As observações que fazemos acerca de obras de arte são de diversos géneros. Neste artigo quero distinguir entre dois grupos amplos. Afirmamos que um romance tem um grande número de personagens e que é acerca da vida numa cidade fabril; que uma pintura tem cores suaves, predominantemente azuis e verdes, e que exibe figuras ajoelhadas em primeiro plano; que o tema numa fuga ocorre invertido num dado ponto e que há um stretto no final; que a ação de uma peça decorre no período de um dia e que há uma cena de reconciliação no quinto acto. Essas observações podem ser feitas, e pode-se chamar a atenção para as ditas características, a qualquer pessoa dotada de visão, audição e inteligência normais. Por outro lado, afirmamos também que um poema é denso ou profundamente tocante; que uma imagem é desprovida de equilíbrio, ou que tem uma certa serenidade e quietude, ou que a distribuição dos elementos gera uma tensão excitante; que os personagens de um romance nunca chegam a ganhar vida, ou que um dado episódio não parece genuíno. Fazer observações como essas requer o exercício do gosto, da perspicácia, ou sensibilidade, do discernimento ou apreciação estéticos. Consequentemente, quando uma palavra ou expressão é tal que a sua aplicação exige o gosto ou a perspicácia, chamar-lhe-ei um termo ou expressão estético, e, em conformidade, falarei de conceitos estéticos ou conceitos de gosto.1
Os termos estéticos abrangem um vasto âmbito de tipos e podem ser agrupados em diversos géneros e subespécies. Mas o que pretendo aqui não é tentar levar a cabo essa classificação; estou interessado no que todos têm em comum. A sua quase infinda variedade mostra-se adequadamente na seguinte lista: unificado, equilibrado, integrado, inanimado, sereno, sombrio, dinâmico, poderoso, vívido, delicado, tocante, vulgar, sentimental, trágico. A lista, evidentemente, não se limita a adjetivos; certas expressões em contextos artísticos como “contraste revelador”, “gera uma tensão”, “transmite um sentido de” ou “confere coesão” são ilustrações igualmente boas. Nela se incluem termos usados tanto por leigos como por críticos, bem como alguns que são sobretudo prerrogativa de críticos profissionais e especialistas.
Procurei os meus exemplos de expressões estéticas, antes de mais, no discurso crítico e valorativo acerca de obras de arte, porque é aí onde elas são particularmente abundantes. Mas agora quero alargar o tópico; aplicamos termos cujo uso exige um exercício do gosto não só ao discutir as artes mas bastante livremente no discurso quotidiano. Os exemplos dados acima são expressões que, surgindo em contextos de crítica, têm mais frequentemente, se não invariavelmente, um uso estético; fora do discurso crítico, a maioria deles tem frequentemente outro uso, não relacionado com o gosto. Mas muitas expressões têm uma função dupla mesmo na linguagem do dia-a-dia, sendo por vezes usadas como expressões estéticas e por vezes não. Outras palavras, mais uma vez, quer no discurso artístico quer no quotidiano, funcionam somente ou predominantemente como termos estéticos; são deste tipo gracioso, delicado, mimoso, bem-parecido, donairoso, elegante, garrido. Por fim, para contrastar com todos os exemplos anteriores, há muitas palavras que só raramente são usadas como termos estéticos: vermelho, ruidoso, salobro, pastoso, quadrado, dócil, curvo, evanescente, inteligente, fiel, abandonado, indolente, caprichoso.
Evidentemente, ao usar as palavras como termos estéticos estamos não raro fazendo e usando metáforas, impondo a realização desse papel a palavras que não funcionam primariamente desse modo. É também certo que muitas palavras vieram a ser termos estéticos por meio de algum tipo de transferência metafórica. Isto sucede em termos como “dinâmico”, “melancólico”, “equilibrado”, “denso”, os quais, exceto em textos artísticos e críticos, não são normalmente termos estéticos. Mas não devemos pensar que o vocabulário estético é inteiramente metafórico. Muitas palavras, incluindo as mais comuns (adorável, bonito, belo, mimoso, gracioso, elegante), por certo não estão a ser usadas metaforicamente quando as usamos como termos estéticos, sendo uma muito boa razão para isso a de que esse é o seu uso primário ou único, sucedendo que alguns não têm sequer um uso não estético corrente. E embora expressões como “dinâmico”, “equilibrado”, etc., tenham vindo por um meio metafórico a ser termos estéticos, não se pode bem dizer que o seu uso na crítica é pouco mais do que quase-metafórico. Tendo entrado na linguagem da descrição e crítica da arte como metáforas, constituem hoje o vocabulário canónico dessa linguagem.2
As expressões a que chamo “termos estéticos” formam uma parte considerável do nosso discurso. Não raro, é verdade, as pessoas de inteligência normal e boa visão e audição carecem, em certa medida pelo menos, da sensibilidade que a sua aplicação exige; uma pessoa não tem de ser estúpida ou ter fraca acuidade visual para não ver que algo é gracioso. Assim, o gosto ou a sensibilidade é algo mais raro do que outras capacidades humanas; as pessoas que manifestam uma sensibilidade simultaneamente abrangente e refinada são uma minoria. É também acerca da aplicação de termos estéticos que, notoriamente, as disputas e diferenças por vezes se tornam irremediavelmente irresolutas. Mas quase toda a gente é capaz de exercitar o gosto até certo ponto em alguns assuntos. É surpreendente, portanto, que os termos estéticos tenham sido tão largamente descurados. Receberam um tratamento superficial no decorrer de outras discussões em estética; mas enquanto categoria ampla não foram alvo da atenção directa que merecem.
O que afirmei demarcou a área que desejo discutir. Deveria talvez deixar um alerta. Ao falar de gosto neste artigo não tratarei de questões centradas em expressões como “uma questão de gosto” (querendo com isso dizer, aproximadamente, uma questão de preferência ou inclinação pessoal). É numa capacidade para notar ou discernir coisas que estou interessado.
De modo a defender a nossa aplicação de um termo estético, não raro nos referimos a características cuja menção envolve outros termos estéticos: “tem uma extraordinária vitalidade devido ao seu estilo de desenho livre e vigoroso”, “gracioso na suave fluidez das suas linhas”, “mimoso devido à delicadeza e harmonia das cores”. É tão normal fazer isto como o é justificar um epíteto mental por meio de outros epítetos com o mesmo grau de generalidade, inteligente por engenhoso, inventivo, perspicaz, e assim por diante. Mas sucede frequentemente, quando aplicamos termos estéticos, explicarmos o porquê referindo características cujo reconhecimento não depende de um exercício do gosto: “delicado por causa dos tons pastel e linhas sinuosas” ou “não tem equilíbrio porque um grupo de figuras está demasiado afastado para a esquerda e tem demasiada luz”. Quando nenhuma explicação deste género é dada, é legítimo pedir ou procurar uma. Encontrar uma resposta satisfatória pode por vezes ser difícil, mas não há normalmente como rejeitar a pergunta. Quando não conseguimos nós próprios explicitar ao certo que características não estéticas fazem algo ser delicado ou desequilibrado ou poderoso ou tocante, o bom crítico não raro aponta na direção do que nos parece a explicação correcta. Resumindo, as palavras estéticas aplicam-se fundamentalmente em virtude, e as qualidades estéticas fundamentalmente dependem, da presença de características que, como as linhas curvas ou angulosas, contrastes de cores, disposição de volumes ou ligeireza de movimentos, são visíveis, audíveis ou de algum modo discerníveis na ausência de qualquer exercício do gosto ou da sensibilidade. Independentemente de que tipo de relação de dependência se trata – e há diversas relações entre qualidades estéticas e características não estéticas – o que quero deixar claro nesta secção é que não há quaisquer características não estéticas que sirvam de condições para aplicar termos estéticos. Neste aspeto, os conceitos estéticos ou de gosto não são, de modo algum, regidos por condições.
Não há grande tentação de supor que os termos estéticos se assemelham a palavras que, como “quadrado”, se aplicam em conformidade com um conjunto de condições necessárias e suficientes. Pois enquanto cada quadrado é quadrado em virtude do mesmo conjunto de condições – quatro lados iguais e quatro ângulos retos – os termos estéticos aplicam-se a objetos muito diversos; uma coisa é graciosa por causa dessas características, outra o é por causa daquelas, e assim por diante numa sucessão quase interminável. Recentemente, os filósofos quebraram o feitiço do modelo estrito das necessárias-e-suficientes, ao mostrarem que muitos conceitos do dia-a-dia não são desse tipo. Ao invés, descreveram diversos outros tipos de conceitos que são regidos por condições somente de um modo muito mais lasso. Contudo, uma vez que estes novos modelos proporcionam explicações satisfatórias de muitos conceitos familiares, poderá parecer plausível pensar que os conceitos estéticos são de um tipo semelhante e que, analogamente, são regidos por condições de um modo mais lasso. Pretendo argumentar que os conceitos estéticos diferem radicalmente de quaisquer conceitos desse género.
