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Crítica
7 de Agosto de 2015   Filosofia da religião

Evolução e criacionismo

Elliott Sober
Tradução de Álvaro Nunes

Nesta lição desejo descrever algumas das provas principais que levam os biólogos a pensar que a hipótese da evolução é correcta. Enquanto S. Tomás de Aquino, William Paley e outros, defendem que a complexidade e adaptabilidade dos organismos só podem ser explicadas se as virmos como o produto do desígnio inteligente, a teoria da evolução moderna, que deriva das ideias de Charles Darwin (1809–1882), defende o contrário.

Devido ao facto de este ser um texto introdutório, não poderei descrever todos os argumentos entrecruzados que os biólogos apresentam a favor da teoria da evolução. Nem sequer me será possível apresentar todos os detalhes dos argumentos que vou abordar. Também não ocuparei muito tempo a responder a todas as críticas da teoria evolucionista que os criacionistas avançaram.

Criacionismo

Os criacionistas (que às vezes se chamam a si mesmos “criacionistas científicos”) são os defensores actuais do argumento do desígnio. Embora concordem entre si em que o desígnio inteligente é necessário para explicar algumas características do mundo vivo, discordam em relação a vários detalhes. Alguns sustentam que a Terra é jovem (cerca de dez mil anos de idade), enquanto outros admitem que é velha — cerca de 4,5 biliões de anos de idade, segundo a geologia actual.

Alguns criacionistas sustentam que cada espécie foi criada separadamente por um artífice inteligente, enquanto outros admitem que os biólogos têm razão quando afirmam, como fez Darwin, que toda a vida na Terra remonta a um antepassado comum.

Outro ponto de discórdia diz respeito a quais as características dos organismos que exigem explicação por intermédio do desígnio inteligente. Alguns sustentam que toda a adaptação complexa — as asas das aves, o sistema de regulação de temperatura dos mamíferos, o olho — exige explicação em termos de desígnio inteligente. Outros discordam muito menos da ciência moderna; afirmam que apenas uma ou duas características das formas vivas exigem uma explicação por intermédio do desígnio inteligente. Estes criacionistas concordam com a biologia actual, excepto quando examinam a origem da vida ou a emergência da consciência.

Para tornar claro o que o criacionismo implica, considera três possíveis relações que se podem estabelecer entre Deus (D), os processos evolucionistas cegos (E), e as características observadas dos organismos (O):

Evolucionismo teísta: DEO
Evolucionismo ateu: EO
Criacionismo: DO

O evolucionismo teísta diz que Deus põe em movimento processos evolucionistas cegos; estes processos, uma vez em movimento, são suficientes para explicar as características que observamos nos organismos.

O evolucionismo ateu nega que exista um Deus, mas fora isso concorda com o evolucionismo teísta em que os processos evolucionistas são responsáveis pelo que vemos nos organismos. O criacionismo, tal como o entendo, discorda tanto do evolucionismo teísta como do evolucionismo ateu. O criacionismo sustenta não exactamente que Deus põe em movimento processos evolucionistas cegos, mas que ele também intervém periodicamente nestes processos cegos, fazendo o trabalho que os processos naturais inconscientes são inerentemente incapazes de fazer.

Podes ver a partir destas três opções que a crença na teoria evolucionista não é o mesmo que ateísmo. Na minha opinião, a teoria evolucionista actual é neutra em relação à existência de Deus. A teoria evolucionista pode ser complementada com uma alegação, pró ou contra, a existência de Deus. A teoria evolucionista, contudo, não é consistente com o criacionismo. A teoria evolucionista, tal como a entendo, sustenta que os processos evolucionistas cegos são suficientes para explicar as características das coisas vivas. O criacionismo nega-o.

Alguns argumentos criacionistas

Alguns dos argumentos criacionistas mais frequentemente repetidos contêm erros e confusões. Por exemplo, os criacionistas defenderam que a teoria evolucionista tem uma base pouco firme porque as hipóteses acerca do passado distante não podem ser provadas com certeza absoluta. É verdade que a teoria evolucionista não é absolutamente certa, mas então nada em ciência é absolutamente certo. Aquilo que legitimamente se procura em ciência é provas poderosas que mostrem que uma explicação é muito mais plausível do que as suas rivais. Os biólogos consideram agora as hipóteses da evolução como quase tão certas quanto qualquer hipótese acerca do passado pré-histórico pode ser. Naturalmente, nenhum cientista estava presente há cerca de 3,8 biliões de anos, quando a vida na Terra começou. No entanto, é possível ter provas fortes sobre matérias que não podemos observar directamente, como espero que a minha discussão anterior da abdução tenha tornado claro.

