Alguns professores de Filosofia têm reagido negativamente às alterações recentemente introduzidas pelas Aprendizagens Essenciais (AE) ao ensino da lógica no secundário. Mais precisamente, os seus protestos são contra o seguinte:
Uma das coisas que se pede a todos os que prezam a filosofia e que, de algum modo, a ela se dedicam é que sejam capazes de defender com razões as suas reivindicações. Isto envolve o recurso a argumentação cuidada, mas por vezes também à bibliografia de referência ou mesmo a eventuais dados empíricos disponíveis.
Em que se apoiam, então, tais protestos?
Esses protestos são frequentemente apoiados em considerações de natureza científica acerca do carácter supostamente mais elementar da teoria silogística e também em considerações de carácter empírico de que a lógica aristotélica é didacticamente mais adequada, seja por ser mais acessível ou por ser mais útil para os alunos.
Quanto ao carácter alegadamente mais elementar da lógica aristotélica, simplesmente não há qualquer suporte teórico ou bibliográfico que permita sustentá-lo. Ao invés, praticamente todas as obras de referência ou estudos da área reconhecem que a lógica proposicional tem um carácter mais elementar do que a lógica aristotélica.
Quanto a ser mais fácil e mais útil aprender lógica aristotélica em vez lógica proposicional, também não costumam ser apresentados dados concretos nem é referido qualquer estudo comparativo sobre o assunto. Trata-se geralmente de meras impressões pessoais sem qualquer outro fundamento. Estranhamente, muitas dessas impressões baseiam-se numa experiência pedagógica que nunca passou pela leccionação de ambas as teorias lógicas.
E há ainda quem argumente que a lógica formal proposta nas AE se reduz simplesmente ao cálculo proposicional. Contudo, isso não corresponde à verdade. As AE incluem o quadrado de oposição, que é justamente uma das bases da teoria silogística, juntamente com a teoria aristotélica da conversão: é ao quadrado de oposição e à teoria da conversão que Aristóteles recorre para demonstrar a validade das formas silogísticas. É, pois, inegável que não deixa de se ensinar um dos aspectos centrais da lógica aristotélica, cuja aplicabilidade ao raciocínio comum vai além da própria silogística em sentido estrito.
Isto deveria ser suficiente para inibir as vozes contra o fim da opção entre lógica aristotélica e lógica proposicional e a favor da manutenção da lógica no 11.º ano. Mas ainda mais incompreensível é tal defesa acolher implicitamente duas contradições clamorosas, que não podem ser ignoradas.
Em primeiro lugar, é simplesmente contraditório incluir matérias opcionais — ou seja, matérias não-essenciais — num documento que visa estabelecer as aprendizagens essenciais da disciplina. Se são essenciais precisamente porque dizem respeito aos conteúdos ou competências indispensáveis, e se os conteúdos opcionais são, por definição, aqueles que nos podemos abster de leccionar, então os conteúdos opcionais são, também por definição, não-essenciais. Assim, um documento que faz o elenco das aprendizagens essenciais não deve conter aprendizagens opcionais. Caso ambas as teorias lógicas sejam considerados essenciais, então a única posição coerente a defender é que ambas sejam leccionadas, sem opção. Mas se isso for considerado excessivo, então torna-se fundamental identificar os conteúdos essenciais da lógica, indispensáveis a uma iniciação ao trabalho filosófico.
Uma segunda contradição óbvia consiste em defender que a lógica se deve manter no 11.º ano e, ao mesmo tempo, considerar que é suposto ter uma função meramente instrumental, de modo a facultar aos alunos as ferramentas básicas necessárias ao uso das competências argumentativas próprias do debate filosófico. Familiarizar os alunos com as ferramentas do trabalho depois do trabalho feito é simplesmente extravagante. Se a justificação é que os alunos do 10.º ano são ainda demasiado imaturos para aprenderem a usar as ferramentas lógicas em causa — o que, comprovadamente, está bem longe de ser verdadeiro — então o mais sensato é defender o fim do ensino da lógica no secundário.
Por estranho que pareça, isto ainda não basta para moderar alguns protestos contra as alterações introduzidas pelas AE em relação à lógica. Há quem insista que dar primazia à lógica aristotélica ou à lógica proposicional é uma questão de opinião, encontrando-se boas razões para ambos os lados. Só que isso é rotundamente falso, pois toda a bibliografia da área, sem excepção, converge claramente na ideia de que há razões de carácter científico, pedagógico e didáctico a favor do ensino da lógica proposicional. Razões essas que mostram não haver qualquer alternativa entre lógica proposicional e lógica aristotélica e que, portanto, não faz qualquer sentido encará-las como diferentes paradigmas lógicos.