Entre esses conceitos a que se tem recentemente prestado atenção estão aqueles para os quais nenhumas condições necessárias se pode dar, mas para os quais há uma série de características relevantes, A, B, C, D, E, tais que a presença de alguns grupos ou combinações dessas características é suficiente para a aplicação do conceito. A lista de características relevantes pode ser aberta; ou seja, dados A, B, C, D, E, podemos não querer fechar a possível relevância de outras características não listadas além de E. Exemplos desses conceitos serão talvez “dilatório”, “descortês”, “possessivo”, “caprichoso”, “próspero”, “inteligente” (mas veja abaixo). Se iniciarmos a redação uma lista de características relevantes para “inteligente”com, por exemplo, a capacidade de compreender e seguir diversos tipos de instruções, a capacidade de dominar factos e reunir indícios, a capacidade de resolver problemas matemáticos ou xadrezísticos, podemos continuar quase indefinidamente a acrescentar itens a esta lista.
Contudo, com conceitos deste género, embora se possa ter de tomar decisões e exercer o discernimento, é sempre possível extrair e afirmar, a partir de casos que foram já claramente decididos, os conjuntos de características ou condições considerados suficientes nesses mesmos casos. Essas características relevantes a que chamo “condições” são, há que notar, características que, embora não sendo suficientes por si só e tendo de ser combinadas com outras características semelhantes, nunca deixam de ter algum peso e somente podem contar num sentido. Ser um bom jogador de xadrez só pode contar a favor e não contra a inteligência. Ao passo que mencionar isso pode figurar razoavelmente em combinação com outras observações em expressões como “Digo que ele é inteligente porque (…)” ou “a razão por que lhe chamo inteligente é que (…)”, não pode ser usado para completar expressões negativas como “Digo que ele não é inteligente porque (…)” mas o que quero sublinhar particularmente acerca de características que funcionam como condições para um termo é que algum grupo ou conjunto delas é suficiente para garantir plenamente ou justificar a aplicação desse termo. Um indivíduo caracterizado por algumas destas características pode não se qualificar ainda para ser considerado, acima de toda a dúvida, preguiçoso ou inteligente, e assim por diante, mas basta acrescentar um número (indefinido) de caracterizações ulteriores semelhantes e chegar-se-á ao ponto em que temos o suficiente. Há indivíduos com uma série dessas características de quem não se pode negar, a quem não há como não reconhecer, que são inteligentes. Deixámos para trás as condições necessárias-e-suficientes, mas continuamos no domínio das condições.
Porém, os conceitos estéticos não são regidos por condições sequer deste modo. Não há condições suficientes, nenhumas características não estéticas tais que a presença de algum conjunto ou número delas justificará ou garantirá, acima de qualquer dúvida, a aplicação de um termo estético. É impossível (salvo certas exceções limitadas, veja abaixo) fazer quaisquer afirmações correspondentes às que podemos fazer relativamente a palavras regidas por condições. Podemos afirmar “Se é verdade que ele pode fazer isto, e aquilo, e aqueloutro, então simplesmente não há como negar que ele é inteligente”, ou “Se ele faz A, B e C, não vejo como se pode negar que é preguiçoso”, mas não podemos fazer qualquer afirmação geral da forma “Se o vaso é rosa pálido, algo curvilíneo, ligeiramente manchado, e assim por diante, será delicado, não pode senão ser delicado”. Tão-pouco, mais uma vez, se pode afirmar aqui seja o que for de semelhante a “Ser alto e fino não é por si só suficiente para garantir que um vaso é delicado, mas se for, por exemplo, também ligeiramente curvilíneo e de cor desbotada (e assim por diante), não haverá como o negar”. As coisas podem ser-nos descritas em termos não estéticos tão completamente quanto nos aprouver, mas não ficamos desse modo na posição de ter de admitir (ou de não ter como negar) que são delicadas ou graciosas ou garridas ou finamente equilibradas.3
Há sem dúvida alguns aspetos em que os termos estéticos são regidos por condições ou regras. Por exemplo, pode ser impossível algo ser garrido se todas as suas cores forem pastéis suaves, ou extravagante se todas as suas linhas forem retas. Pode haver, isto é, descrições que usam somente termos não estéticos incompatíveis com descrições que usam determinados termos estéticos. Se me dizem que uma pintura na sala ao lado consiste unicamente em uma ou duas faixas de azul e cinza muito ténues dispostos em ângulos retos sobre uma base de bege claro, posso estar certo de que não pode ser ardente ou garrido ou extravagante. Uma descrição deste género pode tornar inaplicáveis ou inapropriados certos termos estéticos; e se a partir desta descrição inferi que a imagem era, ou que sequer podia ser, ardente ou garrida ou extravagante, isso poderia ser tomado como denunciando uma incompreensão dessas palavras. Não quero negar portanto que os conceitos de gosto podem ser negativamente regidos por condições.4 O que sublinho é que são desprovidos de condições regulativas de um género que muitos outros conceitos possuem. Embora ao ver a imagem possamos afirmar com razão que é delicada ou serena ou tranquila ou débil ou insípida, nenhuma descrição em palavras não estéticas nos permite afirmar que esses ou quaisquer outros termos estéticos têm inegavelmente de se lhe aplicar.
Afirmei que se um objeto é caracterizado somente por determinados géneros de características isto pode contar decisivamente contra a possibilidade de se lhe aplicar determinadas palavras estéticas. Mas evidentemente, a presença de apenas algumas dessas características não tem de contar decisivamente; outras características podem ser suficientes para superar aquelas que, por si só, tornariam inaplicável o termo estético. Uma pintura pode ser garrida ainda que muitas das suas cores sejam suaves. Estes factos chamam a nossa atenção para uma característica ulterior dos conceitos de gosto. Pode-se encontrar características ou descrições gerais que num certo sentido contam somente numa direção, somente a favor ou contra a aplicação de determinados termos estéticos. A angulosidade, a corpulência, a luminosidade ou a intensidade cromática não estão tipicamente associadas à delicadeza ou à graça. A esbeltez, a leveza, as curvas suaves, a ausência de intensidade cromática estão associadas à delicadeza, mas não à extravagância, à majestade, à grandiosidade, ao esplendor ou à garridice. Isto vê-se na naturalidade de afirmar, por exemplo, que alguém é gracioso porque é tão leve, mas apesar de ser bastante anguloso ou corpulento; e pela correspondente estranheza de afirmar que algo é gracioso porque é tão corpulento ou anguloso, ou que é delicado por causa do seu brilho e intensidade cromática. Isto pode portanto soar muito semelhante ao que afirmei já acerca de condições. Ainda assim, há muitas diferenças significativas. Apesar deste sentido em que a esbeltez, a leveza, a falta de intensidade cromática, e assim por diante, contam somente a favor e não contra a delicadeza, pode-se afirmar, quando muito, que estas características contam apenas tipicamente ou caracteristicamente a favor da delicadeza; não contam a favor no mesmo sentido em que as características-condições contam a favor da preguiça ou da inteligência.
Um modo de reforçar isso é notar de que modo características tipicamente associadas a um termo estético podem também estar analogamente associadas a outros termos estéticos, um tanto diferentes. “Gracioso” e “delicado” podem, por um lado, contrastar fortemente com termos como “violento”, “imponente”, “fogoso”, “garrido” ou “massivo”, que têm características não estéticas típicas muito diferentes das que estão associadas a “delicado” e “gracioso”. Por outro lado, também se os pode contrastar com termos estéticos que lhes são muito mais próximos, como “flácido”, “frágil”, “esmaecido”, “esgalgado”, “anémico”, “macilento”, “insípido”; e o âmbito de características típicas destas qualidades, cor pálida, esbeltez, leveza, ausência de angulosidade e contrastes acentuados, é praticamente idêntico ao âmbito para “delicado” e “gracioso”. De igual modo, muitas características tipicamente associadas a “jubiloso”, “fogoso”, “robusto”, ou “dinâmico” são idênticas às associadas a “garrido”, “estridente”, “turbulento”, “ostentoso”, ou “caótico”. Assim, um objeto descrito com o máximo detalhe, mas exclusivamente em termos de qualidades características da delicadeza, pode mostrar-se, a um olhar mais atento, não ser de todo delicado, mas anémico e insípido. Os fracassos dos principiantes e dos artisticamente ineptos demonstram que a semelhança muito próxima em termos de linha, cor ou técnica não dá qualquer garantia de graciosidade ou delicadeza. Um fracasso e um sucesso à maneira de Degas podem ser geralmente mais semelhantes entre si, na medida das suas características não estéticas, do que qualquer deles se assemelha a um Fragonard bem-sucedido. Mas não é necessário sequer ir tão longe para defender a minha ideia principal. Uma pintura que tem somente o tipo de características que se associaria ao vigor e energia mas que mesmo assim não chega a ser vigorosa e enérgica não tem de ter qualquer outro caráter; não tem de ser, ao invés, digamos, estridente ou caótica. Pode não ter de todo qualquer caráter particular. Pode exibir cores vivas e características semelhantes, sem ser de modo algum particularmente vívida e vigorosa; mas é possível que tão-pouco nos sintamos capazes de a descrever como caótica ou estridente ou garrida. Sucede antes que a pintura é simplesmente desprovida de caráter (embora, evidentemente, também isso seja um juízo estético; o gosto se exerce também ao ver que a pintura é desprovida de caráter).
