O que é a arte? Qual é a natureza da arte? Ao longo da história muitos filósofos e críticos de arte tentaram criar teorias para resolver esse problema. Dentre eles estão Platão, Aristóteles, Bell, Croce, Collingwood e muitos outros.
De acordo com Clive Bell (1914), por exemplo, uma obra de arte deve causar uma emoção estética. Essa emoção é causada por uma qualidade comum, essencial a toda obra de arte. Essa qualidade, afirma, é a forma significante, ou seja, é uma combinação particular de linhas e cores; certas relações entre os elementos da obra. Assim, algo é uma obra de arte se, e só se, possuir forma significante. Outra tentativa bastante conhecida é a do filósofo, R. G. Collingwood (1938). De acordo com ele, a verdadeira obra de arte tem de exprimir uma emoção do artista. Essa emoção é de uma natureza particular, que ao longo da criação vai se clarificando para o artista. Antes de começar a sua criação, o artista não sabe precisamente que emoção está sentindo, é uma emoção vaga e obscura. Somente quando termina a sua obra fica claro que emoção sentia. Essa emoção é expressa na sua obra. Assim, algo é uma obra de arte se, e só se, exprimir uma emoção.
O importante aqui é notar que ambos, assim como muitos outros, tentaram dar uma definição real de arte. Ou seja, uma definição que indique condições necessárias e suficientes não triviais para que algo seja uma obra de arte. No caso de Bell, por exemplo, a condição necessária e suficiente para algo ser uma obra de arte é ter forma significante. Já no caso de Collingwood, a condição necessária e suficiente para que algo seja uma obra de arte é exprimir uma emoção particular do artista. Portanto, ambos procuraram e pensaram ter encontrado uma propriedade comum não trivial (forma significante, expressão de emoção) a todas as obras de arte.
Contudo, como é comum em filosofia, sempre aparece um chato que diz “Eh pá, nada disso funciona! Estão todos errados!”. O chato em questão se chama Morris Weitz. Weitz defendeu que todas as tentativas passadas de definir a arte estavam erradas. Porquê? Justamente porque tentavam defini-la. Numa palavra, é impossível definir a arte.
O meu objetivo neste artigo é defender que os argumentos de Weitz contra a possibilidade de uma definição real de arte não funcionam. O texto será dividido em duas partes. Na primeira, exponho dois argumentos de Weitz a favor da indefinibilidade da arte e explico alguns aspectos da sua tese. Na segunda, apresento os meus argumentos contra a tese de Weitz, sustentando que não foi bem-sucedido em mostrar que a arte é indefinível.
O artigo “O Papel da Teoria na Estética” (1956), de Weitz, é um marco na filosofia da arte, principalmente devido à sua ruptura com as teorias estéticas de até então. Nesse artigo, Weitz defende que todas as teorias anteriores estavam erradas exatamente porque tentavam definir algo que não pode ser definido.
Weitz argumentou contra a idéia de que uma teoria estética correta possa ser alcançada recorrendo a uma definição real, ou seja, que indique ou forneça propriedades não triviais que sejam necessárias e suficientes para que algo seja uma obra de arte. Primeiro, porque uma definição desse tipo é logicamente impossível. Segundo, porque qualquer definição real implicaria excluir a criatividade da atividade artística, devendo por isso ser rejeitada. Passemos ao primeiro argumento.
O argumento é o seguinte: definir não trivialmente a arte implica alcançar um conceito fechado de arte e isso, por sua vez, implica mudar a lógica do conceito — ou seja, mudar o seu funcionamento, os seus modos de uso — que é aberto. Portanto, ao alcançarmos um conceito fechado de arte, não estaremos mais falando de arte, mas de outra coisa — talvez das nossas preferências pessoais. Para entender como o argumento funciona, precisamos tornar algumas coisas mais claras.
Comecemos por explicar o que é um conceito aberto. Um conceito é aberto quando a sua extensão pode mudar significativamente, quando pode ser revista.1 Dizer que a extensão de um conceito pode mudar significa dizer que novos objetos podem cair sob ele. Dizer que pode mudar significativamente significa dizer que novos objetos, muito distintos dos anteriores, podem cair sob ele. Por exemplo, antes, o conceito de arte aplicava-se apenas às artes representacionais. Talvez, ano após ano, surgissem novos objetos que eram artes representacionais. Portanto, ano após ano a extensão do conceito mudava, mas não mudava significativamente.2 Contudo, ao longo do tempo, a extensão do conceito de arte mudou significativamente. Muitos objetos consideravelmente distintos da arte representacional parecem cair sob esse conceito. Pense-se, por exemplo, nas pinturas cubistas de Pablo Picasso, na Caixa de Brillo de Andy Warhol ou no Mictório de Marcel Duchamp. Objetos bastante distintos passaram a ser considerados arte. Portanto, a arte seria um conceito aberto.
