Faz-se por vezes algumas confusões no que respeita ao conceito de argumento formalmente inválido. Nomeadamente, pensa-se erradamente que se um argumento é formalmente inválido, então é inválido. Isso é falso. Há argumentos válidos formalmente inválidos.
Vejamos um exemplo. O seguinte argumento é formalmente inválido, dado que é um caso da falácia da afirmação da consequente:
Se o João é pai do Paulo, o Paulo é filho do João.
O Paulo é filho do João.
Logo, o João é pai do Paulo.
Este argumento é formalmente inválido mas é válido: é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Dizer que é formalmente inválido é dizer que há outros argumentos com a mesma forma lógica que têm premissas verdadeiras e conclusão falsa, como o seguinte:
Se o João é amigo do Paulo, o Paulo é amigo do João.
O Paulo é amigo do João.
Logo, o João é amigo do Paulo.
Imagine-se que o João não é amigo do Paulo mas que, se o fosse, o Paulo seria amigo do João. E imagine-se ainda que o Paulo é amigo do João. Neste caso, as duas premissas são nesse caso verdadeiras, mas a conclusão é falsa.
A forma lógica dos dois argumentos pode representar-se assim:
Se P, então Q.
Q.
Logo, P.
Pensar que a falácia proposicional da afirmação da consequente não é “realmente” uma falácia porque há argumentos válidos com essa forma lógica é não compreender os conceitos de validade e invalidade formal. Quando um argumento é formalmente válido, não há argumentos que tenham a mesma forma lógica e sejam inválidos. Quando um argumento é formalmente inválido há argumentos que têm a mesma forma lógica e são inválidos (podendo haver ou não argumentos válidos com a mesma forma lógica). Os dois conceitos são contraditórios, e não contrários. Não se exige que todos os argumentos com uma forma inválida sejam inválidos; apenas se exige que alguns o sejam. Isso é suficiente para que um argumento com tal forma seja formalmente inválido, pois ser formalmente inválido só quer dizer isso mesmo: que há argumentos com a mesma forma que são inválidos.
O mesmo acontece em qualquer lógica formal, e não apenas na lógica proposicional. Vejamos o seguinte exemplo da lógica silogística:
Alguns solteiros são pessoas felizes.
Algumas pessoas felizes não são casadas.
Logo, nenhum solteiro é casado.
Este argumento é formalmente inválido, dado que tem uma forma lógica inválida. Mas é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa, até porque é impossível a própria conclusão ser falsa. Contudo, o argumento é inválido porque outro argumento exactamente com a mesma forma lógica tem premissas verdadeiras e conclusão falsa:
Alguns gatos são mamíferos.
Alguns mamíferos não são peludos.
Logo, nenhum gato é peludo.
Em conclusão, qualquer lógica formal tem esta característica: classifica a validade dos argumentos em função exclusivamente da sua forma lógica, e não em função de outros factores. Quando na lógica formal se determina que um argumento tem uma forma inválida, daí não se segue que o argumento em si é inválido. Mas quando na lógica formal se determina que um argumento tem uma forma válida, segue-se que o argumento em si é válido. Nunca podemos confundir os argumentos em si com as formas argumentativas que estes exemplificam. A lógica formal, por ser formal, estuda as formas argumentativas e não os argumentos em si.1
Desidério Murcho