Há evidentemente muitas características que não contam tipicamente deste modo a favor (ou contra) qualidades estéticas particulares. Um poema tem força e poder devido à regularidade da sua métrica e rima; outro é monótono e desprovido de ímpeto e força devido à sua métrica e rima regulares. Não sentimos a necessidade de permutar “devido a” por “apesar de”. Contudo, concentrei-me em características tipicamente associadas a qualidades estéticas porque, em se podendo argumentar a favor da perspectiva de que os conceitos de gosto são regidos por condições, essas seriam aparentemente as candidatas mais promissoras a condições regentes da aplicabilidade. Mas afirmar que dadas características estão associadas apenas tipicamente com um termo estético é afirmar que não são condições; nenhuma descrição, por mais detalhada que seja, mesmo em termos característicos da graciosidade, elimina toda a dúvida de que algo é gracioso, do modo como uma descrição pode eliminar toda a dúvida de que alguém é preguiçoso ou inteligente.
É importante observar que não venho somente afirmando a impossibilidade de se formular quaisquer condições suficientes para os conceitos de gosto. Pois se tudo ficasse por aqui, os conceitos de gosto talvez não fossem afinal realmente diferentes de um tipo de conceito recentemente discutido. Poderíamos talvez acomodá-los juntamente com aqueles conceitos a que o Professor H. L. A. Hart chamou “revogáveis”; é uma característica dos conceitos revogáveis não se poder formular condições suficientes para eles porque, para quaisquer conjuntos que se apresente, haverá sempre uma lista (aberta) de condições revogantes, qualquer das quais pode bloquear a aplicação do conceito. O máximo que podemos esquematicamente afirmar para um conceito revogável é que, por exemplo, A, B e C são conjuntamente suficientes para a aplicação do conceito a menos que haja alguma característica que se sobrepõe àquelas ou as anula. Quero porém sublinhar que o próprio facto de podermos afirmar este género de coisa mostra que estamos ainda, nessa medida, no domínio das condições.5 As características que regem os conceitos revogáveis podem comummente contar apenas num sentido: ou a favor ou contra. Para tomar o exemplo de Hart, “oferta” e “aceitação” podem contar somente a favor da existência de um contrato válido, e a representação errónea fraudulenta, a coação e a demência só podem contar contra. E mesmo com conceitos revogáveis, se nos informam de que nenhuma característica revogante está presente, podemos saber que algum conjunto de características, A, B, C, (…), é suficiente, dada essa ausência de características revogantes, para garantir, por exemplo, que há um contrato. A própria noção de um conceito revogável parece exigir que algum grupo de características seria suficiente na ausência de características prioritárias ou revogantes. Os conceitos revogáveis são portanto desprovidos de condições suficientes, mas são ainda assim, no sentido descrito, regidos por condições. A minha tese acerca dos conceitos de gosto é mais forte: que não são de todo, exceto negativamente, regidos por condições. Não poderíamos concluir, ainda que fôssemos informados da ausência de todas as características “revogantes” ou atípicas (nada de angulosidades e coisas semelhantes), que um objeto tem seguramente de ser gracioso, por muito detalhadamente que no-lo descrevessem como tendo características típicas da graciosidade.
Os meus argumentos e ilustrações até agora têm sido muito simplesmente esquemáticos. Numerosos conceitos, incluindo a maioria dos exemplos que usei (inteligente, etc.), são muito mais plenamente abertos e complexos do que sugerem as minhas ilustrações. Não só pode haver uma lista aberta de condições relevantes; pode ser impossível fornecer regras que discriminem quantas características na lista, ou em que combinações, se requer para um conjunto suficiente; impossível, analogamente, fornecer regras que abranjam a extensão ou medida a que essas características têm de estar presentes, nessas combinações. Na verdade, podemos ter de abandonar como fútil qualquer tentativa de descrever condições ou formular regras, contentando-nos somente com dar uma explicação muito geral do conceito, referindo amostras ou casos ou precedentes. Não podemos portanto dominar ou usar estes conceitos simplesmente por estarmos munidos de listas de condições, procedimentos prontos a aplicar ou conjuntos de regras, por muito complexas que sejam. Pois para exibir domínio de um destes conceitos temos de ser capazes de avançar e aplicar a palavra correctamente a novos casos individuais, pelo menos a casos centrais; e cada novo caso pode ser um objeto singularmente diferente, tal como cada criança ou aluno inteligente pode diferir de outras em características relevantes e exibir uma combinação única de tipos e graus de consecução e aptidão. Regras e procedimentos mecânicos seriam inúteis para lidar com estes novos casos; temos de exercitar o discernimento, orientados por um conjunto complexo de exemplos e precedentes. Aqui há portanto uma semelhança superficial assinalável com os conceitos estéticos. Porquanto ao usar conceitos estéticos aprendemos com amostras e exemplos, não por meio de regras, e temos também de aplicar esses conceitos, na ausência de orientação por regras ou procedimentos prontamente aplicáveis, a circunstâncias novas e únicas. Nenhum dos tipos de conceito é suscetível de um uso “mecânico”.
Não obstante, é pelo menos digno de nota que ao aplicar palavras como “preguiçoso” ou “inteligente” a casos novos e únicos se diz que temos de exercer o discernimento; seria na verdade estranho afirmar que exercitamos o gosto. Ao exercer o discernimento espera-se que ponderemos os prós e contras, e talvez ocasionalmente decidamos se uma característica inteiramente nova deve contar a favor de uma ou outra posição. Mas isto vai no sentido de mostrar que, embora possamos aprender a partir de, e apoiarmo-nos em, amostras e precedentes em vez de num conjunto de condições explícitas, não saímos do domínio das condições gerais e princípios orientadores. As amostras e os precedentes necessariamente dão corpo e são usados por nós para ilustrar a teia complexa de condições regulativas e relevantes. Para tirar proveito dos precedentes temos de os compreender; e temos de argumentar consistentemente de caso para caso. É justamente esta a função dos precedentes. Assim, é possível, inclusive com esses mesmos conceitos frouxamente regidos por condições, tomar casos evidentes ou paradigmáticos e afirmar “isto é X porque…”, fazendo-a acompanhar-se de características que decidem a questão.
Nada de semelhante é possível com termos estéticos. Os exemplos sem dúvida desempenham um papel crucial em dar-nos um domínio destes conceitos; mas a partir destes exemplos não derivamos, nem o podemos fazer, quaisquer condições e princípios, por muito complexos que sejam, que nos orientem consistente e inteligivelmente na aplicação dos termos a casos novos. Quando, com um caso claro de algo que é realmente gracioso ou equilibrado ou denso mas o qual não vi, alguém me diz por que razão o é, que características o fazem ser assim, é-me sempre possível indagar se, apesar destas características, se trata ou não de algo realmente gracioso, equilibrado, e assim por diante.