Isso conduz ao seguinte problema: se ao longo do tempo objetos bastante distintos são considerados arte, o que nos permite dizer que algo é uma obra de arte? O que nos permite reconhecer tanto a Escola de Atenas, de Rafael, quanto a Caixa de Brillo como arte? Por outras palavras, de acordo com que critério podemos legitimamente classificar todos esses objetos como arte? Uma resposta bastante intuitiva é que o que torna todos esses objetos obras de arte é o fato de terem alguma propriedade em comum. A posse dessa propriedade seria a condição necessária e suficiente para que algo seja uma obra de arte. Nesse contexto, descobrir que propriedade é essa ajudaria a determinar quais objetos são de fato arte, e quais não o são. Como vimos, Bell chamou forma significante a essa propriedade comum, Collingwood chamou-lhe expressão de emoção e Weitz rejeitou ambos. Mas porquê?
Porque encontrar uma propriedade comum relevante (para uma definição real) a todos os objetos consideravelmente distintos a que chamamos “arte” implica poder alcançar um conceito fechado de arte. Desse modo, se alcançamos uma definição real de arte, indicando essa propriedade(s) necessária(s) e suficiente(s), fechamos o conceito. Pensemos no exemplo de Bell, que indicou a forma significante como a propriedade necessária e suficiente para que algo seja uma obra de arte. Ao indicar essa propriedade, fecha o conceito. Como vimos, isso significa que a extensão do conceito pode mudar, mas não significativamente. Pode mudar porque podem aparecer novos objetos que tenham forma significante. Mas não mudará significativamente, pois apenas os objetos que tiverem forma significante serão arte — nenhum objeto que não tenha essa propriedade será arte.
O problema é que a arte, pensa Weitz, é um conceito aberto. Assim, se fechamos o conceito não estaremos mais falando de arte, mas sim de outra coisa qualquer — como, por exemplo, das nossas preferências pessoais em arte. Portanto, oferecer uma definição real de arte é logicamente impossível. Em suma, definir a arte implica fechar o conceito de arte. Mas a arte é um conceito aberto. Logo, se definirmos a arte não estaremos mais falando de arte.
Bem, mas se não é possível definir a arte indicando uma propriedade(s) que seja necessária e suficiente, então o que permite dizer legitimamente que algo é ou não uma obra de arte? Note-se que tanto a definição de Bell quanto a de Collingwood poderiam, a princípio, fornecer um critério de reconhecimento. Bell, por exemplo, poderia sustentar que só podemos reconhecer legitimamente algo como arte se esse algo tiver forma significante. Por outro lado, Collingwood poderia apelar à noção de expressão de emoção. E quanto a Weitz?
De acordo com Weitz, se “olharmos e vermos” tudo aquilo a que chamamos “arte”, não iremos encontrar qualquer propriedade(s) comum(s) a todas. Encontraríamos somente semelhanças ou similaridades entre objetos bastante distintos (1956: 6). E isto basta. Vimos que, uma vez que o conceito de arte é aberto, não podemos defini-lo. Contudo, Weitz pensa que podemos aprender muito sobre os critérios que nos permitem determinar se algo é arte ou não se prestarmos atenção aos modos como utilizamos o conceito de arte.
