Início Menu
2 de Dezembro de 2004   Metafísica

Dois problemas da liberdade

Thomas Nagel
Tradução de Artur Polónio

Algo de peculiar acontece quando olhamos a acção de um ponto de vista objectivo ou exterior. Alguns dos seus aspectos mais importantes parecem desaparecer sob o olhar objectivo. As acções parecem já não ter como fontes agentes individuais, mas tornar-se, em vez disso, componentes do fluxo de acontecimentos no mundo do qual o agente é parte. A maneira mais fácil de produzir este efeito é pensar na possibilidade de todas as acções serem causalmente determinadas, mas essa não é a única maneira. A fonte essencial do problema é uma concepção das pessoas e das suas acções como parte da ordem da natureza, causalmente determinada ou não. Esta concepção, se insistirmos, conduz ao sentimento de que não somos de maneira alguma agentes, de que estamos desamparados e não somos responsáveis pelo que fazemos. A visão interior do agente rebela-se contra este juízo. A questão é saber se ela pode manter-se contra os efeitos debilitantes de uma visão naturalista.

Na realidade, o ponto de vista objectivo origina três problemas acerca da acção. Desses, ocupar-me-ei apenas de dois. Ambos têm a ver com a liberdade. O primeiro problema, que me limitarei a descrever e deixar de lado, é o problema metafísico geral da natureza do agir. Esse pertence à filosofia da mente.

A questão “O que é a acção?” é muito mais vasta do que a questão do livre-arbítrio, porque se aplica até à actividade das aranhas e aos movimentos periféricos, inconscientes ou não intencionais dos seres humanos no decurso de actividade mais deliberada. Aplica-se a qualquer movimento não involuntário. A questão liga-se ao nosso tema porque a minha realização de um acto — ou a realização de um acto por qualquer pessoa — parece desaparecer quando pensamos no mundo objectivamente. Parece não haver lugar para o agir num mundo de impulsos neurais, reacções químicas e movimento de ossos e músculos. Mesmo se adicionarmos sensações, percepções e sentimentos não obteremos acção, ou realização — há apenas o que acontece.

Na linha do que foi anteriormente dito acerca da filosofia da mente, penso que a única solução é olhar a acção como uma categoria mental básica ou, mais exactamente, psicofísica — nem redutível ao físico, nem a outros termos mentais. Não consigo melhorar a defesa exaustiva que Brian O'Shaughnessy faz desta posição. A acção tem o seu próprio aspecto interno irredutível, tal como outros fenómenos psicológicos — há uma assimetria mental característica entre a consciência das nossas próprias acções e a consciência das acções de outros —, mas a acção não é nada mais do que isso, isoladamente ou em combinação com um movimento físico: nem uma sensação, nem um sentimento, nem uma crença, nem uma intenção ou desejo. Se restringirmos a nossa paleta a essas coisas acrescidas de acontecimentos físicos, o agir será omitido da nossa imagem do mundo.

Mas, mesmo que a acrescentássemos como um item irredutível, tornando os sujeitos de experiência também (e como O'Shaughnessy inevitavelmente argumenta) sujeitos de acção, o problema da acção livre mantém-se. Podemos agir sem ser livres, e podemos duvidar da liberdade dos outros sem duvidar de que agem. O que mina a compreensão da liberdade não mina automaticamente a acção1. Deixarei de lado o problema geral do agir, no que se segue, e presumirei simplesmente que tal coisa existe.

