1 de Novembro de 2016   Dicionário Escolar de Filosofia

Dicionário escolar de filosofia

Organização de Aires Almeida

C

cadeia causal

Sucessão de acontecimentos relacionados entre si como causa e efeito (Ver causa/efeito). Por exemplo, o acontecimento de o João ter partido a janela da escola com a bola, tem a seguinte cadeia causal: o atirar da bola pelo João como causa e o partir da janela como efeito. Mas a cadeia causal não pára aqui. Por exemplo, o João pode ter atirado a bola contra a janela por se sentir frustrado com a nota de filosofia. E o que causou a sua frustração foi não ter estudado o suficiente, e assim por diante. As cadeias causais podem mesmo regredir infinitamente. (Célia Teixeira)

cálculo de predicados

O tipo de linguagem que contém o cálculo proposicional e ainda símbolos predicativos, quantificadores (ver quantificador), variáveis e constantes individuais (as traduções formais de nomes de indivíduos), bem como regras de inferência (e, eventualmente, axiomas) apropriadas para eles. Ao contrário do cálculo proposicional, o cálculo de predicados permite analisar a estrutura predicativa das proposições e assim representar relações lógicas como as existentes entre 1) “Todos os seres vivos são mortais” e 2) “O Rui é um ser vivo imortal" (contradição) e entre 1 e 3) “Não é verdadeiro que alguns seres vivos não sejam mortais" (equivalência). As fórmulas bem formadas desta linguagem predicativa são usadas em derivações, que são versões formais de argumentos formulados em linguagem corrente (ver cálculo lógico). Desde o início do séc. XX, o cálculo de predicados tem ocupado o lugar da lógica aristotélica como o instrumento de análise lógica por excelência, e é geralmente considerado a linguagem formal na qual a esmagadora maioria dos padrões do raciocínio válido é representável rigorosamente. É ainda utilizado como meio (ou pelo menos como inspiração) para o estudo sistemático de muitas subtilezas sintácticas e semânticas da linguagem corrente. Ver também lógica, lógica clássica, lógica formal. (Pedro Santos)

cálculo lógico

Um sistema formal que permite derivar (ver derivação) conclusões a partir de premissas por meio de regras de inferência. Um cálculo lógico contém uma linguagem bem definida nos seus símbolos básicos e nas regras de construção de fórmulas, além de uma especificação das regras de inferência (e, nos casos de existirem, dos axiomas) admitidas. O conjunto destas especificações determina quais as derivações admitidas no sistema (ver sintaxe). O cálculo proposicional e o cálculo de predicados são exemplos canónicos de sistemas deste tipo. Assim caracterizados, os cálculos lógicos são apenas linguagens formais cujas fórmulas são manipuláveis através de regras, de modo a obterem-se outras fórmulas; mas é evidente que eles serviriam de muito pouco se as suas derivações não fossem modelos dos nossos raciocínios válidos. Assim, para além destas especificações sintácticas, um cálculo lógico pode ser interpretado (ver interpretação, semântica), isto é, podem ser atribuídos significados aos seus símbolos básicos e fórmulas, e as suas derivações podem ser avaliadas como válidas ou inválidas. Idealmente, todas as derivações admitidas num cálculo lógico são válidas e todos os argumentos válidos representáveis na sua linguagem correspondem a derivações nele admitidas. O cálculo proposicional e o cálculo de predicados têm esta característica, a que se chama “completude”. Ver também lógica, lógica clássica.

cálculo proposicional

O tipo de linguagem onde são representadas as relações logicamente relevantes entre proposições (ou entre as frases que exprimem essas proposições): negação, conjunção, disjunção, condicional, bicondicional. Contém letras do alfabeto, como P, Q e R (cada uma delas representando uma proposição), e constantes lógicas (ver conectiva), que são definidas como operadores verofuncionais que actuam sobre as letras proposicionais para construir fórmulas (correspondentes à frases da linguagem corrente). Contém ainda regras de inferência (e, eventualmente, axiomas), o que permite que as fórmulas bem formadas da linguagem sejam usadas em derivações (versões formais de argumentos formulados em linguagem corrente — ver cálculo lógico). No cálculo proposicional são representáveis inferências como “Se o Rui é um ser vivo, então é mortal; o Rui é um ser vivo; logo, é mortal”; mas não são representáveis inferências como “Todos os seres vivos são mortais; o Rui é um ser vivo; logo, o Rui é mortal”. Isto deve-se ao facto de, ao contrário do que acontece com o cálculo de predicados, no cálculo proposicional não ser possível representar a estrutura predicativa das proposições (de modo que a segunda inferência seria nele desinformativamente representada apenas como P; Q; logo, R, o que não daria conta da sua validade). Ver também lógica, lógica clássica, lógica formal. (Pedro Santos)

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Dúvidas?

caprichoso, pensamento

Ver pensamento caprichoso.

caracterização

Caracteriza-se algo quando se apresentam algumas das suas propriedades ou características importantes. Por exemplo, pode-se caracterizar o álcool como um líquido transparente que usamos para desinfectar feridas, que é muito inflamável e volátil, etc. Em suma, escolhemos um conjunto de propriedades que reputamos importantes ou típicas e apresentamos essas propriedades. As caracterizações distinguem-se das definições explícitas (ver definição explícita) por não apresentarem obrigatoriamente condições necessárias nem suficientes (ver condição necessária e condição suficiente). As caracterizações são auxiliares preciosos para a compreensão e podem ser usadas para complementar definições que, apesar de mais correctas, são muitas vezes menos informativas. (Desidério Murcho)

Murcho, Desidério, “Definição de “Definição"" in A Natureza da Filosofia e o seu Ensino (Lisboa: Plátano, 2002).

carácter

Ter um certo carácter é equivalente a ser um certo tipo de pessoa. A avaliação moral do carácter de uma pessoa faz-se a partir dos traços de carácter que exibe. Um traço de carácter é uma disposição estável para agir e que se manifesta no comportamento correspondente. É assim uma disposição comportamental. Mas é também uma disposição para distinguir os aspectos moralmente relevantes dos casos e dar-lhes um certo peso nas nossas deliberações. É também, por isso, uma disposição cognitiva. Por exemplo, a compaixão é um traço de carácter que distingue as necessidades dos outros como um aspecto moralmente relevante a ter em conta. Um traço de carácter envolve ainda uma disposição para sentir, e é, nessa medida, uma disposição emocional. Isto quer dizer que uma pessoa de carácter compassivo sentirá, obviamente, compaixão. Há dois tipos de traços de carácter: os desejáveis e os indesejáveis. Os primeiros são virtudes; os segundos são vícios. Para a ética das virtudes, na qual a noção de carácter tem um papel fundamental, devemos desenvolver as primeiros e evitar os segundos. (Faustino Vaz)

Carnap, Rudolf (1891–1970)

Filósofo americano nascido na Alemanha. Positivista lógico, foi um dos filósofos mais importante do séc. XX. Carnap foi aluno de Frege tendo sido profundamente influenciado por este, assim como por Russell e Wittgenstein. Leccionou nas universidades de Viena e Praga, mudando-se para os EUA em 1935. As suas principais contribuições são em semântica formal (Meaning and Necessity, 1937), filosofia da ciência, lógica e teoria da probabilidade (The Logical Foundations of Probability, 1950). Numa das suas primeiras obras (Der logische Aufbau der Welt, 1928), defendeu a redução de todo o conhecimento humano aos dados dos sentidos ligados pela relação de recordação de semelhança. Posteriormente, reconsidera esta posição abrindo uma excepção para o caso da física. A sua posição anti-metafísica segundo a qual as afirmações metafísicas não têm significado por não serem empiricamente verificáveis (ver verificacionismo) tornou-se emblemática do positivismo lógico. Carnap defende ainda a redução das verdades da matemática e da lógica à linguagem, considerando-as assim de meras verdades por convenção. Pensava também que o único método de fazer filosofia é através da análise lógica da linguagem. Defendia a unidade da ciência e a centralidade da noção de confirmação para o método científico. (Célia Teixeira)

cartesiano

Que se refere a Descartes.

