Leão Tolstoi (1828–1910) foi um dos mais importantes romancistas realistas. Os seus romances Guerra e Paz (1865–1869) e Anna Karenina (1875–1877) são considerados dos melhores romances de sempre. Mas Tolstoi foi também um pensador e um moralista; a sua Confissão (1882) foi extremamente influente, tornando-o um dos mais destacados líderes espirituais do seu tempo. Também O Que é a Arte? (1898) foi uma obra muitíssimo influente. Tolstoi defende um espiritualismo cristão igualitarista, opondo-se à vida fútil e pretensiosa da aristocracia a que ele mesmo pertencia. Também no que respeita à arte se opõe ao pretensiosismo, que ele critica até nas suas próprias obras mais famosas.
Algumas traduções inglesas mais antigas da Confissão são particularmente selvagens, dando a impressão de que o grande escritor afinal não sabia realmente escrever. Esta tradução de David Patterson (Universidade de Oklahoma) repõe a justiça literária e apresenta-nos a confissão de Tolstoi numa linguagem elegante mas directa, cativante mas despretensiosa. Dividido em 26 pequenas secções, as cerca de 90 páginas desta confissão têm como tema central a inquietante interrogação expressa na secção III: “Muito bem, serás mais famoso do que Gogol, Pushkin, Shakespeare, Molière, mais famoso do que todos os escritores do mundo — e depois?” (pág. 27) Esta foi a pergunta que despoletou no famoso escritor a procura por uma resposta ao problema do sentido da vida, procura que registou por escrito apenas em 1879, com 51 anos. Os pormenores da sua perspectiva das coisas, assim como da sua vida, até ao momento desta interrogação são particularmente surpreendentes pela sua franqueza e honestidade. O escritor internacionalmente famoso considera que as suas melhores obras são pretensiosas e vácuas, e fica horrorizado ao compreender que o seu estilo de vida e o meio literário que o fez famoso vive de pretensão, exploração dos pobres e muita ignorância e falta de moral.
Agnóstico por natureza, apesar de ter recebido uma educação cristã, Tolstoi encarava a religião, com os seus rituais, histórias e hierarquias, como uma tirania irracional que nenhum ser racional poderia levar a sério. Contudo, ao enfrentar o aparente vazio da sua vida, apesar de todo o seu sucesso pessoal e profissional, Tolstoi vê-se forçado a dar crédito à religião que antes desprezara. Como acontece na generalidade destes casos, as perguntas e inquietações originais de Tolstoi são bastante mais interessantes do que a magra solução que encontrou:
“Ponha como puser a questão de saber como viver, a resposta é: de acordo com a lei de Deus. Haverá algo de real que resulte da minha vida? Tormento eterno ou felicidade eterna. Que sentido há que não seja destruído pela morte? A união com o Deus infinito, o paraíso”. (pág. 60)
Por que razão uma vida que não tinha sentido o adquire ao prolongar-se para sempre é algo que não preocupa o romancista e pensador; e por que razão uma vida com sentido o perde caso não se prolongue para sempre também é algo que Tolstoi não considera. Mas a sua pequena reflexão oferece uma articulação entre a fé religiosa e o sentido da vida que raramente é explicitamente apresentada por outros autores, apesar de o sentido da vida ser, para muitas pessoas, a motivação principal para a fé religiosa. Por esse motivo, esta desarmante e honesta confissão é uma das obras centrais desta área de estudos.