O que discutirei são dois aspectos do problema do livre-arbítrio, correspondentes aos dois modos segundo os quais a objectividade ameaça as suposições comuns acerca da liberdade humana. Chamo a um o problema da autonomia, e ao outro o problema da responsabilidade; o primeiro começa por apresentar-se como um problema acerca da nossa própria liberdade, e o segundo como um problema acerca da liberdade dos outros2. Uma perspectiva objectiva das acções como acontecimentos na ordem natural (determinados ou não) produz um sentimento de impotência e de futilidade a respeito do que nós mesmos fazemos. Também mina algumas atitudes básicas relativamente a todos os agentes — essas atitudes reactivas que condicionam a atribuição de responsabilidade. É o segundo destes efeitos que é comummente referido como o problema do livre-arbítrio. Mas a ameaça à nossa concepção das nossas próprias acções — o sentimento de que estamos a ser levados pelo universo como destroços — é igualmente importante e igualmente merecedor do título. Os dois estão ligados. A mesma perspectiva exterior que representa uma ameaça à minha própria autonomia ameaça igualmente o meu sentido da autonomia dos outros, e isto, em contrapartida, fá-los parecer objectos inapropriados de admiração e desprezo, ressentimento e gratidão, culpa e louvor.

Como outros problemas filosóficos básicos, o problema do livre-arbítrio não é, em primeira instância, um problema verbal. Não é um problema acerca do que podemos dizer sobre a acção, a responsabilidade, o que alguém podia ou não ter feito, e por aí adiante. É antes uma desorientação dos nossos sentimentos e atitudes — uma perda de confiança, de convicção ou de equilíbrio. Tal como o problema básico da epistemologia não é saber se se pode dizer que conhecemos, mas radica antes na perda da crença e na invasão da dúvida, também o problema do livre-arbítrio radica na erosão das atitudes interpessoais e do sentido da autonomia. As questões acerca do que podemos dizer acerca da acção e da responsabilidade apenas atentam contra o facto de expressarmos esses sentimentos — sentimentos de impotência, de desequilíbrio e de distanciamento afectivo relativamente aos outros.

Estas formas de constrangimento são familiares uma vez que tenhamos enfrentado o problema do livre-arbítrio através da hipótese do determinismo. Estamos debilitados mas, simultaneamente, ambivalentes, dado que as atitudes perturbadas não desaparecem: insistem em insinuar-se na consciência apesar da sua perda de suporte. Um tratamento filosófico do problema deve lidar com tais perturbações do espírito, e não apenas com a sua expressão verbal.

Mudo de opinião acerca do problema do livre-arbítrio de cada vez que penso nele e, por isso, não posso oferecer um ponto de vista nem sequer moderadamente fiável; mas a minha presente opinião é que nada que possa ser a solução foi jamais descrito. Este não é o caso em que há várias soluções candidatas possíveis e não sabemos qual a correcta. É o caso em que nada de credível foi (que seja do meu conhecimento) proposto fosse por quem fosse à discussão pública alargada do assunto.

A dificuldade, como procurarei explicar, é que enquanto podemos facilmente invocar efeitos perturbantes adoptando uma perspectiva exterior das nossas acções e das acções dos outros, é impossível apresentar uma concepção coerente da perspectiva interior da acção, que se encontra ameaçada. Quando procuramos explicar o que acreditamos parecer debilitado por uma concepção das acções como acontecimentos no mundo — determinados ou não — acabamos com algo que ou é incompreensível ou claramente inadequado.

Isto sugere naturalmente que a ameaça não é real, e que uma concepção da liberdade pode ser apresentada de tal modo que seja compatível com a visão objectiva, e até talvez com o determinismo. Mas eu acredito não ser o caso. Todas essas concepções são incapazes de suavizar o facto de que, olhados suficientemente do exterior, os agentes estão desamparados e não são responsáveis. As concepções compatibilistas da liberdade tendem a ser ainda menos plausíveis do que as libertistas. E também não é possível dissolver simplesmente o nosso sentido não analisado de autonomia e responsabilidade. É algo de que não nos conseguimos livrar, seja relativamente a nós mesmos ou aos outros. Estamos aparentemente condenados a querer o impossível.

Autonomia

O primeiro problema é o da autonomia. Como se levanta ele?