Outro exemplo de um erro que os criacionistas cometem é a sua discussão da segunda lei da termodinâmica. Alegam que esta lei torna impossível que a ordem surja da desordem por processos naturais. Os processos naturais podem fazer que um automóvel se transforme num monte de lata, mas os criacionistas pensam que a lei diz que nenhum processo natural pode fazer que uma pilha de lata dê origem a um carro que funcione. Aqui os criacionistas estão a argumentar que uma lei da física é inconsistente com a alegação de que a vida evoluiu da não-vida.

O que a segunda lei de facto diz é que um sistema fechado passará (com grande probabilidade) de estados de maior ordem para estados de menor ordem. Mas se o sistema não for fechado, a lei não diz o que acontecerá. Assim, se a Terra fosse um sistema fechado, o nível global de desordem teria de aumentar. Mas é óbvio que a Terra não é um sistema fechado — está sempre a receber energia do Sol.

Se pensarmos no universo como um todo como um sistema fechado, então a termodinâmica diz-nos que a desordem global aumentará. Mas esta inclinação global não proíbe o surgimento e manutenção de “bolsas” de ordem. A segunda lei da termodinâmica não fornece qualquer base para que se pense que a vida não pode ter evoluído da não-vida.

Um tratamento completo do debate entre a evolução e o criacionismo exigiria que eu descrevesse as explicações positivas que os criacionistas avançaram. Se queres comparar a teoria evolucionista e o criacionismo, não podes apenas concentrar-te em sejam quais forem as dificuldades que existam nas ideias evolucionistas. Tens de analisar cuidadosamente a alternativa. Fazê-lo causa muitas dificuldades ao criacionismo. A razão está em que os criacionistas ou mantiveram um lamentável silêncio sobre os detalhes da explicação que querem defender, ou produziram histórias detalhadas que não suportam um escrutínio científico. Por exemplo, os “criacionistas da Terra nova”, como mencionei, sustentam que a Terra tem apenas alguns milhares de anos de idade. Esta alegação entra em conflito com diversas descobertas científicas muito sólidas da geologia e da física. Não é apenas a teoria evolucionista que tens de rejeitar se aceitas esta versão do criacionismo, mas igualmente boa parte do resto da ciência.

Como também já indiquei, há muitas versões do criacionismo. O criacionismo não é uma teoria simples, mas um conjunto de teorias semelhantes. Nesta lição, não tentarei abranger todas estas versões, mas concentrar-me-ei numa delas. A versão por onde irei começar não é a de Paley, mas apesar disso merece ser examinada. Segundo a versão do criacionismo que quero examinar, Deus projectou cada organismo para estar perfeitamente adaptado ao seu ambiente. Nesta lição, explicarei o que diz a teoria de Darwin e por que penso que é muito superior a esta versão do criacionismo. Contudo, não podemos concluir disto que o darwinismo é superior a todas as formas de criacionismo. De facto, acabarei a lição descrevendo uma segunda versão de criacionismo que é imune às críticas que fazem ruir a versão “perfeccionista”. E, no fim, voltarei à versão do criacionismo que Paley de facto defende.

A teoria bipartida de Darwin

Em 1859 Darwin propôs a sua teoria da evolução no livro A Origem das Espécies. Muitas das suas ideias são ainda vistas como correctas. Algumas foram refinadas ou alargadas. Outras foram completamente recusadas. Embora a teoria evolucionista se tenha desenvolvido muito desde o tempo de Darwin, tomarei as suas ideias básicas como ponto de partida.

A teoria de Darwin contém dois elementos principais. Primeiro, há a ideia de que toda a vida actual é aparentada. Os organismos que vemos não vieram a existir independentemente por criação separada. Em vez disso, os organismos são aparentados uns aos outros por uma árvore genealógica. Eu e tu somos aparentados. Se remontarmos o suficiente no tempo, encontraremos um ser humano que é um antepassado de ambos. O mesmo é verdade de ti e um chimpanzé, embora, claro, tenhamos de remontar ainda mais no tempo para encontrar um antepassado comum. E é assim com quaisquer dois organismos actuais. A vida evoluiu da não-vida, e depois a descendência com modificação deu origem à diversidade que observamos agora.

Repara que esta primeira hipótese de Darwin nada diz acerca da razão por que surgem novas características durante a evolução. Se toda a vida é aparentada, podemos perguntar por que encontramos a diversidade de organismos que encontramos. Por que não são idênticas as coisas vivas? A segunda parte da teoria de Darwin é a ideia de selecção natural. Esta hipótese tenta explicar por que as novas características aparecem e se tornam comuns e por que algumas características desaparecem. É muito importante manter estes dois elementos da teoria de Darwin separados. A ideia de que todas as coisas vivas actuais são aparentadas não é de todo em todo controversa. A ideia de que a selecção natural é a principal causa da mudança evolucionista é algo controversa, embora seja de longe o ponto de vista maioritário entre os biólogos.

