Peter Singer é um dos mais reputados especialistas em ética aplicada. Dele estão publicados em Portugal vários títulos: Ética Prática (Gradiva), Libertação Animal (Via Óptima), Um só Mundo (Gradiva) e Como Havemos de Viver? (Dinalivro). A sua lucidez e clareza de exposição tornam-no recomendável não apenas para estudantes mas também para o grande público. Singer não usa uma terminologia nem uma sintaxe falsamente académica: ao invés, apresenta as suas ideias com simplicidade. A sofisticação está toda no pensamento em si, e não na sua enganadora simplicidade de expressão.
Esta obra dirige-se ao público em geral, apesar de ser interessante também para os especialistas. Singer oferece ao leitor muitos elementos relevantes para que se possa debater de forma inteligente temas como o aborto, a eutanásia e os direitos dos animais. Esses elementos são sobretudo de dois tipos: argumentos e informação histórica e científica.
Os argumentos de Singer são sempre claros e precisos, oferecendo-se à avaliação crítica do leitor em vez de a ela se furtarem. As informações são sempre relevantes e claramente redigidas. O tema central do livro é a defesa da ideia de que a moral que herdámos é insuficiente para lidar com os problemas morais que hoje enfrentamos. Assim, urge apresentar novas ideias para lidar com os novos desafios éticos da vida contemporânea — e é isso precisamente que faz o autor, apresentando um conjunto de propostas muito precisas para a instituição de novos preceitos morais.
Cada capítulo começa com a exposição de um dilema ético concreto, alguns dos quais foram amplamente publicitados pela imprensa. Entre os problemas tratados, destaca-se a atenção dada à eutanásia. A informação histórica é aqui fundamental, para se compreender quão arbitrária, cientificamente, é a actual noção de “morte cerebral”, com base na qual se efectua a recolha de órgãos de pessoas que, para todos os efeitos, poderiam ser consideradas vivas (respiram, estão quentes, o sangue circula). A leitura de Singer tem sempre um efeito libertador, pois oferece uma reflexão serena que coloca em causa, sem dramatismos, os preconceitos com que nos habituámos a viver sem pensar.
Há dois aspectos que vale a pena sublinhar nesta obra. Em primeiro lugar, a bondade e a superioridade ética que se advinha nas entrelinhas. Singer está preocupado com o sofrimento humano, com os dramas reais das pessoas — e não com a defesa de um qualquer conjunto de preceitos rígidos que subalternizam os seres humanos a favor de Deus, da Tradição ou da Teoria. Os argumentos de Singer são implacáveis, mas os seus objectivos verdadeiramente humanistas são sempre claramente visíveis. Uma lição para quem faz da eutanásia e do aborto matérias de propaganda e de catequese.
Em segundo lugar, a perspectiva histórica que Peter Singer nos oferece permite que nos elevemos para lá dos preconceitos do nosso tempo. Ao contrastar os preconceitos históricos do passado recente e ao traçar a genealogia de alguns dos preconceitos actuais, Singer oferece-nos a possibilidade de pensar claramente sobre as questões éticas, sem que ao fazê-lo nos limitemos a um exercício de defesa de preconceitos.
Uma leitura obrigatória e uma lição de pura bondade moral, numa obra servida por uma redacção inteligente, clara e despretensiosa. Essencial para pensar outra vez em alguns dos problemas éticos da vida contemporânea.