Agindo, ocupamos a perspectiva interior, e podemos ocupá-la compreensivamente no que respeita às acções de outros. Mas, quando nos afastamos do nosso ponto de vista individual, e consideramos as nossas próprias acções e as dos outros simplesmente como parte do curso dos acontecimentos num mundo que nos contém, entre outras criaturas e coisas, começa a parecer como se nunca realmente contribuíssemos com nada.

Visto do interior, quando agimos parece haver possibilidades alternativas que se abrem diante de nós: virar à direita ou à esquerda, pedir este ou aquele prato, votar neste ou naquele candidato — e que uma das possibilidades é actualizada por aquilo que fazemos. O mesmo se aplica à nossa consideração interior das acções dos outros. Mas, de uma perspectiva exterior, as coisas parecem diferentes. Essa perspectiva inclui não só as circunstâncias da acção tal como se apresentam ao agente, mas também as condições e influências subjacentes à acção, incluindo a natureza completa do próprio agente. Se bem que não possamos ocupar integralmente esta perspectiva relativamente a nós mesmos ao agir, parece possível que muitas das alternativas aparentemente em aberto quando vistas de uma perspectiva interior pareçam fechadas deste ponto de vista exterior, se pudermos tomá-lo. E, ainda que algumas permaneçam em aberto, dadas uma especificação completa das condições do agente e as circunstâncias da acção, não é claro de que modo isto deixaria algo com que o agente pudesse contribuir para o sucedido — algo com o qual ele pudesse contribuir como fonte, em vez de meramente como lugar do sucedido —, para além da pessoa de quem o acto é. Se essas alternativas permanecem em aberto dado tudo acerca do agente, o que tem ele a ver com o sucedido?

De uma perspectiva externa, então, tanto o agente como tudo acerca dele parecem ser absorvidos pelas circunstâncias da acção; nada dele resta para intervir nessas circunstâncias. Isto sucede quer a relação entre a acção e as suas condições anteriores seja concebida como determinista quer não. Em qualquer dos casos, deixamos de fazer face ao mundo e, ao invés, tornamo-nos partes dele; e tanto nós como as nossas vidas são vistas como produtos e manifestações do mundo como um todo. Tudo o que faço ou que qualquer um faz é parte de um curso mais vasto de acontecimentos que ninguém “faz”, mas que acontece, com ou sem explicação. Tudo o que faço é parte de qualquer coisa que não faço, porque eu sou uma parte do mundo. Podemos elaborar este quadro exterior por referência a factores biológicos, psicológicos e sociais na formação de nós mesmos e de outros agentes. Mas o quadro não tem que estar completo para se tornar ameaçador. Basta formar a ideia da possibilidade de um tal quadro. Ainda que não possamos alcançá-lo, um observador literalmente exterior a nós poderia fazê-lo.

Por que razão é isto ameaçador, e o que é ameaçado por isto? Por que razão não nos contentamos com considerar a perspectiva interior do agir como uma forma de obscura aparência subjectiva, baseada, como inevitavelmente deve ser, numa perspectiva incompleta das circunstâncias? As alternativas só são alternativas relativamente ao que conhecemos, e as nossas escolhas resultam de influências das quais só parcialmente temos consciência. A perspectiva exterior providenciaria, então, uma visão mais completa, superior à interior. Aceitamos uma subordinação paralela da aparência subjectiva à realidade objectiva noutras áreas.

A razão pela qual não podemos aceitá-la aqui, ao menos não como solução geral, é que a acção é demasiado ambiciosa. Aspiramos, em algumas das nossas acções, a uma espécie de autonomia que não seja mera aparência subjectiva — não meramente ignorância das suas fontes — e temos a mesma perspectiva de outros como nós. A consciência de que somos os autores das nossas próprias acções não é apenas um sentimento, mas uma crença, e não podemos encará-la como pura aparência sem abdicar totalmente dela. Mas de que crença se trata?