Parte da razão por que é importante manter estas ideias separadas é que alguns criacionistas tentaram marcar pontos confundindo-as. Os criacionistas sugerem às vezes que a ideia de evolução na sua totalidade é algo que mesmo os biólogos olham com grande dúvida e suspeição. Mas a ideia de que toda a vida é aparentada não é de todo controversa. O que é controverso, pelo menos até certo ponto, são as ideias sobre a selecção natural.

Começarei por descrever a ideia básica de selecção natural. Depois direi qualquer coisa acerca do que é ainda algo controverso nessa ideia. Virar-me-ei depois para a ideia completamente separada de que toda a vida é aparentada e descreverei algumas das provas que fazem os biólogos olhar esta ideia como irresistivelmente plausível.

Selecção natural

Eis um exemplo simples de como a selecção natural funciona. Imagina uma população de zebras que têm todas a mesma velocidade máxima. Não podem correr a mais de 60 km/h. Agora imagina que aparece uma inovação na população. Dá-se uma mutação — uma alteração nos genes de uma zebra — que permite a essa zebra inovadora correr mais depressa — digamos, a 65 km/h. Supõe que correr mais depressa é vantajoso, porque uma zebra rápida tem menos probabilidades de ser apanhada e comida por um predador do que uma lenta. Correr mais depressa eleva a aptidão do organismo — a sua capacidade para sobreviver e reproduzir-se.

Se a velocidade de corrida for transmitida pelos progenitores à descendência, o que acontecerá? O que ocorrerá (provavelmente) é que a zebra rápida terá mais descendentes que a média das zebras lentas. Como consequência, a percentagem de zebras rápidas aumenta. Na geração seguinte, as zebras rápidas gozam da mesma vantagem, e assim a característica de ser rápida aumentará outra vez em frequência. Ao fim de muitas gerações, contamos que todas as zebras tenham esta nova característica. Inicialmente, todas as zebras corriam a 60 km/h. Depois do processo de selecção ter-se dado, todas correm a 65 km/h.

Assim, o processo dá-se em dois estágios. Primeiro, ocorre uma nova mutação, criando a variação sobre a qual a selecção natural actua. Depois, a selecção natural opera mudando a composição da população:

Início
100 % corre a 60 km/h.
Depois
Uma mutante nova corre a 65 km/h; as restantes correm a 60 km/h.
Fim
100 % corre a 65 km/h

Podemos resumir o funcionamento deste processo dizendo que a selecção natural ocorre numa população de organismos quando existe variação herdada na aptidão. Analisemos o que isto significa. Os organismos têm de variar; se todos os organismos fossem o mesmo, não haveria variantes entre os quais seleccionar. Mais ainda, as variações têm de ser transmitidas pelos progenitores aos descendentes. Esta é a exigência de herança. Por último, tem de ser verdadeiro que as características variáveis numa população afectam a adaptação de um organismo — as suas possibilidades de sobreviver e reproduzir-se. Se estas três condições forem satisfeitas, a população evolui. Quero dizer com isto que a frequência de características mudará.

A ideia de selecção é na verdade muito simples. O que Darwin fez foi mostrar como esta ideia simples tem muitas implicações e aplicações. A mera afirmação desta ideia simples não teria convencido fossem quem fosse de que a selecção natural é a explicação correcta da diversidade da vida. O poder da ideia vem das inúmeras aplicações detalhadas.

Repara que a introdução de novas características numa população é uma condição prévia para que a selecção natural ocorra. Darwin não tinha uma imagem muito exacta de como estes novos traços surgem. Teorizou a este respeito, mas não chegou coisa alguma com importância duradoura. Foi só mais tarde, no século XIX, que Mendel começou a resolver este ponto. As mutações genéticas, compreendêmo-lo agora, são a fonte da variação de que depende a selecção natural.

Repara que a pequena história que contei descreve uma mudança um tanto modesta que ocorre no interior de uma espécie de zebras. Uma única espécie de zebras passa de uma velocidade de corrida para outra. Contudo, o livro de Darwin chamava-se A Origem das Espécies. Como ajuda a mudança numa espécie a explicar o surgimento de novas espécies — a especiação?