A ideia a favor da qual argumentei pode ser reforçada do seguinte modo. Alguém que não chegou a compreender a natureza dos conceitos de gosto, ou alguém que, sabendo-se desprovido de sensibilidade em assuntos estéticos, não quisesse revelar este seu defeito, poderia, por meio de observação assídua e astuta, munir-se de algumas regras e generalizações; e por procedimentos indutivos e adivinhação inteligente, poderia frequentemente fazer afirmações acertadas. Mas não poderia ter grande confiança ou certeza; uma ligeira mudança num objeto pode a qualquer momento arruinar os seus cálculos, e tão facilmente sucederia a pessoa estar errada como certa. Independentemente de quão cuidadosa em elaborar um conjunto de princípios e condições consistentes, não estaria senão na posição de pensar que o objeto é muito possivelmente delicado. Com conceitos como preguiçoso, inteligente ou contrato, alguém que formule inteligentemente regras que com frequência o orientassem acertadamente mostraria desse modo uma compreensão incipiente desses conceitos; mas a pessoa que consideramos não começa sequer a mostrar apercebimento do que a delicadeza é. Embora por vezes faça afirmações acertadas, não viu, mas adivinhou, que o objeto é delicado. Por muito inteligente que possa ser, poderíamos com facilidade dizer-lhe erroneamente que algo é delicado e “explicar” porquê sem que ela fosse capaz de detetar o logro. (Ignoro aqui complicações acerca de condições negativas.) Mas se fizéssemos o mesmo com, digamos, “inteligente” ela poderia pelo menos com alguma frequência descobrir uma ou outra incompatibilidade que teria de ser explicada. Num mundo de seres como ela própria, não teria uso para conceitos como o de delicadeza. Sendo assim, estes conceitos desempenhariam um papel muito diferente na sua vida. Por si própria, teria tantas razões para escolher objetos, imagens, etc., de bom gosto, quantas as que teria um surdo para evitar lugares ruidosos. Não se poderia elogiar essa pessoa por exercitar o gosto; quando muito poder-se-ia fazer menção ao seu engenho e inteligência. Ao “apreciar” imagens, estatuetas, poemas, estaria fazendo algo muito diferente do que outros fazem ao exercitar o gosto.
Neste ponto, quero notar de passagem que há ocasiões nas quais poderá parecer que uma palavra estética se podia aplicar de acordo com uma regra. A tipologia destes casos é variável; mencionarei apenas um desses tipos. Poder-se-ia dizer, ao usar “delicado” talvez a propósito de objetos em vidro, que quanto mais fino é o vidro, mantendo-se inalterado tudo o resto, mais delicado será o objeto. Analogamente, com tecidos, mobiliário, e assim por diante, há por vezes ocasiões em que quanto mais fino ou mais suave o acabamento ou mais intensamente polido algo é, maior será a certeza de que um ou outro termo estético se lhe aplica. Nessas ocasiões, alguém podia formular uma regra e segui-la ao aplicar a palavra a um dado âmbito de itens. Ora, pode suceder que por vezes, quando isto é assim, a palavra usada não é realmente um termo estético; “delicado”, quando o aplicamos a vidro deste modo pode por vezes não significar senão “fino” ou “frágil”. Mas isto, sem dúvida, não é sempre o que sucede; as pessoas não raro estão a exercitar o gosto mesmo quando dizem que o vidro é muito delicado por ser tão fino, e sabem que o seria menos caso fosse mais espesso e ainda mais se fosse mais fino. Estes casos em que parece haver regras são casos periféricos do uso de termos estéticos. Se alguém realmente se limitasse a seguir uma regra, não diríamos que estaria a exercitar o gosto, e hesitaríamos em admitir que a pessoa tem qualquer noção genuína de delicadeza até ela nos convencer de que é capaz de discernir essa qualidade noutras circunstâncias em que nenhuma regra estivesse disponível. Em todo o caso, estas ocasiões em que se pode aplicar palavras estéticas de acordo com uma regra são excecionais e não centrais ou típicas.6
Há que evitar a ideia de que a impossibilidade de formular quaisquer condições (que não negativas) para a aplicação de termos estéticos resulta de uma pobreza acidental ou falta de precisão na linguagem, ou que é simplesmente uma questão de complexidade extrema. É verdade que palavras como “rosa”, “azulado”, “curvilíneo”, “malhado” não suportam algo como um nomear específico de cada variedade de matiz, curva, mancha e mistura. Mas se fôssemos a dar nomes especiais muito mais livremente do que quer nós quer os especialistas o fazemos (e sem dúvida há limites que não poderíamos ultrapassar), ou mesmo se, em vez de nomes, usássemos um vasto número de espécimes e amostras de matizes, formas, manchas, linhas e configurações particulares, seria ainda assim impossível, e pelas mesmas razões, apresentar quaisquer condições.
É verdade que ao falar de acerca uma obra de arte nos interessamos pelas suas características individuais e específicas. Afirmamos que é delicada não só porque tem cores suaves mas por causa dessas mesmas cores suaves, que é gracioso não porque o seu contorno é ligeiramente curvilíneo mas por causa dessa mesma curvatura particular. Usamos expressões como “por causa da sua coloração suave”, “por causa dessas manchas de azul vivo”, “por causa desse modo de as linhas convergirem” em que é claro que nos referimos não à presença de características gerais mas a características muito específicas e particulares. Porém é óbvio que mesmo com a ajuda de nomes precisos ou mesmo amostras e ilustrações, de matizes de cor, contornos e linhas particulares, qualquer tentativa de formular condições seria fútil. Afinal, a mesmíssima característica, digamos, um género particular de matiz ou forma ou linha, que ajuda a fazer uma obra pode estragar inteiramente outra. “Seria bastante delicada se não fosse essa cor pálida ali” é algo que se pode afirmar acerca da mesmíssima cor que noutra pintura se destaca como largamente responsável pela sua qualidade delicada. Sem dúvida que um modo de colocar isto é afirmar que as características responsáveis por algo ser delicado ou gracioso, e assim por diante, se combinam de um modo peculiar e único; que a qualidade estética depende exatamente dessa combinação individual ou única dessas mesmas cores e formas específicas, de tal modo que até uma ligeira modificação pode fazer toda a diferença. Nada se alcançará tentando isolar características distintas e generalizar acerca delas.
Argumentei que os conceitos de gosto não são e não podem ser regidos por condições ou regras.7 Não serem regidos deste modo é uma das suas características essenciais. Ao argumentar isto comecei por afirmar de um modo geral que nenhumas características não estéticas são possíveis candidatas a condições, e então considerei em particular tanto as características gerais “típicas” associadas a termos estéticos como as características individuais ou específicas que se encontra em objetos particulares. Não procurei examinar que relação há entre essas características individuais e qualidades estéticas. Um exame das locuções que usamos para nos referirmos às mesmas, quando explicamos ou sustentamos a aplicação de um termo estético, reforça com indícios linguísticos o facto de que seguramente não as apresentamos como condições explicativas ou justificativas. Quando nos perguntam por que afirmamos que uma certa pessoa é preguiçosa ou inteligente ou corajosa, perguntam-nos por aquilo em virtude do qual lhe chamamos isso; respondemos com “por causa do modo como frequentemente deixa o trabalho por terminar” ou “por causa da facilidade com que lida com tais e tais problemas”, e assim por diante. Mas quando nos perguntam por que, na nossa opinião, uma imagem é desprovida de equilíbrio ou tem um caráter sombrio, ou por que um poema é tocante ou rigidamente organizado, fazemos algo diferente. Podemos usar locuções semelhantes: “os seus versos têm força e variedade por causa do modo como lida com a métrica e faz uso da cesura” ou “é nobremente austera por causa da ausência de detalhe e da paleta restrita”. Mas podemos também exprimir o que queremos usando expressões muito diferentes: “é o tratamento da métrica e da cesura que é responsável pela sua força e variedade”, “a sua qualidade nobre e austera deve-se à ausência de detalhe e ao uso de uma paleta restrita”, “a sua ausência de equilíbrio resulta do destaque dado às figuras à esquerda”, “esses acordes menores fazem-na ser extremamente tocante”, “essas linhas convergentes dão-lhe uma extraordinária unidade”. Trata-se de locuções que não podemos permutar com “preguiçoso” ou “inteligente”; explicitar o que o faz ser preguiçoso, o que é responsável pela sua preguiça, aquilo a que esta se deve, é abordar uma questão inteiramente diferente.
Um após outro autor, em discussões recentes, tem insistido em como os juízos estéticos não são “mecânicos”: “Os críticos não formulam cânones gerais, aplicando-os a todas as obras de arte ou a classes delas”. “As questões técnicas podem ser resolvidas rapidamente pela aplicação de regras”, mas as questões estéticas “não podem ser resolvidas por qualquer método mecânico”. Ao invés, esses autores que escrevem sobre estética sublinharam que não há “substituto para o discernimento individual” com a sua “espontaneidade e especulação” e que “O cânone último (…) [é] o juízo de gosto pessoal”.8 O surpreendente é que, embora essas coisas venham sendo repetidas uma e outra vez, parece que ninguém afirmou o que se pretende dizer com “gosto” ou com a palavra “mecânico”. Há muitos juízos, além dos que requerem o gosto, que pressupõem a “espontaneidade” e o “discernimento individual” e não são “mecânicos”. Na ausência de uma comparação detalhada, não se pode ver de que modo particular os juízos estéticos não são “mecânicos” ou como diferem daqueloutros juízos, nem podemos sequer começar a especificar o que o gosto é. Isto é o que procurei fazer. Trata-se de uma característica típica e essencial dos juízos que usam um termo estético o não poderem ser feitos por apelo, no sentido explicado, a condições.9 Essa, creio, é uma característica lógica dos juízos em geral, embora tenha aqui argumentado somente no que respeita ao âmbito mais restrito dos juízos que usam termos estéticos. Faz parte do que “gosto” significa.