Disse anteriormente que suspeito de que não se trata de todo de uma crença inteligível. O que vou dizer é altamente controverso, mas deixem-me descrever o que considero ser a nossa concepção vulgar de autonomia. Apresenta-se inicialmente como a crença de que as circunstâncias anteriores, incluindo a condição do agente, deixam indeterminadas algumas coisas que faremos: elas são determinadas exclusivamente pelas nossas escolhas, que são motivacionalmente explicáveis, mas não causalmente determinadas. Se bem que muitas das condições da escolha, quer interiores quer exteriores, sejam ditadas pelo mundo e não estejam sob o meu controlo, uma série de possibilidades em aberto são-me geralmente apresentadas por ocasião de uma acção — e quando, agindo, torno uma dessas possibilidades actual, a explicação final deste acto (uma vez tido em consideração o cenário que define as possibilidades) é dada pela explicação intencional da minha acção, que só é compreensível através do meu ponto de vista. A minha razão para o fazer é toda a razão pela qual ele aconteceu, e nenhuma explicação adicional é necessária ou possível. (O facto de eu o fazer por nenhuma razão em particular é um caso limite deste tipo de explicação.)

O ponto de vista objectivo parece varrer tal autonomia, uma vez que só admite um tipo de explicação acerca do porquê de determinada coisa ter acontecido — a explicação causal — e equipara a ausência de tal explicação à ausência de qualquer explicação. Pode admitir explicações causais probabilísticas, mas a ideia básica que considera adequada é que a explicação de uma ocorrência deve mostrar de que modo essa ocorrência, ou uma série de possibilidades dentro das quais cai, foi tornada necessária por condições e acontecimentos anteriores. (Nada direi acerca da vasta questão de como deve esta noção de necessidade ser interpretada.) Enquanto tal necessidade não existir, a ocorrência permanece inexplicada. Não há lugar, numa imagem objectiva do mundo, para um tipo de explicação da acção que não seja causal. A defesa da liberdade requer o reconhecimento de um tipo diferente de explicação, essencialmente ligado ao ponto de vista do agente.

Ainda que possa ser contestado, acredito que temos tal ideia de autonomia. Muitos filósofos defenderam uma ou outra versão desta posição como a verdade acerca da liberdade: Farrer, Anscombe e Wiggins, por exemplo.(As teorias metafísicas sobre a causalidade do agente abraçadas por Chisolm e Taylor são diferentes, porque procuram forçar a autonomia na ordem causal objectiva — dando nome a um mistério.) Mas, seja qual for a versão que se escolha, o problema é que, embora possa dar uma correcta descrição de superfície da nossa compreensão pré-reflexiva da nossa autonomia, quando a olhamos de perto a ideia desaba. A forma alternativa de explicação não explica realmente, de forma alguma, a acção.

A ideia intuitiva de autonomia inclui elementos conflituantes, que implicam que ela seja e, simultaneamente, não seja uma maneira de explicar por que razão uma acção foi feita. Uma acção livre não deveria ser determinada pelas condições anteriores, e deveria ser explicada, integral e exclusivamente, pela intenção, em termos de razões justificativas e fins. Quando uma pessoa faz uma escolha autónoma, tal como se aceitar ou não um emprego, e há razões de ambos os lados da questão, somos supostamente capazes de explicar o que essa pessoa fez apontando as razões para o aceitar. Mas poderíamos igualmente ter explicado a sua recusa do emprego, se ela o tivesse recusado, referindo-nos às razões do outro lado da questão — e ela poderia tê-lo recusado por essas outras razões: tal é a reivindicação essencial da autonomia. Ela tem lugar ainda que uma escolha seja significativamente menos razoável do que a outra. As más razões são, também, razões3.