Especiação

A hipótese de Darwin era que pequenas mudanças numa população (como a que acabámos de descrever) produzem uma grande mudança. Dado um número suficiente de pequenas mudanças, os organismos tornar-se-ão muito diferentes. Os evolucionistas modernos normalmente contam uma história como a seguinte. Pensa numa simples população de zebras. Imagina que por qualquer razão um pequeno número de zebras são separadas do resto da população; talvez se percam ou um rio mude o seu curso e divida a antiga população em duas. Se as populações resultantes vivem em diferentes ambientes, a selecção levá-las-á a tornarem-se cada vez mais diferentes. Características que eram vantajosas numa população não serão vantajosas na outra. Após muito tempo, as populações terão divergido. Ter-se-ão tornado tão diferentes entre si que os indivíduos de uma não poderão procriar com indivíduos da outra. Devido a isto, serão duas espécies, e não duas populações pertencendo à mesma espécie.

No tempo de Darwin praticamente toda a gente, incluindo aqueles que pensavam que Deus criou cada espécie separadamente, teria admitido que a pequena história sobre zebras evoluindo a uma cada vez maior velocidade poderia ser verdadeira. A grande resistência à teoria de Darwin centrava-se na sua tese de que o mecanismo responsável por mudanças de pequena escala no interior das espécies também dá origem a mudanças de larga escala, nomeadamente, à origem de novas espécies. Esta era uma hipótese audaciosa, uma hipótese que é agora o ponto de vista maioritário na teoria evolucionista, embora seja ainda algo controversa.

Ao dizer que é ainda algo controversa, quero dizer que há evolucionistas hoje que duvidam de que a selecção natural tenha tido a importância que Darwin pensou que tinha. Sustentam que outros mecanismos têm um papel importante na evolução. Admitem que a selecção natural entra na história, mas negam que isso constitua toda a história. Decidir quão importante foi a selecção natural é um tema que continua a ser investigado na teoria evolucionista.

Há outro género de questão em aberto sobre a selecção natural. Mesmo os biólogos que sustentam que a selecção natural é a causa maior da evolução ficam às vezes intrigados acerca da sua aplicação em casos particulares. Por exemplo, é ainda bastante obscuro por que a reprodução sexual evoluiu. Algumas criaturas reproduzem-se sexualmente, outras assexualmente. Porquê? Mesmo os biólogos que esperam que a resposta seja em termos de selecção natural estão intrigados.

Assim, há duas espécies de questões abertas relativas à selecção natural. Em primeiro lugar, há a da importância que a selecção natural teve na evolução da vida. Em segundo lugar, há a questão de como a ideia de selecção natural deverá ser aplicada para justificar esta ou aquela característica. O que quero realçar acerca de ambas é que não são acerca de sermos aparentados a chimpanzés. Isto não é controverso. As questões que mencionei até agora têm que ver com o mecanismo que justifica por que a vida evoluiu como evoluiu, e não se evoluiu.

A árvore da vida

Volto-me agora para esta ideia incontroversa. Por que pensam os biólogos que é tão claro que as coisas vivas são aparentadas — que há uma árvore genealógica da vida terrestre tal como há uma árvore genealógica da tua família? Dois géneros de indícios pareceram persuasivos. Não darei os detalhes aqui; em vez disso, quero descrever os géneros de argumentos que os biólogos utilizam. Como filósofo, estou mais interessado em que compreendas a lógica dos argumentos; quanto aos detalhes biológicos, terás de consultar um livro de biologia.

Para ilustrar como uma linha de argumentação funciona, considera este problema simples. Supõe que mando uma turma de filosofia escrever um ensaio sobre o significado da vida. À medida que leio os ensaios, verifico que dois estudantes entregaram ensaios que são completamente idênticos. Como poderei explicar esta semelhança surpreendente?

Uma possibilidade, claro, é que os estudantes trabalharam independentemente e por coincidência chegaram exactamente ao mesmo resultado. A origem independente dos dois ensaios não é impossível. Mas eu consideraria esta hipótese extremamente implausível. Muito mais convincente é a ideia de que um estudante copiou pelo outro ou que cada um deles copiou de uma fonte comum — talvez, um ensaio tirado da Internet. Esta hipótese é uma explicação mais plausível das semelhanças dos dois ensaios.

O princípio da causa comum

O exemplo do plágio ilustra uma ideia que o filósofo Hans Reichenbach (em The Direction of Time, University of California Press, 1956) chamou princípio da causa comum. Analisemos o exemplo com mais cuidado para compreender a lógica do princípio.

