As livrarias brasileiras estão repletas de péssimos livros introdutórios de filosofia, e a situação é ainda pior quando o tema é a ética. É por isso que as raras e honrosas exceções no nosso mercado editorial merecem toda a divulgação que podemos oferecer. É este o caso de Ética, uma pequena jóia introdutória que atinge de maneira simples e despretensiosa os melhores padrões de excelência acadêmica. A obra faz parte da coleção “Tudo o que Você Precisa Saber Sobre” e tem autores de reconhecida competência filosófica.
O livro aborda as questões que estão na raiz das principais teorias éticas formuladas até os dias de hoje, mais especificamente, as teorias éticas que em filosofia classificamos como éticas normativas. Por que ajuizamos uma ação como moralmente errada ou correta? Que critérios orientam esse juízo? Essas questões despertaram o interesse de vários pensadores ao longo da história, como Aristóteles, Kant e Mill, e ainda constituem um tema bastante atual.
Este livro vem demonstrar como um dos principais aspectos da ética é sua constante transformação a partir das críticas e reformulações das teorias em debate. O utlitarismo, por exemplo, é a teoria ética que defende o princípio da maior felicidade. Segundo o utilitarismo clássico, a felicidade é o maior bem humano e devemos julgar uma ação como correta ou incorreta na medida em que promove ou não esse fim.
O problema desse critério, afirmam os críticos do utilitarismo, é que ele nos leva a conclusões que se colidem com direitos humanos fundamentais. Imaginemos, por exemplo, um caso em que cinco pacientes de um hospital precisem de transplantes, cada um precisa de um órgão diferente, e que nesse mesmo hospital encontramos um paciente com todos esses órgãos sãos. De acordo com o princípio da maior felicidade deveríamos exigir que o paciente são cedesse seus órgãos aos pacientes que esperam transplante porque isso promoveria a maior felicidade.
Uma tentativa de corrigir os problemas da ética utilitarista foi adotar o princípio da maior felicidade como um guia para escolher regras e não atos individuais. Assim, não perguntamos que ações individuais devem ser avaliadas pelo princípio utilitarista, mas sim que conjunto de regras é o melhor da perspectiva utilitarista. Essa reformulação, conhecida como utilitarismo das regras, evitaria as complicações da versão clássica da teoria, utilizando-se de elementos de teorias rivais, como a ética kantiana.
Um dos capítulos mais interessantes do livro aborda o problema da fundamentação dos direitos humanos. De um lado, temos a posição que afirma a possibilidade de fundamentação desses direitos além do mero ordenamento jurídico, como é defendida por Habermas. Por outro, temos a posição que afirma ser essa fundamentação não só impossível como até mesmo desnecessária, como é o caso de Noberto Bobbio. Saber se esses direitos se fundamentam de modo absoluto ou relativo diz respeito a uma controvérsia fundamental num mundo cada vez mais globalizado.
Este livrinho é a melhor introdução á ética que pude encontrar depois do excelente Elementos de Filosofia Moral, publicado em Portugal pela Gradiva e no Brasil pela editora Manole. É a garantia de que mesmo o leitor leigo em filosofia terá um acesso agradável a quase dois mil anos de fascinante discussão filosófica. Uma leitura imperdível para todos que procuram compreender melhor o complexo universo da moralidade.
Matheus Martins Silva