ideia em que se juntam algumas partes de várias Ideias diferentes e inconsistentes.” (Locke 1689, IV, vii, §9)↩︎
  4. “1) Necessariamente, se não existo, então a proposição de que não existo é verdadeira. […] 2) Necessariamente, se a proposição de que não existo é verdadeira, então a proposição de que não existo existe. […] 3) Necessariamente, se a proposição de que não existo existe, então eu existo. […] 4) Necessariamente, se eu não existo, então existo. […] 5) Eu existo necessariamente.” (Williamson 2002: 233–234)↩︎
  5. Algumas versões de argumentos cosmológicos a favor da existência de Deus recorrem também a esses problemáticos conceitos, pelo que as preocupações levantadas de seguida se aplicam igualmente a esses casos.↩︎
  6. Esta era uma das preocupações de Quine com respeito às modalidades aléticas. Infelizmente, não só os seus argumentos (Quine 1960, 1961) são inadequados (Murcho 2002: Cap. 2), como nenhuma perspectiva construtiva é por ele oferecida sobre o que seria a verdade não ter modos, e como se conseguiria, nesse caso, ter uma compreensão robusta do conceito capital de consequência lógica (em Murcho 2018 e 2019 são apresentadas algumas ideias nesta direcção).↩︎
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