Por que razão, no caso que acabámos de descrever, é mais plausível que os estudantes tenham copiado de uma fonte comum do que tenham escrito os seus ensaios independentemente? Considera quão provável é, de acordo com cada uma das duas hipóteses, a correspondência dos dois ensaios. Se os dois estudantes copiaram de uma fonte comum, então é bastante provável que os ensaios se assemelhem bastante. Se, contudo, os estudantes trabalharam independentemente, então é enormemente improvável que os dois ensaios sejam semelhantes. Temos aqui uma aplicação do princípio da surpresa, descrito na Lição 3: Se uma hipótese diz que as observações são muito prováveis enquanto a outra diz que são muito improváveis, então as observações favorecem fortemente a primeira hipótese em detrimento da segunda. O princípio da causa comum faz sentido porque é uma consequência do princípio da surpresa.

O exemplo que acabámos de descrever implica hipóteses que descrevem uma actividade mental — quando os estudantes plagiam usam as suas mentes, e o mesmo é verdadeiro quando escrevem ensaios de forma independente. Contudo, é importante ver que o princípio da causa comum também faz bastante sentido quando a hipótese examinada não descreve processos mentais.

Tenho um barómetro na minha casa. Reparo que quando diz “alto”, há normalmente uma tempestade no dia seguinte; e quando diz “baixo”, não há normalmente uma tempestade no dia seguinte. A leitura do barómetro num dia e o tempo no seguinte estão correlacionados. Talvez esta correlação seja apenas uma coincidência; talvez os dois acontecimentos sejam completamente independentes. Contudo, uma hipótese bastante mais plausível é que a leitura de um dia e o tempo no seguinte tenham uma causa comum — a saber, o tempo na altura em que a leitura é feita:

Leitura do barómetro hoje Tempo amanhã
↖ ↗
Tempo hoje

A hipótese da causa comum é mais plausível porque leva-te a esperar a correlação de dois efeitos observados. A hipótese da causa separada é menos plausível porque diz que a correlação observada é uma coincidência muito improvável. Repara que a hipótese aqui considerada não descreve as actividades mentais do agente.

Semelhanças arbitrárias entre organismos

Vou agora aplicar este princípio ao caso evolucionista. Uma razão por que os biólogos pensam que toda a vida é aparentada é que todos os organismos (com algumas excepções sem importância) usam o mesmo código genético. Para compreenderes o que isto significa, pensa nos genes no teu corpo como um conjunto de instruções para construir itens biológicos mais complexos — aminoácidos e depois proteínas, por exemplo. A sequência de genes no teu corpo e a sequência numa rã são diferentes. O facto surpreendente, contudo, é que o gene que codifica um dado aminoácido numa rã codifica exactamente o mesmo aminoácido nas pessoas. Tanto quanto agora sabemos, não há razão para que os genes que codificam um dado aminoácido tenham que codificar esse ácido em vez de outro. O código é arbitrário; não há qualquer razão funcional para que tenha de ser como é. [Não te deixes enganar pelo que estou aqui a dizer sobre códigos. Esta palavra pode sugerir desígnio inteligente, mas não é isto que os biólogos têm em mente. Os genes causam a formação de aminoácidos; para os propósitos actuais, esta é uma forma perfeitamente satisfatória de compreender o que se entende por “os genes codificam este ou aquele aminoácido”.]

Como podemos explicar esta semelhança intrincada entre os códigos genéticos que as diferentes espécies usam? Se as espécies surgiram independentemente umas das outras, seria de esperar que usassem códigos genéticos diferentes. Mas se todas aquelas espécies têm origem num antepassado comum, é de esperar que partilhem o mesmo código genético. O princípio da causa comum está subjacente à crença que os biólogos evolucionistas têm de que todas as coisas vivas da Terra têm antepassados comuns.

Adaptação imperfeita

Há uma segunda característica da vida que concede plausibilidade à hipótese segundo a qual espécies diferentes têm antepassados comuns. É o facto de os organismos não estarem perfeitamente adaptados ao seu ambiente. Quando, na Lição 5, descrevi o argumento do desígnio de Paley tentei transmitir a ideia de que Paley estava bastante impressionado com a perfeição da natureza. Paley pensou que esta delicada adaptação dos organismos aos ambientes em que habitam só pode ser explicada pela hipótese de desígnio inteligente. Desde o tempo de Darwin, contudo, que os biólogos olham mais atentamente para esta ideia. O que a biologia nos diz é que os organismos não estão perfeitamente ajustados aos seus ambientes. Estão ajustados de forma aceitável, muitas vezes provisória. A adaptação é com frequência imperfeita; é suficientemente boa para que, pelo menos a curto prazo, evitem a extinção.

