Lamenta-se por vezes que a filosofia do século XX seja muito “escolástica” e técnica, ao contrário do que acontecia no tempo de Descartes e Hume, que escreviam com uma felicidade de estilo e uma ausência de gíria académica atraentes para o grande público. Mas a verdade é que hoje há muitos filósofos que escrevem com a mesma felicidade de estilo e que por isso são igualmente adequados para o leitor comum, ao passo que também no passado muitos filósofos escreveram de forma excessivamente técnica e desadequada para leitores sem uma sólida preparação filosófica — pense-se em Kant ou Aristóteles. Em todos os tempos históricos, e em todas as disciplinas, há obras destinadas apenas a especialistas e obras destinadas ao grande público.
Simon Blackburn é um dos muitos filósofos contemporâneos que não escreve apenas para especialistas: “a filosofia devia descer à rua”, declarou em entrevista ao PÚBLICO em 1997, aquando do lançamento do seu Dicionário de Filosofia (Gradiva). Para provar que falava a sério, escreveu recentemente três livros dirigidos ao grande público, dos quais só um está traduzido entre nós (Pense, Gradiva). Professor na Universidade de Cambridge, ensinou previamente em Oxford e na Universidade da Carolina do Norte. Autor de vários artigos e livros especializados, dedicando-se a temas tão diversos quanto a natureza da verdade e o realismo, a natureza da ética e da modalidade, as suas ideias são discutidas um pouco por todo o mundo.
O livro divide-se em três partes, a primeira das quais é dedicada a “Sete Ameaças à Ética”, entre as quais se contam a morte de Deus, o relativismo, o egoísmo, a teoria da evolução e o determinismo. Trata-se de ideias que, segundo o autor, fazem muitas pessoas pensar que a procura de princípios éticos é fútil porque impossível. Com uma linguagem sofisticada mas clara, profunda mas leve, o autor procura mostrar por que razão algumas destas ideias são falsas e outras não conduzem, como se pensa, ao niilismo. Blackburn é um humiano moral — como Hume, pensa que os princípios da moral não podem ser racionalmente demonstrados, independentemente das emoções e sentimentos humanos. Opõe-se, por isso, a filósofos como Kant e Thomas Nagel. Contudo, as suas posições são suficientemente subtis para lhe permitirem não cair no tipo de relativismo moral que alguns humianos não conseguem evitar.
Na segunda parte, o autor discute algumas ideias éticas — a vida e a morte, o sentido da vida e o hedonismo, o utilitarismo e a liberdade, o paternalismo e a teoria dos direitos. Na terceira, intitulada “Fundamentos”, discute-se o papel da razão na ética, o imperativo categórico, a vida boa e o que nos une moralmente a todos os seres humanos, entre outros temas. O livro termina com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, em apêndice.
Com apenas 174 páginas, cada secção é curta e incisiva, faz pensar e é informativa. As 12 ilustrações chamam muitas vezes a atenção para a realidade dos problemas, cuja discussão evita os discursos vazios e muito “teóricos”, que não têm em conta a realidade humana a que ética diz respeito. Quem conhece o estilo do autor sabe que pode esperar elegância literária, algum humor inglês e erudição quanto baste, assim como ideias e argumentos que estimulam a nossa imaginação crítica. Uma leitura a não perder.