Para tornar isso mais claro pensemos no seguinte exemplo. Imagine-se que chamamos “arte” aos objetos A, B, C, D, E e F. B é semelhante a A. C é semelhante a B e A. D é semelhante a C e A. E é semelhante a D. F é semelhante a E e D. Esta semelhança que cada objeto tem com alguns dos outros basta para que possamos chamar-lhes corretamente “arte”. Não é preciso algo além disso para que um objeto seja corretamente chamado “arte”. Assim, é possível que F não tenha qualquer semelhança com A, nem com B, mas mesmo assim, se tiver algum grau de semelhança com outro objeto já considerado arte, poderá também ser considerado arte.3 Ao chamar “arte” a A, B, C, D, E e F temos de ser capazes de explicar a sua semelhança com pelo menos um outro objeto a que chamamos “arte”.4
Pensemos também no modo como usamos o conceito cadeira. Seguindo Weitz, quando “olhamos e vemos” os objetos a que chamamos “cadeira” não vemos qualquer propriedade comum a todas. O máximo que encontraremos é um intrincado jogo de semelhanças como o mencionado. Tampouco poderíamos dizer que uma propriedade comum relevante (para uma definição real) é todas terem quatro pernas ou serem feitas para as pessoas se sentarem, pois muitas cadeiras não têm sequer essas características que pensamos serem as mais básicas. Pode-se perfeitamente pensar numa cadeira feita unicamente para ser exposta numa galeria, como peça de decoração, etc. — enfim, na qual fosse até mesmo proibido sentar-se. A cadeira de Linda pode ser semelhante à cadeira de Leandro, e a de Leandro semelhante à de Bruno, mas a cadeira de Bruno pode não ter qualquer semelhança com a de Linda. Contudo, chamamos “cadeira” a todas. Basta que cada uma se assemelhe a alguma outra, ou a algumas das outras. Não é preciso que todas se assemelhem a todas (em qualquer aspecto relevante) para se chamarem “cadeira”. E o mesmo ocorre com a arte. Assim, defende Weitz, esse seria o único critério de reconhecimento que nos ajudaria a reconhecer e a considerar um objeto como arte. Isto é, uma semelhança entre uns e outros objetos, mas não de todos com todos. Talvez seja pouco, mas é só o que temos.
A idéia não deixa de ser intuitiva. Para o ver, faça um exercício e tente encontrar algo que sirva como uma propriedade comum não trivial a todas as obras de arte. Tente, por exemplo, encontrar uma propriedade que lhe permita dizer que quer a Caixa de Brillo quer a Escola de Atenas são trabalhos de arte. Algo não trivial que ambos tenham em comum e que sirva de condição necessária e suficiente para que sejam arte. Na medida em que reconhecemos que a extensão desse conceito realmente muda de modo significativo de tempos a tempos, parece mesmo não haver razões para supor que seja possível encontrar uma propriedade que desempenhe essa função.
Mas isso não é tudo; Weitz ainda tem outro coelho na sua cartola. O primeiro foi notar que a arte é um conceito aberto, e por isso alcançar uma definição real não trivial de arte é logicamente impossível. O segundo será notar que definir a arte seria pernicioso à própria arte. Ao estipular um conceito fechado de arte, estaríamos inibindo algo fundamental à atividade artística: a criatividade. Não parece muito controversa a afirmação de que a criatividade é algo que tem um papel importante na atividade artística. Contudo, Weitz não é claro quanto ao que quer dizer por “criatividade”, o que torna o seu argumento um tanto obscuro (1956: 8). O que quer dizer quando afirma que definir a arte, alcançar um conceito fechado, excluiria a criatividade? Adio essa discussão até à próxima parte, onde tento dar sentido ao seu argumento e apresentar-lhe uma objeção.
Seja como for, ambos os argumentos de Weitz parecem partir da suposição de que a arte é um conceito aberto. Para notar que a arte é um conceito aberto Weitz olha para os modos como aplicamos esse conceito, nota que o aplicamos a uma grande diversidade de objetos e que, ao longo do tempo, sempre aparecem mais objetos muito distintos aos quais desejaremos aplicar esse conceito. Que o primeiro argumento depende da assunção de que arte é um conceito aberto é algo que espero já ter ficado claro. Quanto ao segundo, veremos na próxima parte. O importante é notar que Weitz, no fim de contas, recusa o problema acerca do que é a arte em troca da pergunta sobre que tipo de conceito é o conceito de arte (1956: 5). Não aprenderemos muito procurando por propriedades comuns às obras de arte. Aprenderemos mais se olharmos para o modo como utilizamos o conceito de arte, e perceberemos que o único critério que temos para chamar “arte” a algo é as semelhanças entre uns objetos e outros que caem sob esse conceito.
Mas será que estes argumentos de Weitz realmente funcionam? No que se segue defenderei que não.