Considera primeiro um exemplo que o biólogo Stephen Jay Gould discute no seu livro O Polegar do Panda. Os pandas são vegetarianos; praticamente só comem rebentos de bambu. Um panda descasca o bambu passando o ramo entre a sua pata e o que parece um polegar. Um exame mais cuidado, contudo, torna claro que este polegar não é um dedo oponível. Pelo contrário, o polegar é um esporão de osso que sai do pulso do panda.

Este dispositivo para preparar o bambu é na verdade bastante grosseiro. Não seria um grande desafio para um engenheiro habilidoso projectar um polegar melhor para o panda usar. Se Deus tivesse feito os organismos perfeitamente adaptados às suas formas de vida, seria muito intrigante a razão por que o panda está tão mal equipado. Contudo, a hipótese de que os pandas sejam parentes próximos dos ursos carnívoros permite-nos entender por que os pandas têm um utensílio tão singular ligado aos seus pulsos. Há semelhanças notáveis entre a estrutura da pata dos pandas e a dos seus parentes mais próximos. O polegar do panda é uma modificação duma estrutura que os antepassados possuíam. Em resumo, o polegar do panda é intrigante se aceitas a hipótese de que Deus fez cada organismo perfeitamente adaptado ao seu ambiente. Por outro lado, a hipótese de que os pandas descendem de ursos carnívoros torna nada surpreendente o facto de terem polegares como têm. O princípio da surpresa diz que a última hipótese é a mais plausível.

Um criacionista pode admitir que o polegar do panda não é uma adaptação para ajudar os pandas individuais, e depois sugerir que o traço existe para manter o equilíbrio da natureza. Se os pandas fossem mais eficientes a descascar bambu, talvez as plantas de bambu se extinguissem e isto iria quebrar a estabilidade de todo o ecossistema. Aqui o criacionista está a fazer uma nova sugestão, que tem de ser avaliada nos seus próprios termos. A sugestão é que um artífice inteligente construiu ecossistemas de modo a serem estáveis.

Para ver como esta ideia cai em dificuldades, temos de mudar para um novo tipo de exemplo. Os biólogos calculam que mais de 99 % das espécies que já existiram estão agora extintas. Os ecossistemas não são terrivelmente estáveis, pelo que existiram extinções em massa periódicas que varreram vastas parcelas do mundo vivo. Tal como verificamos que os organismos individuais não estão perfeitamente ajustados às tarefas de sobrevivência e reprodução, verificamos que os ecossistemas também estão longe de perfeitamente ajustados às tarefas de se manterem estáveis e perdurarem ao longo dos tempos.

Há outro padrão de argumentação que os biólogos usam, e que se assemelha ao que dizem sobre o polegar do panda. Os biólogos alegam que os órgãos vestigiais são prova de que várias espécies têm um antepassado comum. Deves lembrar-te da biologia do secundário que os embriões humanos desenvolvem fendas branquiais e que depois perdem-nas. Estas fendas branquiais, tanto quanto os cientistas sabem, não têm qualquer função; se cada espécie fosse projectada separadamente por um artífice super-inteligente que desejasse que os organismos estivessem perfeitamente adaptados, seria muito surpreendente encontrar fendas branquiais nos seres humanos. Contudo, se os seres humanos descendem de antepassados que enquanto adultos tinham guelras, a característica encontrada nos embriões humanos seria fácil de compreender. A selecção natural modificou a condição ancestral; os seres humanos têm guelras apenas no estádio de embrião, e não em ambos, no estádio de embrião e de adulto. Uma linha de argumentação análoga é usada para explicar por que os embriões de galinha têm dentes, que são reabsorvidos na gengiva antes de a galinha nascer.

Mencionei duas linhas de prova que levam os biólogos a pensar que toda a vida é aparentada. Há o facto da semelhança arbitrária e o facto da adaptação imperfeita. Ambos são indícios que favorecem a hipótese de que a vida evoluiu — que os organismos hoje vivos descendem de antepassados comuns e divergiram pelo processo de selecção natural. Estes dois tipos de indícios vão contra a ideia de que os organismos se originaram independentemente como resultado de um artífice super-inteligente que fez cada um deles perfeitamente adaptado.

Adaptação quase perfeita

Realcei a importância da adaptação imperfeita como indício da evolução. A adaptação mais próxima da perfeição fornece provas que são muito menos fortes. Por exemplo, considera o facto de que os tubarões e as baleias têm ambos uma forma corporal aerodinâmica. É isto uma prova de que têm um antepassado comum? Eu diria que não. Há uma razão funcional óbvia para que criaturas que passam as suas vidas nadando na água devam ter esta forma. Se existir vida noutras galáxias e se alguma dessa vida for tão grande como uma baleia ou um tubarão e também viva na água, é provável que esperemos que tenha esta forma. Mesmo que a vida terrestre e a vida noutras galáxias não descendam de antepassados comuns, há algumas semelhanças que apesar de tudo esperaríamos encontrar. Concluo que a forma aerodinâmica das baleias e dos tubarões não é uma prova forte de que evoluíram de um antepassado comum. O princípio da surpresa explica por que algumas semelhanças, mas não outras, são indícios a favor da hipótese de que há uma árvore da vida que une todos os organismos na Terra.