catarse

O processo psicológico de libertação de maus sentimentos e de purificação dos bons. Segundo Aristóteles, a arte proporciona-nos essa oportunidade, contribuindo para nos tornar melhores. (Aires Almeida)

categorias

O termo foi usado pela primeira vez por Aristóteles para designar as classes mais gerais de seres (ver ser) ou os predicados (ver predicado) que podem ser afirmados de um sujeito. Para Aristóteles, as categorias são dez: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, acção e paixão. A palavra é mais tarde retomada por Kant para designar doze conceitos (ver conceitos) puros do entendimento, formas a priori de conhecimento, que agrupa sob quatro grandes classes: quantidade, qualidade, relação e modalidade. (Álvaro Nunes)

categórica, proposição

Ver proposição categórica.

categórico, imperativo

Ver imperativo categórico.

causa/efeito

Os dois termos de uma relação causal. Chama-se “causa” ao que provoca algo; e “efeito” ao que é provocado. Do ponto de vista temporal, é comum pensar-se que a causa é anterior ao efeito, mas alguns fenómenos estudados na física quântica parecem desmentir esta crença. O modo como se estabelece a relação entre a causa e o efeito tem sido objecto de amplo debate entre os filósofos, especialmente a partir de Hume, no séc. XVIII. Acontecimentos, mudanças e estados (físicos ou mentais) exemplificam aquilo que pode estar causalmente relacionado: quando afirmamos “o calor dilata os metais”, estamos a enunciar uma relação causal em que o aumento da temperatura é a causa e a dilatação dos metais é o efeito. Numa cadeia causal, a causa próxima é aquela que antecede um dado efeito sem a mediação de qualquer outro acontecimento ou estado; pelo contrário, quaisquer outras causas existentes nessa cadeia são causas remotas. Se existir, a Causa Primeira é aquela que causou todas as cadeias causais sem que ela própria tivesse sido causada. Alguns teístas (ver teísmo) identificam-na com Deus. Ver argumento cosmológico. (António Paulo Costa)

causalidade

Ver causa/efeito, relação causal e cadeia causal.

caverna, alegoria da

Ver alegoria da caverna.

cepticismo

A perspectiva que nega total ou parcialmente a possibilidade do conhecimento. De acordo com o céptico, se bem procurarmos, encontramos sempre boas razões para duvidar mesmo das nossas crenças mais fortes. Há dois grupos de argumentos cépticos: o primeiro baseia-se nas diferenças de opinião, mesmo entre as pessoas mais conhecedoras; o segundo, baseia-se nas ilusões perceptivas. Há diferentes tipos de cepticismo. Uma forma radical de cepticismo é geralmente atribuída a Pirro de Élis (c.360 a. C.-c.270 a. C.), para quem devíamos suspender o nosso juízo em relação a todas as coisas. A resposta habitual a este tipo de cepticismo é procurar mostrar que é auto-refutante (ver auto-refutação), pois se podemos afirmar que nada sabemos é porque já sabemos precisamente isso. Também Descartes procurou responder aos argumentos cépticos, mostrando que há pelo menos uma coisa que resiste à dúvida mais insistente: que existimos. Além do cepticismo radical há outros tipos de cepticismo que limitam o seu âmbito apenas a certas áreas. Este tipo de cepticismo parcial pode aplicar-se a aspectos metodológicos: empiristas, como Hume, são cépticos em relação ao conhecimento a priori do mundo (ver a priori/a posteriori), enquanto que alguns racionalistas duvidam do conhecimento empírico. Mas também se pode dirigir apenas a determinado tipo de entidades: o conhecimento de outras mentes, a existência de Deus, o conhecimento do futuro, a indução (ver problema da indução), o conhecimento de verdades éticas, o conhecimento do mundo exterior, etc. Sexto Empírico (c. 150–c.225) e Michel de Montaigne (1533–92) são dois dos mais destacados defensores do cepticismo. (Aires Almeida)

certeza

Grau máximo de convicção acerca da verdade de uma certa proposição. Quando afirmamos “Tenho a certeza absoluta de que P!”, estamos a exprimir a nossa completa convicção de que P é verdade. Mas podemos perfeitamente estar enganados. A certeza não implica a verdade, ao contrário do conhecimento. (António Paulo Costa)/(Desidério Murcho)

Chomsky, Noam (n. 1928)

Linguista norte-americano e inspirador do movimento generativista em linguística. As suas ideias revolucionaram a disciplina, redefinindo-a no seu objecto e na sua metodologia. A linguística passou a ser vista como a disciplina que estuda a competência gramatical dos falantes e o modo como ela é obtida; sendo acerca do conhecimento que cada falante tem da sua língua, pretende descrever esse conhecimento e não tem, portanto, carácter prescritivo. A visão chomskiana do papel da linguística é inseparável da sua tese inatista de que as características essenciais do conhecimento linguístico humano são determinadas geneticamente; tal como uma cria de pardal está geneticamente programada para um dia vir a voar, também os seres humanos estão geneticamente equipados com a capacidade de compreender e produzir estruturas linguísticas com certas características. Chomsky chamou «gramática universal» ao conjunto de princípios abstractos que definem o potencial linguístico de um falante humano. Os princípios abstractos da gramática universal concretizar-se-ão, à medida que cada criança vai aprendendo a falar uma dada língua, no seu conhecimento gramatical dessa língua específica. Dois argumentos importantes a favor desta visão mentalista e racionalista acerca do conhecimento linguístico são o da pobreza dos estímulos exteriores (segundo o qual a informação linguística que uma criança obtém a partir de estímulos exteriores é insuficiente para explicar a complexidade do conhecimento gramatical que, relativamente cedo, vem a dominar) e o de que as crianças de origens e contextos sociais e geográficos completamente distintos adquirem essencialmente o mesmo tipo de conhecimento linguístico, passando exactamente pelas mesmas fases de desenvolvimento, a ritmos semelhantes. Deste ponto de vista, a linguagem é vista como uma construção mental (e não social, como para Saussure) e a linguística, em última análise, como um ramo da psicologia cognitiva. (Pedro Santos)

cidadania, teorias da

As teorias da cidadania respondem de maneira diferente à pergunta “Como devemos organizar a sociedade de modo a potenciar a participação dos cidadãos no processo de decisão política?" Há cinco teorias centrais.

O republicanismo aristotélico é a teoria que defende que os cidadãos têm o dever de participar na vida política, e que só essa participação pode realizá-los como seres humanos. A teoria dos direitos defende que a participação dos cidadãos na vida pública emerge quando o estado lhes garante direitos civis, políticos e sociais. Os direitos civis incluem coisas como o direito a não ser discriminado em função da raça, religião ou sexo; os políticos, o direito de votar, de ter filiação partidária e de concorrer a eleições; e os sociais, o direito à educação, à saúde, ao trabalho e à reforma. A teoria conservadora defende que a participação dos cidadãos resulta da imersão na vida económica e da compreensão dos mecanismos do mercado, sendo necessário que o estado cancele grande parte dos direitos sociais. A teoria da sociedade civil defende que os cidadãos aprendem a participar na vida pública participando em associações cívicas, nas quais aprendem as virtudes cívicas, e através das quais intervêm na vida pública. A teoria da virtude liberal defende que só o ensino das virtudes liberais dará aos cidadãos a motivação e os conhecimentos necessários para participar na vida pública.

