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Crítica
26 de Junho de 2004   Ética

A objectividade da ética

Desidério Murcho
Ethical Theory 1: The Question of Objectivity
org. por James Rachels
Oxford: Oxford University Press, 1998, 256 pp.

Para grande parte do público, a ética é uma coisa pessoal e subjectiva — cada qual tem a sua. Claro que se isto fosse verdade, nada haveria de realmente condenável em violar crianças — tudo dependeria dos gostos. O que confunde o público são os casos difíceis da ética — o aborto, a eutanásia, a manipulação de embriões e outros problemas em aberto. Porque são problemas em aberto, o público desinformado sente que nestes casos tudo é subjectivo. Mas isto é tão absurdo como pensar que só porque hoje ninguém sabe qual das versões da teoria física das cordas é verdadeira essa questão é pessoal e subjectiva.

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Dúvidas?

Uma tradução portuguesa deste livro ajudaria a esclarecer as coisas. James Rachels (1941–2003), responsável por lançar o debate filosófico sobre a eutanásia nos anos 1970, é autor de The End of Life: Euthanasia and Morality (Oxford University Press, 1986), Created from Animals: The Moral Implications of Darwinism (Oxford University Press, 1991), Can Ethics Provide Answers? (Rowman and Littlefield, 1997) e Elementos de Filosofia Moral (Gradiva, 2004). Rachels organizou quase uma dezena de volumes e publicou mais de cinquenta artigos em revistas académicas internacionais.

A antologia apresenta treze artigos centrais sobre o debate filosófico contemporâneo quanto à objectividade da ética. Encontramos artigos de Russell, Moore, Stevenson, Hare, Mackie, Harman, Gauthier, Thomas Nagel, Wiggins, Bernard Williams, Sturgeon, McDowell e Dancy. A maior parte destes artigos são absolutamente centrais para o debate.

A ética pode ser objectiva ou subjectiva em dois sentidos muito diferentes. Assim, pode ser objectiva ou subjectiva consoante há ou não métodos racionais para resolver os seus problemas. Por exemplo, se racionalmente nada se pode dizer que justifique a condenação da violação, tortura e assassínio de crianças, então estamos perante aspectos subjectivos da acção humana, condenáveis ou não ao gosto de cada um, sem que o gosto de cada um seja racionalmente defensável. Thomas Nagel (autor de A Última Palavra, Gradiva) é objectivista neste sentido; Bernard Williams é subjectivista neste mesmo sentido, tal como Hume e Harry Frankfurt.

Mas há outro sentido de objectividade. A ética pode ser objectiva ou subjectiva consoante as propriedades morais (como bom ou mau, bem ou mal, correcto ou incorrecto) referem ou não algo de real no mundo. Uma boa analogia é com as cores: num certo sentido, não há cores no mundo; no mundo, só há diferentes frequências de onda de luz; as cores são a forma como alguns organismos percepcionam visualmente essas diferentes frequências. Assim, os cépticos poderão defender que no mundo não há valores éticos; os valores são apenas a reacção dos seres humanos ao que realmente há no mundo. Esta posição não tem grandes hipóteses de sobreviver à crítica, dado que depende de uma visão cartesiana dos seres humanos, como se fôssemos almas do outro mundo, coisas a-objectivas cujas reacções perante o mundo nada podem ter de objectivo. Tal como as cores são perfeitamente objectivas precisamente enquanto reacções evolutivamente adequadas às frequências de onda, também os valores éticos poderão ser perfeitamente objectivos ainda que não existam por si no mundo natural. Este é um dos aspectos do debate sobre a objectividade da ética que, objectivamente, faz falta entre nós.

Desidério Murcho
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ISSN 1749-8457