Veja-se o que escreve Ricardo Santos, professor de Lógica na Universidade de Lisboa e tradutor, do original grego, de várias obras de lógica do próprio Aristóteles:
Como disciplina, a lógica conheceu uma revolução na viragem do século XIX para o XX […]. Dessa revolução resultou aquilo a que hoje é habitual chamarmos a “lógica clássica”. De modo quase universal, é a lógica clássica o que actualmente se ensina nas disciplinas introdutórias de lógica […]. Não lhe chamamos “clássica” por causa de alguma afinidade especial com o que se cultivava no mundo grego e romano antigos, mas apenas para indicar que se trata da lógica padrão, ou seja, aquela que constitui a teoria canónica nos estudos lógicos contemporâneos. Ela inclui a lógica proposicional e a lógica de predicados de primeira ordem. (Ricardo Santos, “Lógica” in Pedro Galvão, Filosofia: Uma Introdução por Disciplinas, Lisboa: Edições 70, 2012, p. 9)
Ricardo Santos conclui depois que “a decisão pedagógica mais sensata” é a de “continuar a fazer com que a lógica clássica esteja sempre disponível na caixa de ferramentas do filósofo contemporâneo”. (p. 11).
Por sua vez, lê-se na Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, coordenada por João Branquinho e Desidério Murcho, ambos professores de Lógica:
O cálculo proposicional […] é o domínio mais elementar da lógica e fornece a base para os restantes, que o incluem. (João Branquinho, Desidério Murcho, eds., Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, Lisboa: Gradiva, 2001, p. 122)
Quanto à utilidade, também é consensual entre os estudiosos da lógica e da história da lógica que o alcance da lógica aristotélica é comparativamente muito menor do que o da lógica proposicional. Veja-se o que se lê numa das obras de referência de história da lógica, traduzida pelo falecido professor de lógica M. S. Lourenço para a Fundação Calouste Gulbenkian:
Quando Aristóteles discute os silogismos em particular, considera quase exclusivamente argumentos nos quais ambas as premissas e a conclusão são simples no seu sentido e gerais […]. De acordo com esta definição mais estrita, podemos não aplicar o nome de “silogismo” a argumentos como: “Se chover o chão estará molhado; ora choverá; logo o chão estará molhado” nem a qualquer a qualquer outro argumento cuja premissa seja uma frase declarativa composta. (William e Martha Kneale, O Desenvolvimento da Lógica, Lisboa, Gulbenkian, 1991, p. 69)
Alguns capítulos depois, volta a insistir na mesma ideia e esclarece:
Embora Aristóteles soubesse que há diversas espécies de raciocínio válido que não podem ser reduzidas à forma silogística, ele não foi capaz de dar, tanto quanto sabemos, uma análise formal de qualquer delas. (William e Martha Kneale, O Desenvolvimento da Lógica, Lisboa: Gulbenkian, 1991, p. 101)
O mesmo facto é exposto na extensa Nova História da Filosofia Ocidental de Anthony Kenny, também ela uma referência importante:
A silogística de Aristóteles foi um feito notável: trata-se da formulação sistemática de uma parte importante da lógica. Alguns dos seus seguidores pensaram que a silogística era toda a lógica […]. Contudo, a silogística é apenas um fragmento da lógica. Trata apenas das inferências que dependem de palavras como “todos” ou “alguns”, que classificam as premissas e as conclusões dos silogismos, e não as inferências que dependem de palavras como “se” e “então”, que, em vez de se relacionarem com nomes, ligam frases inteiras. […] Aristóteles poderá porventura ter pensado, em algum momento, que a sua silogística era suficiente para cobrir todas as possíveis inferências válidas. Mas os seus próprios escritos sobre lógica mostram que compreendeu que havia muito mais na lógica do que o abarcado pela sua silogística. (Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental, Volume 1: Filosofia Antiga, Lisboa: Gradiva, 2010, pp.139–141)
Tanto Kneale como Kenny destacam a incapacidade da silogística aristotélica para dar conta dos raciocínios condicionais, por sinal a principal característica da argumentação comum e do raciocínio filosófico e científico, em que se recorre constantemente à elaboração de hipóteses e à apresentação de cenários alternativos, inerentes à investigação, à especulação teórica disciplinada e a situações de incerteza. Para que não haja dúvidas, Kenny volta ao assunto no Volume IV da mesma obra, desta vez a propósito da revolução na lógica operada no final do século XIX e inícios do XX:
De facto, a silogística cobre apenas uma pequena parte das formas de raciocínio válido existentes. (Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental, Volume 4: Filosofia no Mundo Moderno, Lisboa: Gradiva, 2011, p.119)
A isto podemos acrescentar o que Simon Blackburn escreve no seu Dicionário de Filosofia, originalmente publicado pela editora da Universidade de Oxford:
Embora a teoria silogística tenha dominado a lógica até ao século XIX, nunca teve um grande alcance, pois só consegue lidar com um número relativamente pequeno de formas válidas de argumentos. Existiram posteriormente algumas tentativas de aumentar o poder do raciocínio silogístico, mas, em geral, este foi eclipsado pela teoria moderna da quantificação, que proporciona um maior poder expressivo com menos complexidade. (Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, Lisboa: Gradiva, 1997, p. 406)
E também os estudiosos portugueses da área, como é o caso do professor de lógica António Zilhão, destacam esse facto incontroverso a propósito de uma das raras disciplinas da área da filosofia em que os avanços são universalmente reconhecidos:
A Lógica Proposicional e a Lógica de Predicados constituem o núcleo fundamental da Lógica Moderna. […] Com efeito, a Teoria Aristotélica da Inferência pode ser, com toda a vantagem, considerada como uma pequena e limitada subdivisão da moderna Lógica de Predicados. (António Zilhão, 40 Lições de Lógica Elementar, Lisboa: Edições Colibri, 2001, p. 7)
Por sua vez, Desidério Murcho corrobora esta ideia e acrescenta:
A lógica aristotélica é um marco histórico, pois foi a primeira vez que se formulou a noção de forma lógica, se distinguiu verdade e validade e se sistematizaram as relações lógicas entre proposições. A lógica aristotélica tem hoje um interesse meramente histórico, porque foi ultrapassada pela lógica clássica no mesmo sentido em que a física newtoniana ultrapassou a física aristotélica: 1) Todos os resultados da lógica aristotélica estão integrados na lógica clássica; 2) Os resultados incorrectos da lógica aristotélica foram excluídos da lógica clássica; e 3) A lógica clássica apresenta um número astronomicamente superior de resultados correctos. (Desidério Murcho, O Lugar da Lógica na Filosofia, Lisboa: Plátano, 2003, p. 87)
A ideia que todos estes autores permitem reforçar é que seria incompreensível optar por uma teoria lógica com uma aplicação muito limitada às restantes aprendizagens essenciais da disciplina. Dificilmente os alunos se irão defrontar com silogismos ao discutir o problema do livre-arbítrio, as questões éticas, de filosofia política, da possibilidade do conhecimento e assim por diante. Pelo contrário, a lógica proposicional não só tem aplicação em praticamente todos os temas e problemas contemplados nas restantes aprendizagens essenciais da disciplina, como os argumentos usados nessas áreas têm uma estrutura proposicional e não silogística. É isso que se passa, para dar apenas alguns exemplos, com os argumentos sobre a existência de Deus, com o argumento central de Popper a favor da falsificabilidade das teorias científicas ou com os argumentos cépticos e os argumentos de Descartes acerca do conhecimento, todos eles de carácter proposicional e não silogístico. A lógica silogística pouca ajuda pode dar aos alunos na discussão de tais temas e problemas. É, portanto, também uma questão de coerência metodológica, com implicações didáctico-pedagógicas sobre a aplicação das competências inscritas no perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória.
Não é, pois, por acaso que a parte da lógica proposicional contemplada nas AE corresponda ao que se encontra em todos os cursos introdutórios de lógica em todo o mundo, pois é a lógica proposicional que proporciona os elementos básicos essenciais do raciocínio lógico e fornece as principais ferramentas para o desenvolvimento das competências críticas fundamentais. Se dúvidas houvesse quanto a isso, bastaria consultar a extensa bibliografia introdutória da área, como se pode ver no resumo apresentado no quadro seguinte (que, no caso inglês, refere as obras mais populares e dos autores mais prestigiados internacionalmente).