Uma razoável quantidade de trabalho sobre os conceitos estéticos continua por fazer. No restante deste artigo apresentarei algumas sugestões ulteriores que poderão ajudar no sentido da sua compreensão.
É provável que tornarmo-nos cientes de que os conceitos estéticos não são regidos por condições dê lugar a perplexidades sobre como conseguimos aplicar as palavras que formam o nosso vocabulário estético. Se não seguimos regras e não há condições a que apelar, como podemos saber em que circunstâncias são aplicáveis? Um modo muito natural de rebater esta questão é chamar a atenção para que outros géneros de conceitos tão-pouco são regidos por condições. Não aplicamos simples palavras para cores seguindo regras ou em conformidade com princípios. Vemos que o livro é vermelho olhando, tal como constatamos que o chá é doce provando-o. Assim também, poder-se-ia dizer, simplesmente vemos (ou não chegamos a ver) que as coisas são delicadas, equilibradas, etc. Este género de comparação entre o exercício do gosto e o uso dos cinco sentidos é de facto familiar; o próprio uso que fazemos da palavra “gosto” mostra que a comparação é provecta e bastante natural. Contudo, independentemente das semelhanças, há também muitas dissemelhanças. Não podemos tentar aqui uma comparação cuidadosa, embora fosse de grande utilidade; mas determinadas diferenças destacam-se, e deram aos autores que sublinharam o caráter não “mecânico” dos juízos estéticos ocasião para refletirem e se intrigarem com elas.
Em primeiro lugar, enquanto a nossa capacidade para discernir características estéticas depende de termos boa acuidade visual, audição, e assim por diante, as pessoas normalmente dotadas de sentidos e compreensão podem, ainda assim, não chegar a discerni-las. “As pessoas que assistem a um concerto, passeiam por uma galeria, leem um poema, podem ter, aproximadamente, perceções semelhantes, mas algumas apreendem razoavelmente mais do que outras”, afirma Miss McDonald; mas acrescenta ficar “perplexa por esta característica ‘no objeto’ que pode ser vista somente por um observador especialmente qualificado” e pergunta “O que é este ‘algo mais’?”10
É esta diferença entre qualidades estéticas e perceptivas que em parte conduz à perspectiva de que “as obras de arte são objetos esotéricos (…) não simples objetos de percepção”.11 Mas não há boa razão para chamar “esotérico” a um objeto apenas porque nele discernimos qualidades estéticas. Os objetos a que aplicamos palavras estéticas são dos mais diversos tipos e de modo algum esotéricos: pessoas e edifícios, flores e jardins, vasos e mobiliário, bem como poemas e música. Tão-pouco parece haver qualquer boa razão para chamar “esotéricas” às próprias qualidades. É verdade que alguém dotado de visão e audição perfeitas pode não as detetar, mas é certo que falamos em as observar e reparar nelas (“Reparou como era graciosa?”, “Observou o refinado equilíbrio em todas as suas pinturas?”). Na verdade, são de facto bastante familiares. Aprendemos ainda bastante jovens a usar muitas palavras estéticas, embora, como seria de esperar dada a sua dependência relativamente à nossa capacidade de ver, escutar, distinguir cores, e coisas semelhantes, não estejam entre as primeiras palavras que aprendemos; e a nossa mestria e sofisticação no seu uso desenvolvem-se com o resto do nosso vocabulário. Não são raridades; usa-se regularmente uma série delas no discurso quotidiano.
A segunda diferença notável entre o exercício do gosto e o uso dos cinco sentidos reside no modo como sustentamos os juízos em que se usa conceitos estéticos. Embora usemos estes conceitos na ausência de regras ou condições, é certo que defendemos ou sustentamos os nossos juízos e convencemos outros da sua correção, pelo discurso; “a disputa acerca da arte não é fútil”, como afirma a Miss Macdonald, pois os críticos de facto “procuram um certo tipo de explicação das obras de arte com o propósito de estabelecer juízos correctos”.12 Assim, embora essa disputa não consista em “inferências dedutivas ou indutivas” ou “raciocínios”, a sua ocorrência é suficiente para mostrar quão diferentes esses juízos são dos juízos perceptivos simples.
Ora, o discurso do crítico, como é evidente, não raro consiste em mencionar ou chamar a atenção para as características, incluindo algumas não estéticas facilmente discerníveis, das quais as qualidades estéticas dependem. Mas permanece a questão intrigante de como, mencionando estas características, o crítico justifica ou sustenta assim os seus juízos. Alguns autores recentes deram uma resposta a esta questão. Stuart Hampshire, por exemplo, afirma que “nos entregamos à discussão estética em prol do que podemos ver no caminho (…) se formos levados a ver o que há para ver no objeto, o propósito da discussão é alcançado (…) O propósito é fazer as pessoas verem estas características”.13 Ou seja, o discurso do crítico não raro serve para sustentar os seus juízos de um modo especial; leva-nos a ver o que ele viu, nomeadamente, as qualidades estéticas do objeto. Mas mesmo quando se concorda em como esse é um dos aspetos mais importantes do que os críticos fazem, a perplexidade tende a irromper novamente acerca de como o fazem. Como sucede que falando acerca de características da obra (em grande parte não estéticas) conseguimos levar outros a ver o que antes não viam? “Que género de dom é este que a conversa pode modificar? (…) A discussão não aperfeiçoa a acuidade visual e auditiva” (itálicos meus).14
Porém, é óbvio que aplicamos bem-sucedidamente termos estéticos, e não raro conseguimos, falando (e apontando e gesticulando de certa maneira), levar outros a verem o que nós vemos. Começa-se a suspeitar de que a perplexidade sobre como é possível fazer isto, e também a perplexidade sobre o caráter “esotérico” das qualidades estéticas, resultam de se ter em mente modelos filosóficos inapropriados. Quando alguém é incapaz de ver que o livro sobre a mesa é castanho, não podemos fazê-lo ver que o é falando; consequentemente, parece intrigante que possamos fazer alguém ver que o vaso é gracioso falando. Para eliminar esta perplexidade e reconhecer os conceitos e qualidades estéticos tal como realmente são, temos de abandonar modelos inadequados e investigar como efetivamente aplicamos estes conceitos. Havendo tanto interesse no que o crítico faz e acordo acerca disso, seria de esperar que houvesse descrições de como ele o faz. Mas pouco se disse acerca disso, e o que foi dito é insatisfatório.
Miss MacDonald,15 por exemplo, subscreve esta perspectiva da tarefa do crítico como apresentando “o que não é óbvio a uma inspeção casual ou desinformada”, e coloca de facto a pergunta “Que género de considerações estão envolvidas, e como, na justificação de um veredicto crítico?” (itálicos meus). Mas não procede, a partir daí, a dar uma resposta à pergunta. Dirige-se antes à questão diferente, embora relacionada, da interpretação das obras de arte. Em obras complexas, críticos diferentes afirmam, não raro justificadamente, discernir características diferentes; pelo que Miss Macdonald sugere que, no discurso crítico, o crítico nos leva a ver o que ele vê oferecendo-nos novas interpretações. Mas se a questão é “o que (o crítico) faz e como o faz”, não pode ser representado nem total nem principalmente como oferecendo novas interpretações. A sua tarefa consiste amiúde em simplesmente ajudar-nos a apreciar qualidades que outros críticos encontraram frequentemente nas obras que ele discute. Colocar a ênfase em novas interpretações é deixar intocada a questão de como, por meio do discurso, o crítico nos pode ajudar a ver ou as qualidades estéticas que se aprecia pela primeira vez ou as antigas. Em qualquer dos casos, além dos poemas ou peças complexos que podem suportar muitas interpretações, há também casos relativamente simples. Há também vasos, edifícios e mobiliário, para não falar em rostos, pores-do-sol e paisagens, acerca dos quais não se coloca quaisquer questões de “interpretação” mas acerca dos quais falamos de modos semelhantes e fazemos juízos semelhantes. Pelo que a questão “intrigante” permanece: como sustentamos esses juízos e como levamos outros a verem o que nós vemos?