Os aspectos centrais de cada uma destas teorias são suficientemente vagos para se poder combinar mais de uma teoria. Podemos, por exemplo, defender que a escola desempenha um papel crucial na formação do cidadão, mas ao mesmo tempo defender a importância das associações cívicas e da responsabilização económica. (Desidério Murcho)

ciência

As disciplinas que agrupamos sob a designação “ciência" incluem as ciências formais e as ciências empíricas (ver empírico).

As principais ciências formais, assim chamadas pelo facto de os seus objectos de estudo não terem existência concreta (ver abstracto/concreto), são a matemática e a lógica.

As ciências empíricas são aquelas que estudam, com base na experiência, os fenómenos naturais e sociais. A finalidade de tais ciências é descobrir e explicar os padrões e regularidades desses fenómenos, enunciando-os rigorosamente sob a forma de leis. As leis genuinamente científicas 1) constituem generalizações corroboradas acerca dos fenómenos que descrevem, 2) permitem realizar previsões rigorosas e 3) são passíveis de ser testadas. Estas três características diferenciam-nas dos enunciados da filosofia, da religião, do senso comum e das pseudociências (como a alquimia, a astrologia ou a parapsicologia). Outro aspecto que diferencia a ciência dos demais saberes, e também das pseudociências, é o recurso sistemático a métodos formais de prova. Saber se as ciências sociais têm por objectivo, como as naturais, a elaboração de leis, é ponto de discórdia entre os especialistas.

O conjunto de procedimentos dos cientistas no seu trabalho constitui o método científico. Em filosofia da ciência discute-se se existe um método científico único e como poderemos descrevê-lo apropriadamente, sendo particularmente importantes a este respeito os trabalhos de Imre Lakatos (1922–1974), Karl Popper, Paul Feyerabend e Thomas Khun.

A cisão moderna entre a filosofia e a ciência dá-se progressivamente com os trabalhos de Copérnico (1473–1543), Kepler (1571–1630), Galileu e Newton (1642–1727), que impulsionaram decisivamente o recurso à experimentação e a matematização da ciência. Ver explicação científica, observação, método científico, método experimental, método hipotético-dedutivo, corroboração, generalização, problema da indução, verificacionismo, verificabilidade, falsibicabilidade, falsificacionismo, critério de demarcação, positivismo e Comte. (António Paulo Costa)

ciência, filosofia da

Ver filosofia da ciência.

científico, método

Ver método científico.

coerentismo

Perspectiva epistemológica (ver epistemologia), segundo a qual o nosso conhecimento não carece de qualquer tipo de fundamento. O conhecimento é antes encarado à maneira de uma teia ou sistema de crenças coerentes entre si, que se sustentam mutuamente, dispensando qualquer necessidade de uma crença — ou de um conjunto de crenças — em que todas as outras se apoiem. O filósofo austríaco Otto Neurath (1882–1945) ilustra esta perspectiva com uma célebre metáfora, conhecida como Barco de Neurath: tal como é possível a um barco navegar sem se afundar, apesar de ser composto de inúmeras partes e de nenhuma delas suportar todas as outras, o mesmo acontece com o conhecimento. Cada uma das nossas convicções é como cada uma das peças do barco. Ligadas umas às outras, formam uma totalidade consistente e auto-sustentada. Este é o modo como, de facto, se estrutura a justificação das nossas crenças, demarcando-se o coerentismo tanto do cepticismo como do fundacionalismo. Para um céptico, é impossível encontrar justificações satisfatórias para as nossas crenças, coisa que um coerentista rejeita; para um fundacionalista, as nossas crenças justificam-se a partir de um número limitado de crenças mais evidentes e fundamentais, como sustenta Descartes com o célebre cogito ergo sum, coisa que o coerentismo também rejeita. (Aires Almeida)

cogito

Nome por que é conhecido o famoso argumento (segundo alguns) ou afirmação (segundo outros) de Descartes “penso, logo existo” e que em latim é “cogito ergo sum”.

cogito ergo sum

Expressão latina utilizada por Descartes que significa “penso, logo existo”. Ver também dúvida metódica.

cognitivismo estético

Perspectiva filosófica acerca da arte, segundo a qual ela tem valor na medida em que serve para aumentar o nosso conhecimento. O cognitivismo estético é uma teoria funcionalista (ou instrumentalista), pois reconhece que a arte tem uma função, ao contrário do esteticismo. Um dos mais destacados defensores do cognitivismo estético é o filósofo americano Nelson Goodman. Ver também funcionalismo estético. (Aires Almeida)

compatibilismo/incompatibilismo

O problema do livre-arbítrio consiste em saber se a crença de que somos livres é compatível com a crença de que o mundo é governado por leis e que no mundo todos os acontecimentos, incluindo as nossas acções, são determinados pelas suas causas (ver causa/efeito). Em geral, existem dois tipos de teorias que respondem a este problema: as teorias compatibilistas e as teorias incompatibilistas.

O compatibilismo é uma concepção metafísica que afirma que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo. A posição compatibilista pode ser expressa com a seguinte afirmação condicional: se tudo for determinado, é possível que exista livre-arbítrio.

O determinismo moderado é a teoria compatibilista mais influente. Um determinista moderado, como David Hume, aceita que a acção seja determinada por causas; no entanto, sustenta que essa acção pode ser livre se o agente, ao praticá-la, puder agir de outra forma e se tiver um controlo sobre o desejo e a crença que causam a acção. Por exemplo, entregar um telemóvel a um ladrão é uma acção livre caso nos seja possível recusar fazê-la e se o desejo de viver, assim como a crença de que entregar o telemóvel permite preservar a vida, forem as causas dessa acção.

O incompatibilismo é o conjunto de concepções metafísicas que negam que o livre-arbítrio seja compatível com o determinismo. A posição dos incompatibilistas é a seguinte: se tudo for determinado, não é possível que exista livre-arbítrio. As duas teorias incompatibilistas mais importantes são o determinismo radical e o libertismo. Os deterministas radicais argumentam que o livre-arbítrio não existe porque todas acções são efeito de causas remotas e incontroláveis. Os libertistas afirmam que o livre arbítrio existe porque nem todas as acções são o efeito de causas remotas e incontroláveis. (António Paulo Costa)

composição, falácia da

Ver falácia da composição.

compreensão

Segundo a chamada lógica de Port-Royal, a compreensão é o conjunto de atributos que são consequência semântica de um termo ou conceito. Assim, atributos como substância, material, viva e sensível constituem a compreensão do conceito animal. A compreensão de um termo ou conceito distingue-se da sua extensão. Esta é o conjunto de indivíduos ou entidades a que o termo ou conceito se aplica. A extensão do conceito de animal inclui todo e qualquer animal que exista, tenha existido ou venha a existir. A compreensão de um termo ou conceito não é alterada pelo número de indivíduos a que se aplique esse conceito: o conceito de animal permanece o mesmo quer se aplique a um indivíduo, a milhões de indivíduos ou a nenhum indivíduo. Ver extensão, intensão. (Luís Rodrigues)