A primeira objeção que pode ser feita é que o filósofo não consegue mostrar que é impossível encontrar uma propriedade que seja comum a todas as obras de arte. O máximo que conseguiu mostrar (se o concedermos) é que todas as tentativas anteriores de definir a arte, recorrendo a propriedades comuns a todas as obras, fracassaram. Contudo, para mostrar que é impossível defini-la, ele teria de mostrar também que todas as tentativas futuras falharão. Ora, do fato de até hoje termos falhado nas nossas tentativas não se segue que falharemos no futuro também. Como seria se todos os cientistas e filósofos pensassem assim? Provavelmente não descobriríamos ou não saberíamos muitas coisas que hoje sabemos, exatamente porque foram feitas inúmeras tentativas fracassadas para solucionar o problema. Não saberíamos a cura de algumas doenças, nem teríamos avançado em muitos campos na própria filosofia.
Mas Weitz poderia objetar que não compreendi o seu argumento. O que ele defende é que qualquer definição real não trivial de arte contrariaria os nossos usos do conceito de arte. Se olharmos para o modo como utilizamos esse conceito, veremos que é um conceito aberto, que a sua extensão pode mudar de forma significativa, que sempre aparecerão objetos muito distintos aos quais desejaremos aplicar o conceito de arte. Assim, se definirmos não trivialmente a arte recorrendo a propriedades necessárias e suficientes, fechamos o conceito. E isso é um erro, pois o conceito de arte é aberto. Sempre haveria coisas a que chamaríamos “arte”, mas não teriam as propriedades indicadas pela definição em questão.
Em resposta a isso eu poderia dizer que não estamos obrigados a aceitar que perguntar pela natureza da arte seja perguntar pelos modos como aplicamos ou usamos o conceito de arte. Perguntar o que é a arte é perguntar pelo que realmente ela é, que tipos de propriedades não triviais são comuns a todas as obras de arte. Poderia ainda supor que encontrar essas propriedades nos ajudaria a identificar quando aplicamos corretamente esse conceito, e quando o aplicamos de maneira errada. Em suma, é um fato que aplicamos esse conceito a coisas muito distintas, para as quais talvez fosse muito difícil encontrar uma propriedade comum. Mas disso não se segue que o conceito realmente se aplique a todas essas coisas. Por outras palavras, não se segue que o conceito de arte realmente seja aberto. Se aplicamos esse conceito a coisas tão distintas, é justamente porque ainda não temos uma idéia clara acerca do que é a arte. Definir a arte ajudará a corrigir os nossos usos. Desse modo, a pergunta relevante continua sendo a pergunta pela natureza da arte, e a conversa de Weitz sobre os nossos usos desse conceito não mostra que uma resposta a essa pergunta é impossível. O que Weitz tem em mãos é um indício lingüístico, baseado nos modos como usamos o conceito de arte. A partir disso tira uma conclusão metafísica: que arte é um conceito aberto e portanto é impossível defini-la não trivialmente. Assim, Weitz parece inverter as coisas, pois é o conhecimento da natureza da arte que deve aprimorar os nossos usos do conceito, e não o contrário.
Pense-se no seguinte exemplo. Muitos filósofos gastaram muito tempo e energia tentando conhecer quem ou o que é uma divindade. Ora, alguém poderia objetar que esses filósofos perderam o seu tempo na tentativa de encontrar uma definição de divindade. Se olharmos para o modo como usamos esse conceito, veremos que é um conceito aberto. Antes, esse conceito aplicava-se as divindades gregas, como Zeus e Afrodite; agora também se aplica a uma divindade cristã; assim, a sua extensão mudou significativamente. Definir o conceito de divindade como a divindade cristã implicaria fechar esse conceito; seria meramente expressar a sua preferência pessoal por um tipo específico de divindade. O cristão teria algo em comum com Bell: ambos tentam definir o indefinível. Quando olhamos para os usos do conceito ao longo da história, percebemos claramente que é um conceito aberto.
Mas o cristão teria uma resposta. Diria que o modo como usamos esse conceito pouco importa; o que queremos saber é a real natureza da divindade, e não o modo como utilizamos o conceito. Quando descobrirmos a natureza da divindade, poderemos finalmente corrigir os nossos usos. Poderemos dizer: “Não devemos aplicar o conceito de divindade às divindades gregas, pois não são realmente divindades”. A pergunta fundamental aqui é a seguinte: por que seria este caso diferente do da arte? Se não pensamos que a nossa dúvida sobre a divindade foi respondida ao olhar para os usos do conceito, por que devemos pensar isso em relação à arte?