Um novo problema

Até agora, o meu argumento centrou-se na comparação das duas hipóteses seguintes:

H1: A vida evoluiu pelo processo de selecção natural.
H2: Um artífice super-inteligente criou separadamente cada espécie e fez cada uma delas perfeitamente adaptada ao seu ambiente.

O meu ponto de vista é que as observações disponíveis favorecem a primeira hipótese e não a segunda.

Há, contudo, outras hipóteses além de H2 que podem dar corpo à ideia de que o desígnio inteligente faz parte da explicação de algumas características que observamos no mundo vivo. Como foi mencionado, o criacionismo tem muitas formas; H2 é apenas uma delas. Considera, por exemplo, a hipótese seguinte:

H3: Deus criou cada espécie separadamente, mas dotou-as com as exactas características que teriam se tivessem evoluído por selecção natural.

H3 é uma carta tirada da manga; embora as observações que mencionei favoreçam fortemente H1 em detrimento de H2, não favorecem fortemente H1 em detrimento de H3. Nada do que disse mostra que a teoria evolucionista é superior à forma de criacionismo que acabei de descrever.

Equivalência quanto à previsibilidade

Por que é isto assim? A razão é que H1 e H3 são equivalentes quanto à previsibilidade. Se H1 prevê que a vida terá uma característica particular, H3 também. Embora as semelhanças arbitrárias e as adaptações imperfeitas afastem H2, são perfeitamente consistentes com H3.

Significa isto que a hipótese da evolução, H1, está muito bem apoiada? Não o diria. Considera o seguinte par de hipóteses:

J1: Estás agora a olhar para uma página impressa.
J2: Estás agora a olhar para um salame.

Tens indícios excelentes de que J1 é verdadeira e de que J2 é falsa. J1 prevê que estás a ter experiências sensoriais particulares; se J1 é verdadeira, deves ter certas sensações visuais, tácteis e gustativas (por favor, prova um pouco desta página). J2 faz previsões completamente diferentes sobre estas matérias. As experiências sensoriais que estás a ter agora favorecem fortemente J1 em detrimento de J2.

Introduzamos, contudo, agora uma carta tirada da manga. Que indícios tens de que J1, em detrimento de J3, é verdadeira?

J3: Não há qualquer página impressa à tua frente, mas alguém te engana agora sistematicamente para que penses que há uma página impressa à tua frente.

J1 e J3 são equivalentes quanto à previsibilidade. As experiências que tens agora dizem-te que J1 é mais plausível que J2, mas não favorecem fortemente J1 em relação a J3.

Na secção deste livro que trata das Meditações de Descartes (Lição 13), o problema de escolher entre J1 e J3 será examinado em detalhe. Por agora, o que quero que vejas é isto: quando perguntas se uma hipótese (H1 ou J1, por exemplo) é fortemente suportada pelos indícios, tens de te perguntar quais são as alternativas contra as quais a hipótese será comparada. Se comparas H1 (ou J1) com H2 (ou J2), concluirás que H1 (ou J1) é muito bem suportada. Contudo, o problema toma um carácter muito diferente se comparas H1 com H3 (ou J1 com J3). Este é um ponto que discuti quando introduzi o princípio da surpresa na Lição 3.

A versão de Paley do criacionismo

Onde entra a versão de Paley da hipótese do desígnio na nossa discussão do criacionismo? Bem, Paley ocupa montes de páginas no seu livro Natural Theology glorificando o que considera a perfeição dos dispositivos adaptativos encontrados na natureza. Descreve o que toma como a perfeição da natureza com o fim de desenvolver uma imagem mais detalhada das características que o artífice inteligente possui. Por exemplo, Paley pensa que os organismos são em geral felizes; pensa que isto mostra que Deus é benevolente. Contudo, a discussão de Paley da perfeição adaptativa surge depois de apresentar o seu argumento de que um artífice inteligente existe. Paley é muito cuidadoso em separar o seu argumento inicial de que Deus existe dos seus argumentos subsequentes que tentam estabelecer as características de Deus. E quando examinamos os argumentos de Paley a favor da existência de Deus, verificamos que Paley diz de forma muito clara que o seu argumento não depende da sua observação de que as adaptações são perfeitas. Mesmo que o relógio que encontrámos na praia marcasse o tempo de forma imperfeita, concluiríamos ainda que tinha sido produzido por desígnio inteligente. Paley conclui, pelo mesmo raciocínio, que a hipótese do desígnio é extraordinariamente plausível mesmo que verifiquemos que os organismos não estão perfeitamente adaptados ao seu meio.