Comte, Auguste (1798-1857)

Filósofo francês, pai do positivismo do séc. XIX. É também considerado um dos fundadores da sociologia. Comte chamava à sua filosofia “positiva” porque acreditava no progresso do conhecimento em todos os domínios, procurando identificar os diferentes estados ou fases por que as nossas concepções do mundo tiveram de passar até chegar ao seu estado definitivo. Os três estados são o teológico, o metafísico e o positivo. No primeiro, procuravam-se as causas primeiras de todos os fenómenos, recorrendo-se a entidades sobrenaturais e a explicações de tipo religioso. No segundo, as nossas concepções evoluíram no sentido de substituir as entidades sobrenaturais por forças abstractas. No estado positivo ou científico, o “espírito humano” deixa de querer conhecer “as causas íntimas dos fenómenos, para se dedicar apenas à descoberta, pelo uso bem combinado do raciocínio e da observação, das suas leis efectivas, isto é, das suas relações invariáveis de sucessão e similitude”. Para Comte só a ciência pode satisfazer adequadamente a nossa necessidade de conhecimento, já que só a ciência é capaz de formular leis da natureza e de fazer previsões apoiadas em dados empíricos. As ideias de Comte foram muito criticadas, mas também influenciaram filósofos tão importantes como Stuart Mill. Curso de Filosofia Positiva (1830–42) é o título da sua obra mais importante. (Aires Almeida)

conceito

Os constituintes dos pensamentos (ou proposições). A proposição de que Lisboa é uma bela cidade, tem como um dos seus constituintes o conceito de cidade. Possuir um conceito é saber usá-lo. Por exemplo, se alguém apontar para uma bola e disser que é um tigre é porque não possui o conceito de tigre; mas se for competente no uso do termo “tigre”, possuiu o conceito em causa. Uma das muitas questões em aberto é a de saber se os conceitos são entidades abstractas independentes da mente ou se dependem desta para existirem. (Célia Teixeira)

conceito aberto/conceito fechado

Um conceito é aberto se não houver um conjunto de características fixas, ou condições necessárias e suficientes, a partir das quais ele possa ser definido, isto é, a partir das quais se torna possível encontrar a sua extensão. Caso seja possível apresentar um conjunto de características fixas capazes de identificar os objectos que fazem parte da extensão de um dado conceito, então esse conceito é fechado. Isto significa que um conceito aberto é reajustável, podendo ser corrigido de modo a alargar o seu uso a casos completamente novos. Esta noção surgiu com o filósofo austríaco Wittgenstein, que deu como exemplo o conceito de jogo. Segundo Wittgenstein, não é possível identificar um conjunto fixo de características comuns a todos os jogos, além de que podem ser inventados jogos com características completamente diferentes dos que já existem. O mesmo se passa, segundo o filósofo americano Morris Weitz (1916-87), com o conceito de arte, até porque a arte é sempre criativa e inovadora. Por isso, a arte também não pode ser definida em termos de condições necessárias e suficientes. Ver também parecença familiar. (Aires Almeida)

conclusão

A afirmação que se defende, num argumento, recorrendo a premissas. Por exemplo, a conclusão do argumento “Os animais não têm direitos porque não têm deveres” é a afirmação “Os animais não têm direitos”. (Desidério Murcho)

condição necessária

Uma condição necessária para ser F garante que tudo o que for F satisfaz essa condição, mas não garante que tudo o que satisfaz essa condição é F (não é uma condição suficiente). Por exemplo, ser grego é uma condição necessária para ser ateniense, mas não é uma condição suficiente, já que se pode ser grego sem ser ateniense. Uma condição necessária é expressa pela consequente de uma condicional; por exemplo: se alguém é ateniense, é grego. Numa afirmação com a forma “Todo o F é G”, o G é uma condição necessária de F; por exemplo: todos os atenienses são gregos. Ver definição explícita. (Desidério Murcho)

condição necessária e suficiente

Uma condição necessária e suficiente para ser F garante a coincidência entre F e essa condição. Por exemplo, uma condição necessária e suficiente para ser água é ser H2O. Isto significa que tudo o que for H2O é água, e tudo o que for água é H2O. Exprime-se muitas vezes uma condição necessária e suficiente usando uma bicondicional; por exemplo: Sócrates era ateniense se, e só se, nasceu em Atenas. Encontrar condições necessárias e suficientes é o objectivo da definição explícita e parte integrante de uma compreensão aprofundada das coisas. (Desidério Murcho)

condição suficiente

Uma condição suficiente para ser F garante que tudo o que satisfaz essa condição é F, mas não garante que tudo o que é F satisfaz essa condição (não é uma condição necessária). Por exemplo, ser ateniense é uma condição suficiente para ser grego, mas não é uma condição necessária, já que se pode ser grego sem ser ateniense. Uma condição suficiente é expressa pela antecedente de uma condicional; por exemplo: se alguém é ateniense, é grego. Numa afirmação com a forma “Todo o F é G”, o F é uma condição suficiente de G; por exemplo: todos os atenienses são gregos. Ver definição explícita. (Desidério Murcho)

condicional (→)

Uma afirmação com a forma “Se P, então Q”, como “Se a música é arte, é bela”. Chama-se “antecedente” a P e “consequente” a Q. No discurso corrente usa-se muitas vezes condicionais como formas extremamente abreviadas de modus tollens ou modus ponens: “Se Deus não existisse, não poderia haver universo” pode ser uma forma abreviada de argumentar a favor da conclusão omitida “Deus existe”, omitindo também a premissa (“Há universo”). E “Se a dor tem importância moral, não devemos maltratar os animais” pode ser uma forma abreviada de argumentar a favor da conclusão “Não devemos maltratar os animais”, omitindo também a premissa “A dor tem importância moral".

Na lógica clássica, encara-se uma condicional como uma afirmação que só é falsa caso a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa. Isto provoca problemas (discutidos em filosofia da linguagem), pois em muitas circunstâncias achamos que uma condicional com antecedente e consequente falsa não é verdadeira, como afirma a lógica clássica, mas sim falsa: “Se Durão Barroso é francês, é asiático” é intuitivamente falsa, mas do ponto de vista da lógica clássica é verdadeira, dado que a sua antecedente é falsa. Intuitivamente, é-se levado a pensar que esta condicional é falsa porque a interpretamos como um caso particular da seguinte condicional geral: “Se alguém é francês, é asiático”. Dado que esta condicional geral é efectivamente falsa (é equivalente à afirmação universal falsa “Todos os franceses são asiáticos”), é-se levado a pensar que a primeira também o é. Quando as condicionais gerais associadas às particulares são verdadeiras, as intuições linguísticas não diferem da definição clássica da condicional: a condicional “Se Sócrates é lisboeta, é português” é intuitivamente verdadeira (porque “Se alguém é lisboeta, é português” é verdadeira) e é verdadeira segundo a lógica clássica (porque a antecedente é falsa).