Hampshire,16 que partilha a crença de que o crítico nos leva “a ver o que há para ver no objeto”, apresenta algo em jeito de explicação de como o crítico faz isso. “O maior serviço prestado pelo crítico” é o de indicar, isolar e situar num enquadramento de atenção as “características particulares do objeto particular que o fazem ser feio ou belo”; porquanto é “difícil ver e escutar tudo o que há para ver e escutar”, e é simplesmente um preconceito supor que enquanto “as coisas realmente têm cores e formas (…) não existem literal e objetivamente concordâncias de cores e ritmos e equilíbrios de formas que percecionamos”. Contudo, estas “qualidades extraordinárias” que o crítico “pode ter visto (no sentido mais amplo de ‘ver’)” são “qualidades que não têm qualquer interesse prático directo”. Consequentemente, para nos levar a vê-las o crítico recorre “na sua descrição a um uso das palavras contrário ao natural”; “o vocabulário comum, tendo sido criado para fins práticos, impede qualquer percepção desinteressada das coisas”; e assim estas qualidades “são normalmente descritas metaforicamente por meio de alguma transferência de termos a partir do vocabulário comum”.
Muito do que Hampshire afirma está correcto. Mas há também algo bastante errado na perspectiva de que o vocabulário “comum” “impede” os nossos propósitos estéticos, de que é “contrário ao natural” tomar esse vocabulário e usá-lo metaforicamente, e de que o crítico “tem a necessidade de construir (…) um vocabulário em oposição à tendência principal da sua língua” (itálicos meus). Primeiro, embora frequentemente introduzamos novas metáforas de modo a descrever qualidades estéticas, não nos encontramos, de modo algum, sob a necessidade de arrancar o “vocabulário comum” aos seus usos “naturais” para servir os nossos propósitos. Existe de facto, como observei antes, um vasto e reconhecido vocabulário de termos estéticos, alguns dos quais, independentemente das suas origens metafóricas, não são agora de todo metáforas, sendo outros quase-metafóricos. Segundo, essa perspectiva de que o nosso uso da metáfora e quase-metáfora para fins estéticos é contrário ao natural ou um improviso ao qual somos forçados por uma linguagem concebida para outros fins é fundamentalmente uma representação errónea do caráter das qualidades estéticas e da linguagem estética. Nada há de contrário ao natural em usar palavras como “enérgico”, “dinâmico” ou “denso” no discurso crítico; essas palavras desempenham a sua função perfeitamente e são exatamente as palavras necessárias para os propósitos que servem. Não queremos nem precisamos de a elas substituir palavras desprovidas do elemento metafórico. Ao usá-las para descrever obras de arte, o propósito é justamente que notamos qualidades estéticas relacionadas com os significados literais ou comuns dessas palavras. Se tivéssemos uma palavra muito diferente de “dinâmico”, a qual pudéssemos usar para indicar uma qualidade estética não relacionada com o significado comum de “dinâmico”, não poderia ser usada para descrever aquela qualidade que “dinâmico” efetivamente serve para indicar. Hampshire imagina “uma colónia de estetas, desligados de necessidades práticas e manipulações” e afirma que “as descrições de qualidades estéticas, que para nós são metafóricas, poderão parecer-lhes terem um sentido inteiramente literal e familiar”; poderiam usar “um vocabulário descritivo mais directo”. Mas se tivessem um vocabulário novo e “directamente descritivo”, desprovido das ligações com as propriedades não estéticas e interesses que o nosso vocabulário possui, teriam de permanecer silenciosos acerca de muitas das qualidades estéticas que podemos descrever; além do que, sendo mais completamente “desligados de necessidades práticas” e outros apercebimentos e necessidades não estéticos, seriam forçosamente cegos a muitas qualidades estéticas que podemos apreciar. As ligações entre as qualidades estéticas e as não estéticas são ao mesmo tempo óbvias e vitais. Os conceitos estéticos, na sua totalidade, trazem consigo uma bagagem e estão, de um ou outro modo, vinculadas a características não estéticas, ou são parasitárias delas. O facto de muitos termos estéticos serem metafóricos ou quase-metafóricos de nenhum modo significa que a linguagem comum é um instrumento inadequado, com o qual temos de nos debater. Quando alguém escreve como Hampshire, suspeita-se mais uma vez de que a linguagem crítica está a ser ajuizada contra outros modelos. O uso de uma linguagem frequentemente metafórica pode ser estranho para algum outro propósito ou da perspectiva de se fazer outra coisa, mas para o propósito e da perspectiva de se fazer observações estéticas não o é. Afirmar que se trata de um uso da linguagem contrário ao natural para fazer isto é sugerir que há, ou poderia haver, para este propósito algum outro uso “natural”. Mas esses são modos naturais de falar acerca de questões de estética.
Para ajudar a compreender o que o crítico faz, portanto, como sustenta os seus juízos e leva o seu público a ver o que ele vê, tentarei uma breve descrição dos métodos que usamos enquanto críticos.17
Estes modos de agir e falar não diferem relevantemente entre si, independentemente de lidarmos com uma obra particular, um parágrafo ou verso, ou falarmos acerca da obra de um artista na sua totalidade, ou até chamando a atenção para um pôr-do-sol ou paisagem. Mas mesmo tendo o interlocutor feito tudo isto, podemos ainda assim não conseguir ver o que ele vê. Poderá haver um ponto, embora não tenha de haver qualquer limite exceto os que o tempo e a paciência impõem, a partir do qual ele desiste e nos desconsidera (ou a si próprio) como de algum modo sofrendo de um defeito, uma carência de sensibilidade. Poderá dizer-nos para ler ou olhar novamente, ou para ler ou observar outras coisas e então regressar à anterior; poderá suspeitar de que não tivemos determinadas experiências na vida. Mas é isso o que ele faz. É o que cumpre o objetivo, se algo o faz.
Uma vez apercebendo-nos claramente de que, seja lidando com arte ou paisagens ou pessoas ou objetos naturais, é assim que operamos com conceitos estéticos, podemos reconhecer esta esfera de actividade humana como realmente é. Operamos diferentemente com tipos diferentes de conceitos. Se queremos levar alguém a concordar que uma dada cor é vermelha, podemos colocar o objeto sob uma luz apropriada e pedir à pessoa que olhe; se for verde veronês podemos ir buscar um catálogo de cores e dar-lhe a comparar; se queremos que ela concorde que uma figura tem catorze lados pedimos-lhe que conte; e para a levar a concordar que algo está em ruínas, ou que alguém é preguiçoso podemos fazer outras coisas, nomear características, raciocinar e argumentar acerca delas, pesar e ponderar. Esses são os métodos apropriados aos diversos conceitos. Mas os modos pelos quais conseguimos fazer que alguém veja qualidades estéticas são diferentes; são do tipo que descrevi. Com cada tipo de conceito podemos descrever o que fazemos e como o fazemos. Mas os métodos adequados a essoutros conceitos não servem no caso dos estéticos, ou vice-versa. Não podemos demonstrar argumentativamente que algo é gracioso; mas isto não é mais intrigante do que a nossa incapacidade de provar, usando os métodos, metáforas e gestos do crítico de arte, que um dos jogadores sofrerá mate dentro de dez jogadas. As questões levantadas não são suscetíveis de resposta alguma além do género de descrição que dei. Continuar perguntando, perplexamente, como sucede que quando fazemos estas coisas as pessoas são levadas a ver, é como perguntar como sucede que ao colocar o livro sob uma luz apropriada o nosso companheiro concorda connosco em como é vermelho. Não há lugar para este género de questão ou perplexidade. Os conceitos estéticos são tão naturais, tão pouco esotéricos, como quaisquer outros. É sobre o pano de fundo de modelos diferentes e filosoficamente mais familiares que parecem estranhos ou intrigantes.
Descrevi como as pessoas justificam os juízos estéticos e levam outros a verem qualidades estéticas nas coisas. Terminarei mostrando que os métodos que esbocei são desde logo os mais naturais e característicos dos conceitos de gosto. Quando alguém tenta convencer-me de que uma pintura é delicada ou equilibrada, disponho já de uma compreensão destes termos e sei, num certo sentido, o que procuro. Mas se há perplexidade acerca de como, falando, a pessoa me pode fazer ver essas qualidades nessa pintura, devia haver uma correspondente perplexidade acerca de como comecei por aprender a usar termos estéticos e a discernir qualidades estéticas. Podemos perguntar, portanto, como aprendemos a fazer estas coisas; e isto é indagar 1) que potencialidades e tendências naturais as pessoas têm e 2) como as desenvolvemos e tiramos proveito dessas capacidades pelo treino e pelo ensino. Agora, quanto à segunda pergunta, não há dúvida de que a nossa capacidade para notar e reagir a qualidades estéticas é cultivada e desenvolvida pelo contacto que temos com familiares e professores desde tenra idade. O que é interessante para o que aqui pretendo é que, enquanto somos ensinados na presença de exemplos o que a graça, a delicadeza, e assim por diante, são, os métodos usados, a linguagem e comportamento, coincidem com os do crítico.