Aqui, Weitz poderia recorrer ao segundo argumento. De acordo com ele, ao definirmos a arte, estaríamos fechando o conceito. E isso, por sua vez, excluiria a criatividade nas artes. Não é óbvio como uma definição real excluiria a criatividade nas artes — nem Weitz mostra tal coisa. Em certo sentido, não é claro como Bell ou Collingwood, por exemplo, excluiriam a criatividade da arte, na medida em que sempre seria possível supor que houvesse pintores criativos, que conseguissem, de modo inovador, combinar linhas e cores (forma significante) ou exprimir uma emoção. Como nota Davies (2004: 66), seria como alegar que pelo fato de o jogo de xadrez ter regras bem determinadas, não seria possível fazer jogadas criativas ou inovadoras. O fato de os jogadores de xadrez seguirem as regras do jogo não implica que todas as suas ações serão determinadas. Sempre haverá espaço para jogadas criativas e inovadoras. Assim, Weitz deve ter em mente alguma concepção particular de criatividade. Caso contrário, seria difícil entender como as definições de Bell ou Collingwood excluiriam a criatividade da arte.
Por que razão, ao definir a arte, estaríamos excluindo a criatividade? Para tornar isto mais claro pensemos no seguinte exemplo. Imagine-se que eu definia não trivialmente a arte em termos de condições necessárias e suficientes. Imagine-se também que essa definição ocorria antes do surgimento do primeiro caso de readymades (imaginemos que seja o Mictório de Duchamp). Por fim, imagine que Duchamp acaba de mandar o seu Mictório para a galeria, e que não tem qualquer das propriedades indicadas pela minha definição como necessárias e suficientes para que algo seja arte. Nesse caso, Weitz poderia dizer que a minha definição acaba de excluir uma manifestação artística criativa. O Mictório de Duchamp não poderá, de acordo com a minha teoria, ser uma obra de arte. Portanto, o que Weitz parece querer dizer quando afirma que uma definição de arte excluiria a criatividade da arte é que ela impediria que algumas novas manifestações fossem consideradas arte. Em suma, impediria que a extensão do conceito fosse alargada por essas manifestações.
A minha resposta a essa objeção é a seguinte. Há duas hipóteses: ou a minha teoria da arte está correta ou não está correta.
Se estiver correta, o que impede o Mictório de Duchamp de ser arte não é a minha teoria, mas a própria natureza da arte. Do mesmo modo que definir a água como H2O não impede o hidrogênio de ser água. O que impede o hidrogênio de ser água é a própria natureza da água e do hidrogênio.
Se não estiver correta, a minha teoria não tem o poder de impedir o Mictório de ser arte, precisamente por estar incorreta. Se uma definição correta não tem o poder de impedir que algo seja uma obra de arte, muito menos uma definição incorreta o teria. Se o Mictório de Duchamp for uma obra de arte, não é uma definição incorreta que o fará deixar de o ser.
Logo, quer a minha teoria da arte esteja correta quer esteja incorreta, não tem o poder de excluir a criatividade na arte. Uma definição não tem o poder de excluir a criatividade na arte, no sentido de excluir que novas manifestações sejam arte. Esse poder somente a natureza da arte tem. Assim, a pergunta que fica é a seguinte: por que razão uma definição real de arte excluiria a criatividade na arte? Se Weitz pretende sustentar isso, o ônus da prova é dele.
O meu objetivo foi mostrar que os dois argumentos de Weitz, para defender que uma definição real de arte não é possível nem desejável, não funcionam. Espero ter alcançado esse objetivo. O meu primeiro argumento é que Weitz não mostrou realmente que definir a arte é impossível. Para tanto, seria necessário que mostrasse que todas as tentativas futuras de definir arte também falharão. Contudo, não o mostra. O meu segundo argumento é que não estamos obrigados a substituir a pergunta “Qual é a natureza da arte?” por “Que tipo de conceito é a arte?”. Perguntar pela natureza de algo é diferente de perguntar pelo modo como usamos o seu conceito. E, por fim, o meu terceiro argumento contra Weitz é que definir a arte não implica excluir a criatividade. Pois uma definição (estando ou não correta) jamais tem o poder de impedir que algo seja arte. Esse poder somente a própria natureza da arte tem. Entendendo, como vimos, a criatividade como a possibilidade de novas manifestações artísticas.