Temos portanto que concluir que H2 não é a melhor forma de representar a versão do criacionismo que Paley queria defender. O problema não é que H2 deturpe aquilo em que Paley acreditava. O problema é que o argumento de Paley a favor da existência de um artífice inteligente sustenta uma versão do criacionismo que não prevê que os organismos estarão perfeitamente ou imperfeitamente adaptados. Por conseguinte, o facto de H1 ser melhor suportada do que H2 não determina se H1 é melhor suportada do que a simples hipótese de que a vida tem propriedades que são devidas ao desígnio inteligente. Chamemos a esta hipótese básica e minimalista H4.

As versões do criacionismo que designei H2 e H3 fazem previsões acerca do que observamos. É por isto que somos capazes de comparar estas previsões com as que são geradas pela teoria evolucionista. Contudo, o que H4 prevê acerca das características das coisas vivas? O problema é que H4 parece não ser testável. Não se pode dizer que a teoria evolucionista é melhor suportada pelas observações do que H4; a razão é que é impossível avaliar o que H4 nos diz para esperarmos quando olhamos para os organismos. Voltaremos ao conceito de testabilidade na Lição 9.

Notas finais

O criacionismo aparece sob muitas formas. Algumas fazem previsões muito específicas acerca do que observamos. A versão que diz que Deus fez os organismos de modo a que estejam perfeitamente adaptados aos seus ambientes faz previsões que não estão de acordo com o que observamos. A versão que diz que Deus fez os organismos parecer exactamente como pareceriam se tivessem evoluído por processos de selecção natural cegos faz as mesmas previsões que a teoria evolucionista e assim as nossas observações não permitem distinguir entre a teoria evolucionista e esta versão “imitativa” do criacionismo. Finalmente, a versão simples e minimalista do criacionismo, que diz que Deus teve algum impacto (não especificado) nas características das coisas vivas não é, sugiro, testável. Não encontrámos uma versão do criacionismo que faça previsões específicas acerca do que observamos e que seja melhor suportada pelas observações do que a teoria evolucionista. Haverá uma versão do criacionismo que tenha estas duas características?

Questões de revisão

  1. Quais são os dois elementos principais da teoria de Darwin?
  2. Descreve o que o princípio da causa comum diz. Como se relaciona este princípio com o princípio da surpresa? Como é usado pelos biólogos para decidir se as diferentes espécies têm um antepassado comum?
  3. O genetista François Jacob disse (em “Evolution and Tinkering”, Science, Vol. 196, 1977, pp. 1161–1166) que a “selecção natural não trabalha como o engenheiro. Trabalha como um funileiro — um funileiro que não sabe exactamente o que irá produzir mas usa tudo o que encontra ao seu redor”. O que é que Jacob tem em mente aqui? Como é este aspecto relevante para avaliar se a hipótese da evolução ou a hipótese do desígnio inteligente é uma explicação mais plausível das características das coisas vivas?
  4. O que significa dizer que duas teorias são equivalentes quanto à previsibilidade? Pode a hipótese do desígnio ser formulada de modo tal que a existência de adaptações imperfeitas não constitua prova contra ela?

Problemas para promover a reflexão

  1. Louis Pasteur (1822–1895) desenvolveu provas científicas contra a hipótese da “geração espontânea”. Por exemplo, argumentou que as larvas que se desenvolvem na carne putrefacta não são o resultado da vida gerando-se espontaneamente a partir de materiais não-vivos; as larvas nasceram de ovos deixados aí pelos seus progenitores. A descoberta de Pasteur significa que a vida não poderia ter evoluído de materiais não-vivos?
  2. Supõe que és um membro da tripulação do Star Ship Enterprise, preso num novo planeta. Sabes que existe aí vida inteligente; a questão a que queres responder é se estas formas de vida alguma vez tiveram qualquer contacto com a Terra. Quais as espécies de observações que seriam relevantes e quais as que seriam irrelevantes para esta questão? Defende a tua interpretação. Como se relaciona este problema com o princípio da causa comum?
Elliott Sober
Core Questions in Philosophy (Prentice Hall, Upper Saddle River, 2001), pp. 61–74.
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ISSN 1749-8457