Para dar continuidade a estas duas questões, considere primeiro palavras como “dinâmico”, “melancólico”, “equilibrado”, “tenso” ou “jovial”, cujo uso estético é quase-metafórico. Foi já sublinhado que poderíamos não as usar desse modo sem termos alguma experiência de situações em que são usadas literalmente. A presente investigação é sobre como passamos dos usos literais aos usos estéticos dos termos. Para que isto suceda, tem de haver determinadas capacidades e tendências para ligar experiências, para considerar determinadas coisas como semelhantes, e ver, explorar e estar interessado nestas semelhanças. É característico da inteligência e sensibilidade humanas que façamos espontaneamente estas coisas e que essa tendência pode ser encorajada e desenvolvida. O facto de usarmos termos estéticos não é mais enigmático do que o de fazermos metáforas. As transições ligeiras e suaves pelas quais passamos para o uso desses termos estéticos não são difíceis de encontrar. Sugerimos às crianças que peças musicais simples são apressadas ou galopantes ou saltitantes ou molengas; daí passamos a caracterizar as músicas como animadas, joviais, vivazes, alegres, risonhas ou tristes, e, à medida que as experiências e vocabulário das crianças se expandem, passamos a caracterizar as músicas como solenes, dinâmicas ou melancólicas. Mas a criança também descobre por si própria muitas dessas analogias e estas passam a interessá-la ou a deleitá-la. É provável que, de livre moto, ela salte, marche, bata palmas ou ria com a música, e sem esta tendência natural o nosso treino de nada nos serviria. Na medida, porém, em que tiramos realmente proveito desta tendência e a ajudamos por via do treino, fazemos justamente o que o crítico faz. Podemos ter meramente de persuadir a criança a prestar atenção, a olhar ou escutar; ou podemos simplesmente chamar “vivaz” à música. Mas é também provável que usemos, como faz o crítico, a reiteração, os sinónimos, as analogias, os contrastes, os símiles, as metáforas, os gestos e outras formas de comportamento expressivo.
Claro que o reconhecimento de semelhanças e simples extensões metafóricas não são as únicas transições para o uso estético da linguagem. Outras operam de modo diferente; por exemplo, pelo género de casos periféricos que mencionei antes. Quando o objeto da nossa admiração é algo tão simples como a fina espessura de um vidro ou a suavidade de um tecido, não é difícil chamar a atenção para essas coisas, evocar um deleite semelhante e introduzir termos estéticos apropriados. Estas transições são apenas o início; poderá amiúde ser questionável se um termo está ou não já a ser usado esteticamente. Muitos dos termos que mencionei podem ser usados de modos que não são claramente literais, mas em relação aos quais não convém afirmar peremptoriamente que exigem muito por meio da sensibilidade estética. Falamos de cores quentes e frias, e podemos afirmar de uma pintura de cores vivas que no mínimo é jovial e animada. Quando levamos alguém a fazer este género de extensão metafórica de termos, a pessoa terá realizado um dos passos transicionais a partir de onde poderá avançar para usos que mais obviamente merecem ser denominados “estéticos” e exigem maior apreciação estética. Quando afirmo à partida que a sensibilidade estética é mais rara do que outros dotes naturais, não nego que varia em grau, do rudimentar ao refinado. Na sua maioria, as pessoas aprendem facilmente a fazer os tipos de observação que considero aqui. Mas quando alguém pode chamar “joviais” e “vivazes” a telas luminosas sem ser capaz de detetar a que é realmente vibrante, ou quando pode reconhecer o vigor e energia obviamente superficiais de uma composição estudantil executada con fuoco sem ao mesmo tempo ver que lhe falta o fogo e ímpeto interiores, não consideramos a sua sensibilidade estética nestas áreas como particularmente desenvolvida. Contudo, uma vez que essa transição dos usos comuns para os estéticos se inicie nos casos mais óbvios, o domínio dos conceitos estéticos pode ampliar-se, tornar-se mais subtil e até parcialmente autónomo. Os passos iniciais, por muito variados que sejam os desvios metafóricos e por muito variados que sejam as experiências de que estes dependem, são naturais e fáceis.
Muito disso se aplica quando passamos àquelas palavras que não têm qualquer uso não estético canónico: “adorável”, “bonito”, “mimoso”, “gracioso”, “elegante”. Não podemos afirmar que se aprende estas por meio de um desvio metafórico. Mas estão ainda assim diversamente ligadas a características não estéticas e a sua aprendizagem também se torna possível por certos tipos de resposta, reacção e capacidades naturais. Aprendemo-las não tanto por via de notar semelhanças, mas por a nossa atenção ser captada e centrada de outros modos. Determinados fenómenos excecionais ou dignos de nota ou pouco usuais cativam o olhar ou o ouvido, captam a nossa imaginação e interesse e provocam-nos surpresa, admiração, deleite, medo ou aversão. As crianças começam a reagir desses modos a pores-do-sol espetaculares, florestas no Outono, rosas, dentes-de-leão, e outros objetos impressionantes e coloridos, e é nestas circunstâncias que damos connosco a fazer uso de palavras estéticas gerais como “adorável”, “bonito” e “feio”. Não é por acaso que as primeiras lições em apreciação estética consistem em chamar a atenção da criança para rosas em vez de para a relva; nem é surpreendente que lhe façamos observações sobre as cores Outonais em vez dos tons refreados do Inverno. Todos nós, não somente as crianças, prestamos atenção estética mais imediata e facilmente a essas coisas extraordinárias e facilmente visíveis. Notamos com prazer a primeira relva da Primavera ou os primeiros flocos de neve, os outeiros de contornos particularmente acentuados e variados, paisagens pontuadas com uma enorme variedade de cores ou mosqueadas diversamente de luz solar e neve. Somos influenciados e impressionados por objetos de grande dimensão ou massa, como sucede com as montanhas ou as catedrais. Somos semelhantemente recetivos à precisão ou minúcia inabituais ou a feitos de notável perícia, como sucede com peças de filigrana elaboradas e complexas, ou com a construção de abóbadas de cruzaria com nervuras em leque. É nestas ocasiões, tirando proveito desses interesses e admirações naturais, que começamos por ensinar as palavras estéticas mais simples. As pessoas de sensibilidade estética e sofisticação moderadas continuam a exibir interesse estético sobretudo nessas ocasiões e a usar somente as palavras mais gerais (“bonito”, “adorável”, e semelhantes). Mas essas situações podem servir de começo a partir do qual estendemos os nossos interesses estéticos a outras áreas mais amplas e menos óbvias, dominando à medida que progredimos o vocabulário mais subtil e específico do gosto. Os princípios não mudam; a base para aprender termos mais específicos como “gracioso”, “delicado” e “elegante” continua a ser o nosso interesse e admiração por diversas propriedades naturais (“Ela parece mover-se sem esforço, como se flutuasse”, “Tão fino e frágil e no entanto tão intricado”, “Tão económico e perfeitamente adaptado”).18 E mesmo com esses termos, que não são eles próprios metafóricos, apoiamo-nos igualmente nos métodos do crítico, incluindo a comparação, a ilustração e a metáfora, para ensinar ou esclarecer o seu significado.
Quis dar ênfase na última parte deste artigo à base natural das respostas de diversos géneros sem as quais os termos estéticos não poderiam ser aprendidos. Esbocei também quais são algumas das características naturais a que respondemos naturalmente: semelhanças de diversos géneros, cores que se destacam, formas, aromas, dimensões, complexidade, e muito mais. Mesmo os termos estéticos não metafóricos têm ligações importantes com todo o género de características naturais que despertam o nosso interesse, espanto, admiração, deleite ou aversão. Mas quis em particular insistir em como não nos devia evocar perplexidade o facto de o crítico sustentar os seus juízos e nos levar a ver qualidades estéticas chamando a nossa atenção para características cruciais e falando acerca delas do modo como o faz. É fazendo uso dos mesmíssimos métodos que as pessoas nos ajudam a desenvolver o nosso sentido estético e a dominar o vocabulário pertinente desde o início. Se esses métodos funcionaram bem connosco, portanto, não é surpreendente que o discurso do crítico funcione bem connosco agora. Seria surpreendente se, ao usar esta linguagem e comportamento, as pessoas não conseguissem por vezes levar-nos a ver as qualidades estéticas das coisas; pois isto demonstraria que nos falta um género caracteristicamente humano de apercebimento e actividade.