As condicionais tipicamente usadas em filosofia exprimem conexões conceptuais. Uma condicional como “Se Kant vivia numa ilha, era um ilhéu” é intuitivamente verdadeira, porque há uma conexão conceptual entre viver numa ilha e ser ilhéu que garante a verdade da seguinte condicional: “Se alguém vive numa ilha, é um ilhéu”. Assim, para negar uma condicional filosófica como “Se Deus existe, a vida faz sentido”, não é necessário provar que é verdadeiro que Deus existe e falso que a vida faz sentido; basta mostrar que não há conexão conceptual entre a antecedente e a consequente da condicional — isto é, que seria conceptualmente possível existir Deus apesar de a vida não ter sentido. (Desidério Murcho)

Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Cap. 4 (Lisboa: Plátano, 2003).
Newton-Smith, W. H., Lógica: Um curso introdutório, Cap. 2 (Lisboa: Gradiva, 1998).
Priest, Graham, Lógica, Cap. 7 (Lisboa: Temas e Debates, 2002).

condições de verdade

Ver tabela de verdade.

conectiva

Aquelas expressões que servem para gerar frases a partir de frases. Por exemplo, a conectiva “e”, quando colocada entre duas frases (por exemplo, “Aristóteles é um filósofo” e “Aristóteles foi aluno de Platão”), gera a seguinte frase complexa: “Aristóteles é um filósofo e foi aluno de Platão”. As conectivas são classificadas em função do número mínimo de frases que podem ligar. Por exemplo, as conectivas como “e” e “ou”, são binárias pois precisam no mínimo de duas frases para gerar uma frase complexa. Já a conectiva “não” é unária, pois apenas precisa de uma frase para formar outra. Por exemplo, se juntarmos “não" à frase “Aristóteles é um filósofo” ficamos com a seguinte frase falsa: “Aristóteles não é um filósofo”. As conectivas mais usadas são as verofuncionais (ver operador verofuncional): “e”, “ou”, “não” e “se, então” apesar de ser discutível se esta última é verofuncional (ver condicional). (Célia Teixeira)

confirmação

Num bom argumento indutivo (ver indução), as premissas confirmam a conclusão num grau elevado. Por exemplo, se observamos muitos corvos e constatamos que não há um único que não seja negro, encontramos assim dados que confirmam a hipótese de que todos os corvos são negros. Obviamente, não podemos ter a certeza de que esta hipótese é verdadeira, mas à medida que vamos observando cada vez mais corvos negros a probabilidade de a hipótese ser verdadeira (isto é, o seu grau de confirmação) vai aumentando. Ver implicação, corroboração. (Pedro Galvão)

conhecimento

Os verbos conhecer e saber são sinónimos e costumam ser utilizados de três maneiras diferentes. Na frase “a Ana sabe nadar”, o termo “sabe” serve para atribuir à Ana uma determinada competência ou capacidade; por sua vez, na frase “a Ana conhece o primeiro-ministro” o termo “conhece” significa que a Ana é capaz de identificar alguém (ou algo), ou também pode significar que ela tem ou teve algum tipo de contacto com essa pessoa (ou coisa); finalmente, na frase “a Ana sabe que Paris é a capital da França”, o que se afirma que a Ana sabe é algo que tanto pode ser verdadeiro como falso. Neste último caso, o que vem a seguir a “sabe que” é uma outra frase que exprime uma proposição. Este é o sentido proposicional de “conhecer” que é objecto de estudo da epistemologia. Não existe uma definição satisfatória de “conhecimento”, mas há pelo menos três condições necessárias que, em geral, os filósofos aceitam: não há conhecimento sem crença; a crença tem de ser verdadeira; além de verdadeira, a crença tem também de ser justificada. Quer isto dizer que não podemos conhecer algo em que não acreditamos; que não podemos conhecer falsidades; e que não há conhecimento se as nossas crenças, apesar de verdadeiras, não forem justificadas. (Aires Almeida)

conjunção (∧)

Qualquer afirmação com a forma “P e Q”, como “Deus existe e a vida tem sentido”. Uma conjunção é verdadeira se, e só se, ambas as proposições, P e Q, que a constituem forem verdadeiras. Em qualquer outra circunstância é falsa. É preciso ter em consideração que não se está a falar de conjunção em sentido gramatical. Assim, frases com as formas “P mas Q”, “P, apesar de Q”, “Não só P como Q”, ou “P, Q e R” são conjunções. Por outro lado, frases como “Dá-me uma cerveja e eu fico feliz”, que são superficialmente conjunções, não o são de facto (neste caso, trata-se de uma condicional: “Se me deres uma cerveja, eu fico feliz”. (Aires Almeida)

conotação

1.Termo equivalente ao mais corrente “intensão”.

2. Frequentemente, diz-se que um termo tem certo tipo de conotações se estiver tipicamente associado a ideias, modos de pensar ou práticas expecíficas (por exemplo, o termo “alma”, ao contrário do termo “mente”, tem conotações religiosas). Ver também compreensão, denotação, sentido. (Pedro Santos)

consciência moral

O reconhecimento do carácter moral de algumas das nossas acções. Uma pessoa com consciência moral é alguém que sabe que algumas das suas acções podem ser boas ou más, morais ou imorais e que tem isto conta quando age. Pelo contrário, uma pessoa sem consciência moral é alguém que não tem em conta esse aspecto das suas acções. Por exemplo, uma pessoa sem consciência moral poderá roubar outra pessoa sem ter em consideração o facto de o seu acto ser imoral. Ver ética, egoísmo psicológico. (Desidério Murcho)

consequência

1. (⊨) Uma proposição P é uma consequência de um dado conjunto de proposições quando P se pode concluir validamente desse conjunto de proposições (ver validade/invalidade). Ter atenção às consequências das nossas afirmações é muito importante, pois por vezes elas têm consequências indesejadas. Por exemplo, afirmar que tudo é relativo tem como consequência que isto que se está a dizer também é relativo, o que derrota a própria ideia que se queria defender.

2. Noutros contextos, usa-se o termo “consequência" como sinónimo de “efeito”, nomeadamente efeito causal. Por exemplo, uma bola move-se em consequência de um pontapé. (Desidério Murcho)

consequencialismo

O consequencialismo é a perspectiva normativa segundo a qual as consequências das nossas opções constituem o único padrão fundamental da ética. Esta perspectiva corresponde a um conjunto muito abrangente e diversificado de teorias da obrigação moral, do certo e do errado, e não há um acordo perfeito quanto às condições que uma teoria tem de satisfazer para ser classificada como “consequencialista”. (O egoísmo ético, por exemplo, nem sempre é considerado uma versão de consequencialismo.) No entanto, as teorias consequencialistas mais puras exibem seguramente três características importantes. Em primeiro lugar, aplicam-se directamente a actos individuais. Em segundo lugar, prescrevem a maximização do bem, isto é, afirmam que os agentes morais estão sob a obrigação permanente e ilimitada de dar origem aos melhores estados de coisas ou situações. Em terceiro lugar, pressupõem uma teoria do valor que resulta numa avaliação dos estados de coisas em termos estritamente impessoais.

De acordo com a interpretação prevalecente, mas objectável, o utilitarismo clássico de Jeremy Bentham (1789) e J. S. Mill (1861) (e em certa medida também de Henry Sidgwick (1907)) exibe estas três características. Pressupondo uma teoria hedonista do valor, segundo a qual o prazer é o único bem fundamental e a dor o único mal, os utilitaristas clássicos terão defendido que agir acertadamente é escolher, entre as opções disponíveis, aquela que resulta no maior total de prazer.