Obras de carácter geral, didáctico ou introdutório
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Em língua inglesa (apenas obras de referência) | Em português (todas as conhecidas) | Em francês (a mais usada) | |
Incluem tanto a lógica aristotélica (silogística) como a lógica proposicional |
Harry Gensler, Introduction to Logic (3.ª ed, Londres: Routledge, 2016)
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António Zilhão, Lógica: 40 Lições de Lógica Elementar (Lisboa: Colibri, 2001)
Desidério Murcho, O Lugar da Lógica na Filosofia (Lisboa: Plátano, 2033)
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Incluem apenas a lógica silogística | Não se conhece nenhuma | Não se conhece nenhuma | Não se conhece nenhuma |
Incluem apenas a lógica proposicional |
Irving Copi, Introduction to Logic (14.ª ed., Londres: Routledge, 2016)
Wilfried Hodges, An Introduction to Elementary Logic (2.ª ed., Londres: Penguin, 2011)
Peter Smith, An Introduction to Formal Logic (Cambridge: Cambridge University Press, 2003)
Theodor Sider, Logic for Philosophy (Oxford: Oxford University Press, 2010)
Graeme Forbes, Modern Logic (Oxford: Oxford University Press, 1994)
Volker Halbach, The Logic Manual (Oxford: Oxford University Press, 2013)
Greg Restall, Logic (Londres: Routledge, 2006)
JC Beall, S. A. Logan, Logic: The Basics (2.ª ed., Londres: Routledge, 2017)
M. Bergman, J. Moor, J. Nelson, The Logic Book (6.ª ed., Nova Iorque: McGraw-Hill, 2013)
S. Guttenplan, The Languages of Logic: An Introduction to Formal Logic (6.ª ed., Oxford: Blackwell, 2001)
A lista poderia continuar, e seria extensa.
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Newton-Smith, Lógica: Um Curso Introdutório (Lisboa: Gradiva, 1998)
Augusto Franco de Oliveira, Lógica e Aritmética (2.ª ed., Lisboa: Gradiva, 1996)
Graham Priest, Lógica (Lisboa: Temas & Debates, 2002)
Ricardo Santos, “Lógica”, in Pedro Galvão, ed., Filosofia: Uma Introdução por Disciplinas (Lisboa: Edições 70, 2012)
João Sàágua, Lógica para as Humanidades (Lisboa: Colibri, 2001)
Simon Blackburn, Pense! Uma Introdução à Filosofia, cap. 6 “Raciocínio” (Lisboa: Gradiva, 2001)
M. S. Lourenço, Teoria Clássica da Dedução (2.ª ed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1991)
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T. Lucas, I. Berlanger, Initiation à la Logique (4.ª ed., Lovaina-a-Nova, De Boeck, 2014)
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Este quadro mostra claramente que nenhuma obra de introdução ao pensamento lógico dispensa a lógica proposicional, sendo mesmo a parte mais relevante de todas elas. Em contrapartida, quase toda a bibliografia da área exclui a lógica aristotélica. Mesmo na única obra de referência em língua inglesa que inclui a lógica aristotélica, o próprio autor, Harry Gensler, não deixa de reconhecer que
A lógica simbólica clássica inclui a lógica proposicional e quantificada. […] A lógica clássica tornou-se gradualmente o novo padrão no século XX, substituindo a lógica aristotélica. (Harry Gensler, Introduction to Logic, Londres: Routledge, 2016, p. 360)
Tudo isto revela ainda, de forma inequívoca, que a lógica aristotélica e a lógica proposicional (também chamada “lógica clássica”, precisamente por ser, desde há muito, a teoria lógica de referência) não são, nem podem ser, alternativas uma à outra, como não deixa de sublinhar Jales Ribeiro, outro professor de lógica, desta vez da Universidade de Coimbra:
Quando se trata de leccionar os conteúdos propostos a respeito da relação entre “argumentação e lógica formal”, não existe qualquer verdadeira opção entre os “paradigmas da lógica aristotélica e da lógica proposicional”. (Henrique Jales Ribeiro, Joaquim Neves Vicente, O Lugar da Lógica e da Argumentação no Ensino da Filosofia, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2010, p. 198)
E é um facto que não podem ser alternativas por duas razões diferentes, mas complementares, de acordo com o que todos os especialistas da área sustentam:
A lógica das proposições […] é mais fundamental do que a lógica dos termos gerais, estudada por Aristóteles, não no sentido em que inclui esta mas antes no sentido em que é pressuposta por esta. Muitas vezes a sua importância especial [a da lógica proposicional] tem sido sublinhada designando-a por “teoria da dedução”. Mas é mais adequado descrevê-la como lógica primária, porque tem de vir no começo de qualquer desenvolvimento sistemático. Se adoptarmos essa designação, podemos então reservar a expressão “lógica geral” para aquela parte da lógica na qual estudamos não só as noções de negação, conjunção, disjunção, etc., mas também as noções de generalidade expressas por “todo” e “algum”. A lógica geral, definida deste modo, inclui a lógica primária ou não-geral e não pode ser desenvolvida sem ela, enquanto a lógica primária pode ser apresentada como uma teoria independente. Dentro deste esquema, a silogística de Aristóteles aparece como um fragmento da lógica geral no qual os teoremas da lógica primária são supostos sem serem explicitamente formulados. (William e Martha Kneale, O Desenvolvimento da Lógica, Lisboa: Gulbenkian, pp. 179–180 )
É, aliás, amplamente reconhecido que, por parecer menos inteligível a um primeiro olhar, a lógica aristotélica levanta mais problemas didácticos e suscita mais dúvidas substanciais aos alunos, exigindo um apreciável recurso à memorização, que a lógica proposicional torna praticamente dispensável.