Falarei de um “termo estético” de um modo vago, mesmo quando, devido à palavra em causa ter por vezes outros usos, seria mais correcto falar do seu uso como termo estético. Falarei também em palavras, conceitos, características, etc., “não estéticos”. Nenhum dos termos usados por outros autores, (qualidades) “naturais”, “observáveis”, “perceptivas”, “físicas”, “objetivas”, (linguagem) “neutra”, “descritiva”, quando tratam a distinção que estou a fazer, é realmente útil para os meus propósitos. ↩︎︎
Um contraste reforçará isto. Se um crítico descrevesse uma passagem musical como “tagarela”, “gaseificada” ou “arenosa”, as cores usadas por um pintor como “vítreas”, “farináceas” ou “efervescentes”, ou o estilo de um escritor como “pegajoso” ou “abrasivo”, estaria a usar metáforas em vez de se apoiar no uso mais normal da linguagem da crítica. Palavras como “atlético”, “vertiginoso”, “sedoso”, podem estar algures no meio. ↩︎︎
Num artigo reimpresso em Aesthetics and Language, org. W. Elton (Oxford, 1954), pp. 131–146, Arnold Isenberg discute determinados problemas acera de conceitos e qualidades estéticas. Como outros que tratam estes problemas, ele não os isola, como eu o faço, das questões sobre veredictos acerca dos méritos de obras de arte, ou de questões acerca de inclinações ou preferências. Isenberg afirma algo análogo às minhas observações acima: “Não há em toda a crítica do mundo uma única afirmação puramente descritiva acerca da qual estejamos preparados para declarar de antemão ‘se é verdadeira, tanto mais gostarei daquela obra’” (p. 139, itálicos meus). Devo dizer que isto é altamente questionável. ↩︎︎
Isenberg (op. cit., p. 132) defende algo semelhante: “Se nos tivessem dito que as cores de uma certa pintura são garridas, seria espantoso descobrir que eram todas muito suaves e insaturadas” (itálicos meus). Mas se afirmamos “todas” em vez de “predominantemente”, então “espantoso” não é a palavra certa. Há que distinguir entre aquilo a que chamo “condições negativas” e aquilo a que mais à frente chamo características “tipicamente” associadas ou não associadas a um conceito de gosto. ↩︎︎
H. L. A. Hart, “The Ascription of Responsibility and Rights” em Logic and Language, First Series, org. A. G. N. Flew (Oxford, 1951). Hart na verdade fala invariavelmente em “condições”, veja p. 148. ↩︎︎
Não posso, no âmbito deste artigo, discutir os outros tipos de aparentes exceções à minha tese. Há que distinguir entre os casos em que uma pessoa desprovida de sensibilidade pode aprender e seguir uma regra, como no caso acima, e casos em que alguém que tem sensibilidade pode saber, a partir de uma descrição não estética, que um termo estético se aplica. Formulei a minha tese como se este último género de caso nunca ocorresse porque tenho tido em vista as características lógicas dos juízos estéticos típicos e preferi pecar por excesso de ênfase, em vez de por carência, ao formular minha perspectiva. Mas com determinados termos estéticos, especialmente os negativos, pode haver algumas raras exceções genuínas em que uma descrição nos permite visualizar bastante plenamente, e quando o que se descreve pertence a uma determinada classe restrita de coisas, digamos, rostos humanos ou formas animais. Talvez uma descrição como “Um olho vermelho e remeloso, o outro perdido, um nariz verrugoso, uma boca retorcida, uma palidez esverdeada” podem justificar num sentido forte (“tem de”, “não pode senão ser”) os juízos “feio” ou “hediondo”. Sendo assim, esses casos são marginais, formando uma muito pequena minoria, e são incaracterísticos ou atípicos dos juízos estéticos em geral. Normalmente, quando ao escutar uma descrição, dizemos “deve ser muito belo (gracioso, ou algo semelhante)”, não queremos dizer mais do que “seguramente terá de ser, a possibilidade de que não seja é muito remota”. Diferentes são mais uma vez as situações, e essas são muito numerosas, em que podemos passar muito simplesmente de “cores vivas” para “jovial”, ou de “vermelhos e amarelos” para “quente”, mas nas quais estamos ainda somente na fronteira de seja o que for que pode ser designado como uma expressão de gosto ou de sensibilidade estética. Mais à frente sublinho a importância desta área limítrofe transicional entre os juízos não estéticos e os juízos obviamente estéticos. ↩︎︎
Helen Knight afirma (Elton, op. cit., p. 152) que “provocador” (um dos meus termos “estéticos”) “depende de” diversas características (um nariz retroussé, um queixo espetado, e coisas semelhantes) e que essas características são critérios para o mesmo; é isso o que estou a negar. Knight defende também que “bom”, quando aplicado a obras de arte, depende de critérios como o equilíbrio, a solidez, a profundidade (os meus termos estéticos, mais uma vez; devia inserir o provocativo nesta lista). Quero negar isto também, embora a considere uma questão diferente e não a trate neste artigo. Há que distinguir as duas questões: a relação entre as características não estéticas (retroussé, pontiagudo) e as qualidades estéticas, e a relação entre as qualidades estéticas e o “esteticamente bom” (veredictos). Na sua maioria, os textos que abordam a natureza dos conceitos estéticos têm sobretudo estoutra questão (veredictiva) em mente. A Sr.ª Knight obscurece esta diferença quando afirma, por exemplo, “‘provocador’ é o mesmo género de palavra que ‘bom’”. ↩︎︎
Veja os artigos por Margaret Macdonald e J. A. Passmore em Elton, op. cit., pp. 118, 41, 40, 119. ↩︎︎
Como indiquei, p. acima, tratei apenas da relação entre as características não estéticas e as características estéticas. Talvez uma descrição em termos estéticos possa por vezes ser suficiente para a aplicação de outro termo estético. O Dicionário de Johnson apresenta “bem-parecido” [handsome] como “condignamente belo” [beautiful with dignity]; o O. E. D. Simplificado apresenta “bonito” [pretty] como “belo de um modo ligeiro, mimoso ou diminutivo”. [beautiful in a slight, dainty, or diminutive way] ↩︎︎
Macdonald em Elton, op. cit., pp. 114, 119. Veja também pp. 120, 122. ↩︎︎
Macdonald, ibid., pp. 114, 120–123. Ela aí refere-se a propriedades não estéticas como qualidades “físicas” ou “observáveis”, e distingue entre “objeto físico” e “obra de arte”. ↩︎︎
Ibid., pp. 115–116; cf. também John Holloway, Proceedings of the Aristotelian Society, Supplemntary Vol. XXIII (1949), pp. 175–176. ↩︎︎
Stuart Hampshire em Elton, op. cit., p. 165. Cf. também as observações de Isenberg em Elton (pp. 142, 145), Passmore (p. 38), de John Wisdom em Philosophy and Psycho-analysis (Oxford, 1953), pp. 223–224, e em Holloway, op. cit., p. 175. ↩︎︎
Macdonald, op. cit., pp. 119–120. ↩︎︎
Ibid., veja pp. 127, 122, 125, 115. Outros autores colocam também a ênfase na interpretação. Cf. Holloway, op. cit., . 173 e seguintes. ↩︎︎
Op. cit., pp. 165–168. ↩︎︎
Holloway, op. cit., pp. 173–174, enumera muito brevemente alguns. ↩︎︎
Vale a pena mencionar que na sua maioria as palavras que no uso corrente são primária ou exclusivamente termos estéticos tiveram usos não estéticos anteriores e ganharam o seu uso presente por algum género de transferência metafórica. Sem dar grande peso aos factos etimológicos, pode-se ver que a sua história reflete conexões com as respostas, interesses e características naturais que mencionei como subjacentes à aprendizagem e uso dos termos estéticos. Estas transições sugerem simultaneamente a dependência do estético relativamente a outros interesses, e o que alguns desses interesses são. Ligados à inclinação, ao deleite, ao afeto, à consideração, à estima, ou eleição – belo, gracioso, delicado, adorável, refinado, elegante, mimoso; ao medo ou repulsa – feio; com o que notoriamente atrai o olhar ou a atenção – garrido, esplêndido, berrante; com o que atrai pela notória raridade, precisão, perícia, engenho, detalhe – mimoso, minucioso, bonito, refinado; com a adaptação à função, à facilidade de manuseamento – jeitoso [handsome]. ↩︎︎