Algures — penso que é no prefácio a Saint Joan — Bernard Shaw comenta que somos hoje mais crédulos e supersticiosos do que na Idade Média, e como exemplo da credulidade moderna cita a crença muito difundida de que a Terra é redonda. O homem médio, afirma Shaw, não consegue apresentar uma só razão para pensar que a Terra é redonda. Limita-se a engolir esta teoria por haver nela algo que é atraente para a mentalidade do século XX.
Ora, Shaw está a exagerar, mas o que afirma tem algo que se lhe diga, e vale a pena explorar a questão devido à luz que lança sobre o conhecimento moderno. Afinal por que acreditamos efectivamente que a Terra é redonda? Não estou a falar dos poucos milhares de astrónomos, geógrafos, e assim por diante, que poderiam apresentar provas oculares, ou que têm um conhecimento teórico da prova, mas do cidadão comum que lê os jornais, como eu ou o leitor.
No que respeita à teoria da Terra Plana, penso que poderia refutá-la. Se ficarmos junto ao mar num dia com boa luz, consegue-se ver os mastros e chaminés de navios invisíveis que passam ao longo do horizonte. Este fenómeno só pode ser explicado supondo que a superfície da Terra é curva. Mas não se segue que a Terra é esférica. Imagine-se outra teoria, chamada teoria da Terra Oval, que afirma que a Terra tem a forma de ovo. Que posso dizer contra ela?
Contra o homem da Terra Oval, a primeira carta que posso jogar é a analogia do Sol e da Lua. O homem da Terra Oval responde logo que não sei, pela minha própria observação, que esses corpos são esféricos. Só sei que são redondos, e podem perfeitamente ser discos planos. Não tenho resposta a isto. Além disso, continua ele, que razão tenho para pensar que a Terra tem de ter a mesma forma que o Sol e a Lua? A isto também não posso responder.
A minha segunda carta é a sombra da Terra: quando incide sobre a Lua, durante os eclipses, parece a sombra de um objecto redondo. Mas como sei, exige o homem da Terra Oval, que os eclipses da Lua são provocados pela sombra da Terra? A resposta é que não sei, tendo antes tomado às cegas este pedaço de informação de artigos de jornal e opúsculos de ciência.
Derrotado nas trocas menores, jogo agora a minha rainha: a opinião dos especialistas. O Astrónomo Real, que tem obrigação de saber, diz-me que a Terra é redonda. O homem da Terra Oval atira o seu rei para cima da minha rainha. Testei eu a afirmação do Astrónomo Real, e saberia sequer como fazê-lo? Aqui faço uso do meu ás. Sim, conheço um teste. Os astrónomos conseguem prognosticar eclipses, e isto sugere que as suas opiniões sobre o sistema solar são bastante sólidas. Consequentemente, tenho justificação para aceitar o que dizem sobre a forma da Terra.
Se o homem da Terra Oval responder — o que penso ser verdadeiro — que os antigos egípcios, que pensavam que o Sol andava à volta da Terra, sabiam também prever eclipses, lá se vai o meu ás. Só me resta uma carta: a navegação. As pessoas velejam à volta do mundo, e chegam aonde querem, fazendo cálculos que presumem que a Terra é esférica. Penso que isto acaba com o homem da Terra Oval, apesar de mesmo assim ele poder ter, talvez, um tipo qualquer de contra-ataque.
Como se vê, as minhas razões para pensar que a Terra é redonda são muito precárias. Contudo, trata-se de um pedaço excepcionalmente elementar de informação. Na maior parte das outras questões, eu teria apelado muito mais cedo ao especialista, e teria tido menos capacidade para testar as suas proclamações. E a maior parte do nosso conhecimento está neste nível. Não repousa em raciocínio ou na experimentação, mas na autoridade. E como poderia ser de outro modo, quando a diversidade de conhecimento é tão vasto que o próprio especialista é um parolo mal se afasta da sua própria especialidade? As pessoas, na sua maior parte, se lhes pedissem para provar que a Terra é redonda, nem se dariam ao incómodo de apresentar os fraquíssimos argumentos que esbocei. Começariam por dizer que “toda a gente sabe” que a Terra é redonda, e se insistíssemos, ficariam zangadas. De certo modo Shaw tem razão. Esta é uma época crédula, e o fardo de conhecimento que agora temos de carregar é, em parte, responsável.