Incluir algo mais de lógica aristotélica, além do quadrado de oposição, equivaleria a optar pelo que é meramente secundário em detrimento do essencial e levaria a abrir mão do desenvolvimento mais eficaz de algumas das competências previstas no perfil do aluno. Seria ainda proporcionar aos alunos uma ferramenta mais limitada quando se dispõe de outra mais manejável e cuja aplicabilidade prática é muitíssimo maior, contrariando abertamente o que por todo o lado se faz no ensino das noções básicas de lógica e do pensamento crítico. Teria, além disso, a enorme desvantagem didáctica de se optar por uma teoria lógica para a qual praticamente não há bibliografia disponível, como o quadro acima confirma.
A inclusão da lógica aristotélica no ensino secundário é, de resto, um anacronismo didático-pedagógico, herdeiro do ultrapassado manual de José Bonifácio Ribeiro e José da Silva, de meados do século passado, e uma originalidade portuguesa que, sem qualquer sustentação científica ou bibliográfica, apenas se explica pelo facto de as sucessivas revisões programáticas assumirem explicitamente o compromisso de preservar práticas lectivas anteriores, que acabaram por cristalizar o ensino da lógica num registo algo sebenteiro e pedagogicamente ultrapassado. Isso é tanto mais injustificado quando se sabe que a formação superior dos professores portugueses há décadas que não passa pela lógica aristotélica, mas sim pela lógica proposicional clássica.
Em resumo, a lógica aristotélica é menos acessível, menos elementar e menos abrangente do que a moderna lógica proposicional. Além disso, em comparação com o que se verifica sobre lógica proposicional, quase não há bibliografia disponível sobre lógica aristotélica. Por outro lado, há décadas que a lógica aristotélica quase não se ensina nos cursos superiores de Filosofia, tendo sido dada prioridade à lógica proposicional na formação de professores. Contudo, há ainda quem reivindique com toda a convicção a manutenção do estado de coisas anterior, mesmo sabendo que as AE preservam um dos aspectos essenciais da lógica aristotélica, centrando-se no desenvolvimento e potencialização das áreas de competência referidas no perfil do aluno.
Tudo isto parece algo incompreensível e radicalmente incompatível com a avaliação crítica, racional e fundamentada, própria de quem se dedica à filosofia.
Poderíamos ao menos prestar atenção aos especialistas em lógica. Como se lê, por exemplo, no prefácio daquela que é talvez a obra pioneira de introdução ao moderno ensino da lógica em Portugal, Lógica e Aritmética, do professor Franco de Oliveira, advertindo que o livro trata essencialmente “daquela parte da lógica clássica que analisa as proposições e sistematiza o raciocínio” (p. vii), por considerá-lo o mais “adequado para um primeiro contacto com coisas lógicas, ao nível dos anos terminais do ensino secundário” (p. ix).
Nada do que aqui foi dito significa que o estudo da teoria silogística de Aristóteles seja inútil ou desinteressante, ou sequer que a lógica aristotélica não mereça atenção. Esse estudo é perfeitamente justificado quando se pretende aprofundar os conhecimentos da lógica e das suas origens históricas, mas isso não é certamente para os alunos do ensino secundário.
Aires Almeida