A explicação intencional, se existe, pode explicar qualquer das escolhas em termos das razões apropriadas, uma vez que qualquer das escolhas seria inteligível, caso tivesse ocorrido. Mas, por esta mesma razão, ela não pode explicar por que razão a pessoa aceitou o emprego pelas razões a favor, em vez de o ter recusado pelas razões contra. Não pode explicar, no terreno da inteligibilidade, porque um de dois cursos inteligíveis de acção, igualmente possíveis, ocorreu. E, mesmo que consiga dar conta disto em termos de razões adicionais, haverá um ponto em que a explicação cede. Dizemos que tanto o carácter como os valores de uma pessoa se revelam nas escolhas que faz em tais circunstâncias; mas, se essas condições são, na verdade, independentes, também elas devem ter, ou carecer de, explicação.

Se a autonomia requer que o elemento central da escolha seja explicado de tal modo que não nos retire do ponto de vista do agente (deixando de lado a explicação do que o confronta com a escolha), então as explicações intencionais devem simplesmente findar quando todas as razões disponíveis tiverem sido dadas e nada mais puder substituí-las onde elas cessam. Mas isto parece significar que uma explicação intencional autónoma não pode explicar precisamente o que se queria explicar, nomeadamente por que razão fiz o que fiz, em lugar da alternativa que estava causalmente aberta perante mim. Ela diz que o fiz por certas razões, mas não explica por que razão decidi não o fazer por outras razões. Pode tornar a acção subjectivamente inteligível, mas não explica por que razão esta acção, em vez de outra igualmente possível e comparativamente inteligível, foi feita. Isto parece ser algo para o qual não há explicação, seja intencional ou causal.

Claro que há uma explicação intencional trivial: as minhas razões para fazer uma coisa são também as minhas razões contra não a fazer por outras razões. Mas, uma vez que o mesmo poderia ser dito se eu tivesse feito o oposto, isto equivale a explicar o que aconteceu dizendo que aconteceu. Isso não afasta a questão de saber por que razão foram essas razões e não outras as que me motivaram. Nalgum ponto esta questão ou não terá resposta, ou terá uma resposta que nos retira do domínio das razões normativas subjectivas e nos conduz ao domínio das causas formativas do meu carácter ou personalidade4.

Assim, tenho dificuldade em explicar em que acreditamos quando acreditamos que somos autónomos — que crença inteligível está minada pela visão exterior. Ou seja, não posso dizer o que sustentaria, a ser verdade, a nossa consciência de que as nossas acções livres têm origem em nós. No entanto, a consciência de uma explicação interior persiste — uma explicação à margem da visão exterior, que seja completa em si e torne ilegítimos quaisquer pedidos adicionais de explicação da minha acção enquanto acontecimento no mundo.

Como último recurso, o libertista poderia afirmar que quem não aceita uma compreensão do que eu teria podido fazer como uma explicação básica da acção é vítima de uma concepção muito limitada do que uma explicação é — uma concepção fechada no ponto de vista objectivo que, por esse motivo, supõe como verdadeiro o que se pretende demonstrar contra o conceito de autonomia. Mas o libertista precisa de uma resposta melhor do que essa. Por que razão não serão essas explicações subjectivas autónomas meras descrições do modo como pareceu ao agente — antes, durante e depois — fazer o que fez? Por que razão serão elas algo mais do que impressões? Claro que são, no mínimo, impressões, mas tomamo-las como impressões de algo, algo cuja realidade não é garantida pela impressão. Não sendo eu capaz de dizer o que esse algo é, e considerando, ao mesmo tempo, muito perturbadora a possibilidade da sua ausência, estou num beco sem saída.

Tenho de concluir que o que queremos é qualquer coisa impossível, e que o desejo dela é suscitado precisamente pela mesma visão objectiva de nós mesmos que revela tal coisa ser impossível. No momento em que nos vemos do exterior como pedaços do mundo, duas coisas acontecem: já não nos satisfazemos na acção com menos do que a intervenção no mundo a partir do exterior; e vemos claramente que isso não tem sentido. A própria capacidade que é a fonte da perturbação — a nossa capacidade de nos vermos do exterior — apoia as nossas aspirações à autonomia, dando-nos a consciência de que devemos ser capazes de nos abarcar completamente, e assim tornarmo-nos a fonte absoluta do que fazemos. Em todo o caso, não nos satisfaremos com menos.