Os utilitaristas distinguem-se dos demais consequencialistas em virtude do tipo de teoria do valor em que se baseiam. O utilitarismo parte sempre de uma teoria welfarista do valor, ou seja, sustenta que o bem a promover consiste exclusivamente no bem-estar dos indivíduos que poderão ser afectados pela nossa conduta. Obviamente, o utilitarista não tem de advogar uma concepção hedonista do bem-estar: pode, como R. M. Hare (1981), identificar o bem-estar com a satisfação de desejos ou preferências, ou, à semelhança de G. E. Moore (1903), conceber o bem-estar em termos de uma pluralidade irredutível de valores, como a virtude, o conhecimento, a fruição estética e a amizade. No entanto, o utilitarista supõe sempre que só as entidades dotadas de estados mentais conscientes possuem bem-estar no sentido relevante: só essas entidades têm uma vida que pode ser boa ou má para si próprias. O consequencialista que inclui, por exemplo, a preservação dos ecossistemas entre os bens fundamentais a promover, rejeita o utilitarismo.

Afirma-se por vezes que, além de welfarista, a teoria do valor pressuposta em qualquer versão de utilitarismo tem de ser agregacionista: a avaliação dos estados de coisas deverá ser indiferente à distribuição do bem, consistindo no simples apuramento do bem total através da soma dos custos e benefícios para todos os indivíduos afectados.

De acordo com o consequencialismo objectivo ou actualista, o acto certo ou obrigatório é sempre aquele que efectivamente maximiza o bem, independentemente daquilo que o agente previu ou poderia ter previsto. O consequencialismo subjectivo ou probabilista, pelo contrário, identifica o acto obrigatório atendendo à perspectiva epistémica do agente: agir correctamente é seguir o curso de acção que, ponderadas as probabilidades à luz dos dados disponíveis, se apresenta mais promissor. Imagine-se, por exemplo, que um cirurgião pode escolher entre (A) uma operação extremamente arriscada mas que, em caso de sucesso, produzirá uma cura total e (B) uma operação com riscos negligenciáveis que produzirá seguramente uma cura quase total. Um consequencialista subjectivo dirá que o acto acertado é realizar a operação B. Mas suponha-se que o cirurgião opta pela operação A e que, contrariamente ao que seria de esperar, o paciente sobrevive e fica curado. Um consequencialista objectivo, como Hare, dirá que esse acto foi acertado.

Este exemplo pode sugerir que na sua versão objectiva o consequencialismo é demasiado contra-intuitivo para ser levado a sério. Mas importa agora observar que o consequencialismo costuma ser entendido explicitamente não como uma perspectiva sobre a forma correcta de tomar decisões morais, mas como um padrão que visa indicar as propriedades ou factores que tornam uma acção moralmente certa ou errada. Assim, o consequencialista objectivo pode reconhecer que o cirurgião realizou o acto acertado, mas acrescentar que esse acto resultou de uma decisão que não foi razoável ou racional e que, portanto, a sua conduta nada tem de louvável.

Para afastar a objecção ingénua segundo a qual o consequencialismo implica um modo de vida insustentavelmente calculista, basta perceber precisamente que este não consiste num procedimento de decisão, e que, por isso, não implica que os agentes devem estar sempre embrenhados na ponderação dos custos e benefícios dos diversos cursos de acção disponíveis em cada momento. No entanto, isto não significa que o consequencialismo nada nos possa dizer sobre a tomada de decisões — se fosse esse o caso, o próprio interesse prático desta perspectiva seria muito questionável.

Para tornar isto claro, vale a pena destacar as teorias consequencialistas que, como a de Hare, distinguem dois níveis diferentes de pensamento moral. Hare defende que, em virtude das nossas limitações cognitivas, o pensamento moral humano deve situar-se quase sempre no nível intuitivo: neste nível permanecemos indiferentes ao padrão consequencialista e limitamo-nos a agir em função das disposições e intuições que se exprimem nas regras morais simples habitualmente reconhecidas, isto é, limitamo-nos a seguir de perto a “moralidade comum”. No entanto, por vezes as regras morais entram em conflito. Precisamos de resolver dilemas — e precisamos também de determinar que intuições e disposições devemos inculcar e cultivar. Para estes efeitos, e só para estes efeitos, devemos ascender ao nível crítico do pensamento moral. É neste nível que tomamos decisões raciocinando de forma abertamente consequencialista. Esta distinção entre níveis de pensamento dá origem à seguinte perspectiva: os agentes morais não devem colocar-se acima da moralidade comum recorrendo sistematicamente ao padrão consequencialista para tomar todo o tipo de decisões, mas esse padrão tem uma relevância prática significativa, pois serve tanto para reformar a moralidade comum através do exame crítico das práticas que a sustentam como para fornecer orientação onde esta colapsa em conflitos de deveres.

Existem duas objecções fundamentais ao consequencialismo que apontam o seu carácter fortemente contra-intuitivo. Segundo a objecção da integridade (veja-se Scheffler: 1994), o consequencialismo é uma perspectiva demasiado exigente: implica que devemos dedicar todos os nossos recursos à promoção estritamente imparcial do bem, de tal maneira que qualquer acto que não maximize o bem terá de ser considerado errado. Na prática, isto significa que é moralmente errado fazer coisas como comprar um bilhete de cinema ou praticar desportos náuticos, pois o dinheiro ou o tempo assim despendidos poderiam ser canalizados para actividades mais proveitosas de um ponto de vista impessoal. Dada a extrema exigência do consequencialismo, alegam os críticos, este aliena o agente dos seus projectos e compromissos pessoais, ameaçando assim a sua integridade enquanto indivíduo autónomo.

De acordo com a objecção dos direitos, o consequencialismo falha também pela razão inversa, isto é, por propor um padrão moral demasiado permissivo. O exemplo mais utilizado para ilustrar este ponto é talvez o do transplante: para salvar cinco pacientes que estão prestes a morrer devido à falta de órgãos para transplante, um cirurgião mata outro paciente e usa os seus órgãos para os salvar. Embora este acto seja intuitivamente abominável, o consequencialismo parece sancioná-lo, pois não reconhece a existência de quaisquer direitos que imponham limites àquilo que é permissível fazer em nome do maior bem.

Podemos destacar três estratégias gerais para lidar com estas objecções. A primeira consiste em mitigar o peso das intuições morais através do recurso à distinção entre níveis do pensamento moral. Hare desenvolve esta estratégia da seguinte maneira: se considerarmos apenas situações realistas — as únicas relevantes para o pensamento intuitivo — o consequencialismo não implica, por exemplo, que o cirurgião deve matar o paciente para aproveitar os seus órgãos; só no nível crítico encontramos casos hipotéticos suficientemente idealizados para a obtenção de resultados contra-intuitivos, mas a este nível as intuições não têm a menor força probatória e, portanto, a ideia de que em certas circunstâncias muito específicas o cirurgião deveria matar o paciente não milita contra o consequencialismo.

A segunda estratégia consiste em advogar uma versão indirecta de consequencialismo. Em vez de aplicar directamente o seu padrão normativo a actos, o consequencialista pode eleger outro tipo de ponto focal — por exemplo, regras, motivos ou traços de carácter. O consequencialismo das regras, cujo representante mais influente é talvez R. B. Brandt (1979), é a opção mais frequente. Segundo esta perspectiva, o estatuto moral de um acto depende da sua conformidade a regras, de tal maneira que um acto é errado se, e apenas se, estiver em desacordo com as regras morais correctas. E as regras morais são correctas apenas em virtude de a sua observância geral promover imparcialmente o bem. O consequencialista das regras pode condenar o cirurgião e absolver o praticante de desportos náuticos: dirá que o primeiro transgride uma regra vital para o bem-estar da sociedade, mas que a conduta do segundo está em conformidade com todas as regras sancionadas pelo padrão consequencialista.

