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Crítica
11 de Dezembro de 2004   Ética

A ética de Bush

Desidério Murcho
The President of Good & Evil: Questioning The Ethics of George W. Bush
de Peter Singer
Plume Books, 2004, 280 pp.

George W. Bush gostava de usar termos éticos nos seus discursos; falava de bem e de mal, de moralmente correcto e errado, de ser moralmente bom ou mau. Evidentemente, muitas pessoas tomavam isso como mera retórica política, usada para cativar os fundamentalistas cristãos americanos. Peter Singer, todavia, optou por levar a sério as afirmações do presidente — suficientemente a sério para escrever um livro informativo e de leitura compulsiva sobre as ideias éticas de Bush. Uma das características mais salientes deste livro é a sua imparcialidade e honestidade. O autor está genuinamente a procurar compreender o pensamento ético do presidente, e não a insistir numa ideia preconcebida, e porventura caricatural, acerca do perfil do presidente.

Ao longo de dez capítulos, divididos em duas partes, Peter Singer procura honestamente compreender as ideias éticas do presidente, deitando mão de vários discursos publicados do presidente, assim como do seu livro A Charge to Keep (2001). Na primeira parte, que compreende quatro capítulos, Singer analisa as ideias do presidente no que respeita aos Estados Unidos da América. Trata-se, em grande parte, do ciclo presidencial que terminou com os atentados de 11 de Setembro. Na segunda, o autor dedica-se, também em quatro capítulos, à análise das ideias do presidente no que respeita às relações dos Estados Unidos com o resto do mundo, que tomaram o primeiro plano das preocupações presidenciais depois dos referidos atentados. O livro termina com uma útil avaliação global do pensamento ético do presidente, num capítulo intitulado “A Ética de George W. Bush”.

Um dos aspectos surpreendentes deste livro é mostrar até que ponto os meios de informação são maus. Efectivamente, temos hoje acesso aos melhores jornais do mundo, graças à Internet, e temos acesso a inúmeros artigos de opinião de reputados analistas internacionais — e, contudo, há informações empíricas cruciais, registadas por escrito, que não nos são reveladas. Os jornais parecem obcecados com duas coisas: a informação em cima do acontecimento e sem maior profundidade do que o que se pode saber estando a assistir aos acontecimentos ao vivo; e os artigos de opinião de reputados analistas que mais não fazem do que aplicar as suas ideologias aos acontecimentos correntes, sem a mínima investigação nem reflexão. O resultado é catastrófico e tem por nome “desinformação”. Essa é uma das razões pelas quais é tão importante ler este livro: para ficarmos informados em maior profundidade sobre os recentes acontecimentos, que levaram os EUA a invadir o Iraque, depois de terem invadido o Afeganistão.

A questão final é saber que tipo de ética o presidente prefere: uma ética cristã, uma ética utilitarista ou uma ética dos direitos? Singer conclui que Bush tem uma ética intuitiva; tem crenças morais muito fortes que por acaso são incompatíveis, e que nunca avalia criticamente. Bush reage a diferentes problemas com diferentes crenças dogmáticas, que é incapaz de avaliar criticamente; o resultado incoerente escapa-lhe porque vê tudo apenas em termos de obedecer rigidamente a meia dúzia de regras morais, não conseguindo perceber que dão origem a um novelo de decisões incongruentes. O resultado é decisões que são responsáveis pela actual instabilidade política internacional e pela impossibilidade de um combate racional aos grandes problemas da actualidade: o terrorismo, a pobreza e a defesa do meio ambiente.

Desidério Murcho
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ISSN 1749-8457