Quando agimos, não estamos alheados do conhecimento de nós mesmos que é revelado pelo ponto de vista exterior, desde que possamos ocupá-lo. Afinal, é o nosso ponto de vista, tanto quanto o interior o é; e, se o tomamos, não podemos deixar de procurar incluir seja o que for que ele nos revele numa nova e alargada base de acção. Agimos, se possível, na base da mais completa visão das circunstâncias da acção que pudermos alcançar, e isto inclui uma visão tão completa de nós mesmos quanto pudermos alcançar. Não que queiramos ser paralisados pela autoconsciência. Mas não podemos contemplar-nos, na acção, como subordinados a uma perspectiva exterior de nós mesmos, porque subordinamos automaticamente a perspectiva exterior aos objectivos da nossa acção. Sentimos que, agindo, devemos ser capazes de determinar não só as nossas escolhas, mas também as condições interiores dessas escolhas, por muito que nos afastemos em direcção ao exterior de nós mesmos.

Assim, o ponto de vista exterior oferece a esperança de genuína autonomia e, simultaneamente, tira-a. Aumentando a nossa objectividade e autoconsciência, parecemos adquirir controlo acrescido sobre o que vai influenciar as nossas acções e, assim, tomar as nossas vidas nas nossas próprias mãos. No entanto, o objectivo lógico dessas ambições é incoerente, pois para sermos realmente livres teríamos de agir a partir de um ponto de vista completamente exterior a nós mesmos, escolhendo tudo acerca de nós mesmos, incluindo todos os nossos princípios de escolha — criando-nos a nós mesmos a partir do nada, por assim dizer.

Isto é autocontraditório: para fazermos qualquer coisa devemos ser já alguma coisa. Por muito que integremos da perspectiva exterior nos terrenos da acção e da escolha, esta mesma perspectiva exterior assegura-nos que permanecemos partes do mundo e produtos, determinados ou não, da sua história. Aqui como em qualquer outro local, o ponto de vista objectivo cria um apetite que ele mesmo mostra ser insaciável.

O problema da liberdade e o problema do cepticismo epistemológico são semelhantes, a este respeito. Na crença, como na acção, os seres racionais aspiram à autonomia. Desejam formar as suas crenças na base de princípios e métodos de raciocínio e confirmação que eles mesmos possam julgar correctos, em lugar de as formar na base de influências que não compreendem, de que não têm conhecimento, ou a que não podem aceder. Esse é o objectivo do conhecimento. Mas, levado ao seu limite lógico, o objectivo é incoerente. Não podemos aceder a, e rever ou confirmar todo o nosso sistema de pensamento e decisão a partir do exterior, uma vez que nada teríamos a fazer com ele. Permanecemos, enquanto demandantes do conhecimento, criaturas no mundo, que não se criaram a si mesmas, e a quem alguns dos processos de conhecimento foram simplesmente dados.

Na formação da crença, como na acção, pertencemos a um mundo que não criámos e do qual somos os produtos; é a visão exterior que simultaneamente revela isto e nos faz querer mais. Por mais objectiva que seja a perspectiva que consigamos integrar na base das nossas acções e crenças, continuamos ameaçados pela ideia de uma visão ainda mais exterior e compreensiva de nós mesmos que não podemos integrar, mas que revelaria as fontes não escolhidas dos nossos esforços mais autónomos. A objectividade que parece oferecer controlo acrescido revela também a cedência fundamental do eu.

Poderemos prosseguir no atraente trilho da objectividade sem acabar no abismo, onde a procura da objectividade se mina a si mesma e a tudo o mais? Na prática, fora da filosofia encontramos alguns pontos de paragem ao longo do caminho, e não nos preocupamos com o que pareceriam as coisas se fôssemos mais longe. Também a este respeito a situação se assemelha à da epistemologia, onde a justificação e a crítica razoavelmente cessam com serenidade na vida quotidiana. O problema é que a nossa complacência parece injustificável assim que reflectimos sobre o que seria revelado a uma visão ainda mais exterior, e não é claro de que modo poderemos restabelecer esses pontos de paragem naturais numa nova base, uma vez questionados.