A terceira estratégia consiste na adopção de uma teoria do bem que evite os resultados contra-intuitivos. Imagine-se, por exemplo, um “consequencialismo dos direitos”, ou seja, uma perspectiva consequencialista baseada na tese segundo a qual a melhor situação de um ponto de vista impessoal é aquela em que menos direitos são violados. Poder-se-ia alegar que o cirurgião — mas não o desportista — procedeu erradamente: ao matar o paciente violou o direito à vida de uma pessoa, mas não teria violado qualquer direito à vida caso tivesse deixado morrer os cinco pacientes.

Note-se que qualquer uma destas estratégias para responder às objecções da integridade e dos direitos requer uma justificação apropriada. Por que razão teremos de ignorar as intuições quando nos situamos no nível crítico do pensamento moral? Por que razão deveremos eleger um ponto focal como as regras em vez de aplicarmos o padrão consequencialista a actos? Ou por que razão deixar morrer alguém não deve contar como uma violação de um direito? Mesmo que esteja em conformidade com as nossas intuições onde isso pareça desejável, uma perspectiva consequencialista satisfatória não pode ser meramente ad hoc — tem de justificar as opções teóricas que asseguram tal conformidade.

Hare tentou justificar o consequencialismo a partir da universalizabilidade dos juízos morais; J. C. Harsanyi (1978) recorreu à teoria bayesiana da decisão para o mesmo efeito; mais recentemente, P. Pettit (1991) argumentou a favor da perspectiva salientando a sua elevada parcimónia. Apesar de os fundamentos do consequencialismo serem ainda objecto de grande controvérsia, esta perspectiva permanece muito influente, até porque as principais perspectivas rivais — a ética deontológica e a ética das virtudes — enfrentam problemas teóricos pouco invejáveis. No domínio da ética prática ou aplicada, as abordagens consequencialistas, em grande medida devido à influência de Peter Singer, continuam a florescer. Ver também deontologia, utilitarismo, valor, virtude. (Pedro Galvão)

Bentham, J. (1789), An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, Oxford University Press, Oxford (1996).
Brandt, R. B. (1979), A Theory of the Good and the Right, Prometheus, Londres. Darwall, S. (2003) (org.), Consequentialism, Blackwell, MA.
Hare, R. M. (1981), Moral Thinking, Clarendon Press, Oxford.
Harsanyi, J.C. (1978) “Bayesian Decision Theory and Utilitarian Ethics”, in S. Darwall, Consequentialism, Blackwell, Oxford, (2003), págs. 197-206.
Mill. J. S. (1861), Utilitarismo. Tradução de Pedro Galvão, Porto Editora, Porto (2004).
Moore, G. E. (1903), Principia Ethica, Cambridge University Press, Cambridge (1993).
Parfit, D. (1984), Reasons and Persons, Oxford University Press, Oxford.
Pettit, P. (1991) “Consequentialism" in P. Singer, A Companion to Ethics, Blackwell, Oxford, págs. 230–240.
Scheffler, S. (1994), The Rejection of Consequentialism, ed. rev., Oxford University Press, Oxford.
Sidgwick, H. (1907), The Methods of Ethics, 7.ª ed., Hackett, Indianapolis/Cambridge (1981).
Singer, P. (1993), Ética Prática, Gradiva, Lisboa (2000).

consistência/inconsistência

Duas ou mais proposições são consistentes se, e só se, podem ser simultaneamente verdadeiras; e são inconsistentes se, e só se, não podem ser simultaneamente verdadeiras. Por exemplo, as afirmações “Deus existe” e “Sócrates era um filósofo” são consistentes; e as afirmações “Deus existe” e “Deus não existe” são inconsistentes. Nem sempre é fácil saber quando duas proposições são consistentes ou inconsistentes. A mais leve complexidade lógica pode provocar enganos. Por exemplo, há razões para pensar que as afirmações “Todos os lobisomens são peludos” e “Nenhum lobisomem é peludo” não são inconsistentes; mas, intuitivamente, estas afirmações parecem inconsistentes. Note-se que a lógica aristotélica não se aplica a proposições que contenham classes vazias, como “lobisomens”; se excluirmos as classes vazias, quaisquer duas proposições com a forma “Todo o A é B” e “Nenhum A é B” serão efectivamente inconsistentes (ver quadrado de oposição).

Outras vezes, é muito difícil saber se duas proposições são consistentes ou não. Por exemplo, em filosofia discute-se o chamado problema do mal, que consiste em saber se as duas afirmações seguintes são consistentes: “Deus existe e é omnipotente, omnisciente e sumamente bom” e “Há mal no mundo”.

Não se deve confundir inconsistência com contradição; todas as contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências são contradições. Por exemplo, uma vez que há seres humanos, as afirmações “Todos os seres humanos são mortais” e “Nenhum ser humano é mortal” são inconsistentes, mas não são contraditórias entre si. Não se deve igualmente dizer que uma teoria ou proposição “é consistente com o mundo”; as teorias ou proposições só podem ser consistentes entre si e não com o mundo. Relativamente ao mundo, as teorias e proposições são verdadeiras ou falsas, consoante descrevem fielmente ou não o modo como as coisas são. (Desidério Murcho)

contexto

A realidade, situação ou linguagem que rodeia a enunciação de uma palavra, frase ou discurso (ver discursivo) de que pode depender a determinação do seu significado e, em última instância, a sua interpretação e compreensão. Numa frase como “Hoje ofereci-lhe um ramo de flores”., aquilo que “hoje” e “lhe” referem e, consequentemente, o significado da frase e o valor de verdade da proposição que a frase exprime, dependem do seu contexto de uso (quando é enunciada, quem a enuncia, a quem a frase se refere, etc.). Para eliminar a ambiguidade de certos termos, como “aqui”, e frases, como “O Speedy é do outro mundo" tem de se ter em conta o contexto em que esses termos e frases são usados. Ver indexical, uso/menção. (Álvaro Nunes)

contingente

Ver necessário/contingente.

continuidade/descontinuidade

A expressão “continuidade/descontinuidade" (ou “continuidade/ruptura”) tem sido usada para referir três problemas diferentes de filosofia da ciência: 1) o problema da demarcação, que consiste em saber se existe e qual é o critério que estabelece a fronteira entre, por um lado, o conhecimento científico e, por outro, o conhecimento não científico (como o senso comum, a filosofia ou a religião) e pseudocientífico (como a parapsicologia, a alquimia e a astrologia); 2) o problema da unidade da ciência, em que se discute se existe e qual é a descrição apropriada de um único método científico comum às várias ciências; 3) o problema do desenvolvimento das ciências, que consiste em discutir se existe continuidade ou ruptura entre diferentes estádios de desenvolvimento das ciências, e até entre estes e os estádios pré-científicos. A propósito de 1, ver explicação científica, critério de demarcação, verificabilidade, verificacionismo, corroboração, falsibicabilidade e Popper; a propósito de 2, ver método experimental, método hipotético-dedutivo, Galileu Galilei, positivismo, Comte e Paul Feyerabend; a propósito de 3, ver Popper, paradigma, incomensurabilidade e Thomas Kuhn. (António Paulo Costa)

contra-argumento

O objectivo de um contra-argumento é refutar a conclusão estabelecida no argumento de um opositor. Um contra-argumento, que é também um argumento, deverá concretizar pelo menos um dos seguintes objectivos: 1) demonstrar que o argumento do opositor é inválido, isto é, que as premissas não apoiam a conclusão; 2) mostrar que pelo menos uma das premissas do argumento do opositor é falsa; 3) mostrar que a conclusão do argumento do opositor é falsa, ou tem consequências inverosímeis ou contraditórias. Por exemplo, uma forma muito simples de concretizar o primeiro objectivo consiste em imaginar um contra-argumento com a mesma forma lógica do argumento a refutar, mas cujas premissas sejam evidentemente verdadeiras e cuja conclusão seja evidentemente falsa. A validade do argumento “Todas as coisas têm uma causa; logo, há uma causa de todas as coisas” pode refutar-se com o argumento seguinte, obviamente inválido: “Todas as pessoas têm uma mãe; logo, há uma mãe de todas as pessoas”. Ver premissa, conclusão, verdade/falsidade, validade, consequência, contradição, refutação, redução ao absurdo, falácia. (António Paulo Costa)

contradição

1. Uma falsidade lógica; isto é, uma proposição cuja falsidade se pode determinar exclusivamente por meios lógicos. Por exemplo, a afirmação “Sócrates é mortal e não é mortal” é uma contradição.

2. Duas proposições são mutuamente contraditórias quando têm valores de verdade opostos em qualquer circunstância logicamente possível. Por exemplo, as afirmações “Tudo é relativo” e “Algumas coisas não são relativas” são contraditórias. Não se deve confundir inconsistência com contradição; todas as contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências são contradições. Ver consistência/inconsistência. (Desidério Murcho)

contradição pragmática

Uma contradição entre o que se afirma e a circunstância na qual isso é afirmado. Por exemplo, uma pessoa que grite “Eu não estou a gritar!” está a cair em contradição pragmática. Outros casos menos óbvios incluem alguém que afirme “Não há verdades”; dada a maneira como normalmente usamos a linguagem, esta afirmação parece apresentar-se como uma candidata a ser considerada verdadeira, mas isso contradiz a própria afirmação. Nesse caso, não se compreende bem qual é o objectivo de afirmar tal coisa e os críticos poderão dizer que se trata apenas de uma contradição pragmática. (Desidério Murcho)

contra-exemplo

Um exemplo que se destina a mostrar que uma dada afirmação é falsa. Os contra-exemplos são muito importantes em filosofia, pois são um método eficaz de refutação de teorias (ou afirmações) e uma maneira de as pôr à prova. Por exemplo, será a afirmação “só quem tem deveres pode ter direitos” verdadeira? Um contra-exemplo é que as crianças recém-nascidas não têm deveres, mas têm direitos. Isto mostra que a afirmação anterior é falsa. Muitas vezes encontrar contra-exemplos claros a uma determinada teoria filosófica não é fácil, exigindo-se informação relevante, alguma criatividade e sentido crítico. É importante referir que afirmações como “alguns países europeus que foram no passado colonizadores são hoje ricos” não admitem contra-exemplos. Dizer que Portugal foi colonizador no passado mas não é rico, não é um contra-exemplo. Mas é um contra-exemplo da afirmação universal “todos os países europeus que foram no passado colonizadores são hoje ricos”. Assim, só há contra-exemplos a afirmações universais e condicionais. (Aires Almeida)

contratualismo

O contratualista concebe a ética como uma espécie de acordo ou contrato — as acções são certas ou erradas em virtude de obedecerem ou não aos princípios que seriam objecto do acordo. Alguns contratualistas, como Hobbes, sustentam que o contrato ético é motivado pelo interesse pessoal (ver egoísmo psicológico). Para outros contratualistas, no entanto, a motivação subjacente ao acordo é o respeito recíproco entre pessoas livres e iguais. Além de diferirem entre si quanto à maneira como concebem a motivação do contrato, os contratualistas também divergem no modo como definem as circunstâncias, geralmente idealizadas, em que o mesmo tem lugar. Ver egoísmo ético, Rawls. (Pedro Galvão)

corroboração

Na sua filosofia da ciência, Popper rejeita a indução e, consequentemente, a ideia de que uma hipótese ou teoria científica pode ser confirmada por dados empíricos. Assim, no seu falsificacionismo a noção de confirmação dá lugar à de corroboração. Uma hipótese ou teoria científica é corroborada por dados empíricos quando sobrevive a testes experimentais, isto é, quando não é refutada depois de ter sido posta à prova. E, quanto mais severos são os testes, maior é o grau de corroboração que a teoria adquire. (Pedro Galvão)

crença

O termo é usado para referir 1) um estado mental disposicional, que tem como conteúdo uma proposição, verdadeira ou falsa (ver verdade/falsidade), ou 2) para referir a proposição que constitui o conteúdo desse estado mental. Quando tomamos “crença” na segunda acepção, ela é independente de quem quer que a pense e o estado mental correspondente constitui uma atitude proposicional, uma atitude de crença numa proposição, que envolve certo grau de confiança na verdade dessa proposição (daí a relação próxima entre crença e verdade). O facto de as crenças, enquanto estados mentais, serem disposicionais significa que podemos ter uma disposição para agir de certa forma devido às crenças que temos. Uma concepção comum de filosofia, presente, por exemplo, em Bertrand Russell, vê esta como a análise crítica das crenças (na segunda acepção) instintivas, com o objectivo de determinar quais as justificadas e construir, assim, um sistema coerente de crenças instintivas nas quais todas as outras se fundem. Ver fundacionalismo. (Álvaro Nunes)

critério de demarcação

Critério de acordo com o qual se distinguem as teorias científicas das teorias pseudocientíficas, isto é, daquelas que não sendo científicas procuram passar por tal. O filósofo Karl Popper defende que uma teoria só é científica se puder ser testada. Por sua vez só pode ser testada se for falsificável, coisa que não acontece, segundo Popper, com as pseudociências, como a astrologia e a parapsicologia. Ver também falsificabilidade. (Aires Almeida)

crítica

O acto de examinar cuidadosamente uma obra, teoria ou opinião, procurando determinar se são boas ou verdadeiras e avaliando os argumentos ou ideias em que se apoiam. A filosofia é uma actividade crítica, pois procura-se sempre determinar se as ideias, teorias ou opiniões filosóficas propostas são verdadeiras e se se apoiam em bons argumentos. Para o filósofo, uma opinião que não seja sustentada por bons argumentos, ainda que seja verdadeira, não passa de um preconceito. A crítica não tem de ser negativa. Podemos ser críticos concordando com as opiniões dos outros, desde que encontremos boas razões para concordar com elas. Mas ser crítico implica também ter abertura de espírito para discutir racionalmente as nossas próprias ideias e até para as abandonar, caso não existam boas razões a seu favor. A atitude da pessoa crítica opõe-se à atitude da pessoa dogmática. Ver também dogma. (Aires Almeida)

cultura

1. Conjunto de conhecimentos e práticas aprendidos e ensinados, por contraste com o que é inato. Por exemplo, se um pássaro não tem de aprender a fazer o ninho, fazendo-o instintivamente, então esse ninho não é um produto cultural; mas se tiver de ser ensinado a fazê-lo, então esse ninho é um produto cultural. Os seres humanos são os maiores produtores de cultura do planeta.

2. O conjunto de práticas e de produções materiais, espirituais, artísticas, etc. que servem para identificar um povo ou nação e distingui-lo de outros povos.

3. Opõe-se por vezes a cultura às ciências, usando o primeiro termo para falar das artes e das letras, como a pintura e a poesia. Esta oposição é polémica. (Desidério Murcho)

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Z