Seria necessária alguma alternativa à literalmente ininteligível ambição de intervir no mundo a partir do exterior (uma ambição expressa por Kant na ideia ininteligível do eu numénico, fora do tempo e da causalidade). Esta ambição ergue-se por uma extensão natural ou por continuação da procura da liberdade na vida quotidiana. Desejo agir não só à luz das circunstâncias exteriores que se colocam perante mim e das possibilidades que deixam em aberto, mas também à luz das circunstâncias interiores: os meus desejos, crenças, sentimentos e impulsos. Desejo ser capaz de submeter os meus motivos, princípios e hábitos ao exame crítico, de tal modo que nada me mova a agir sem o meu acordo. Desta maneira, o cenário face ao qual ajo alarga-se e estende-se gradualmente em direcção ao interior, até que inclua mais e mais de mim mesmo, considerado como um dos conteúdos do mundo.

De início, o processo parece genuinamente incrementar a liberdade, tornando o autoconhecimento e a objectividade parte da base da acção. Mas o perigo é óbvio. Quanto mais completamente o eu for absorvido pelas circunstâncias da acção, tanto menos tenho com que agir. Não posso colocar-me completamente fora de mim mesmo. O processo que se inicia como um meio para o alargamento da liberdade parece conduzir à sua destruição. Quando contemplo o mundo como um todo, observo as minhas acções, mesmo mais empiricamente “livres”, como partes do curso da natureza, e isto não é nem o meu fazer, nem o de ninguém mais. O eu objectivo não está em posição de controlar a minha vida a partir do exterior mais do que TN [Thomas Nagel] está.

No fim do trilho que parece conduzir à liberdade e ao conhecimento encontram-se o cepticismo e o desamparo. Só podemos agir no interior do mundo; mas, quando nos observamos do exterior, a autonomia que experienciamos do interior surge como uma ilusão, e nós, que observamos do exterior, não podemos de todo agir.

Responsabilidade

Parece-me que o problema da responsabilidade é insolúvel ou, pelo menos, está por resolver por razões idênticas [às do problema da autonomia]. Responsabilizamo-nos moralmente a nós mesmos e aos outros por, no mínimo, algumas acções, quando as observamos do interior; mas não podemos dar conta do que teria de ser verdade para justificar tal juízo. Quando as pessoas são vistas como partes do mundo, determinadas ou não, parece não haver maneira de lhes imputar responsabilidade pelo que fazem. Tudo acerca delas, incluindo, finalmente, as suas próprias acções, parece confundir-se com o ambiente sobre o qual não têm controlo. E quando, então, voltamos a considerar as acções do ponto de vista interior, não somos capazes de dar sentido, através de um exame minucioso, à ideia de que o que as pessoas fazem depende, em última instância, delas. E, no entanto, continuamos a comparar o que elas fazem com as alternativas que rejeitam, e a louvá-las ou censurá-las por isso. (Os meus exemplos envolverão, na generalidade, juízos negativos, mas tudo o que digo deverá aplicar-se tanto ao louvor como à censura.)

O que sucede aqui? Deixe-me começar com uma explicação pré-filosófica do que é um juízo de responsabilidade. Envolve sempre duas partes, a que chamarei o juiz e o réu. Podem ser a mesma pessoa, tal como na circunstância em que alguém se responsabiliza por fazer ou ter feito qualquer coisa. Mas será mais fácil examinar as complexidades do fenómeno se nos concentrarmos, em primeiro lugar, no caso interpessoal, e em como ele, em última análise, desaba.

O réu é um agente e, num juízo de responsabilidade, o juiz não decide apenas se o que foi feito é uma coisa boa ou má, antes procura colocar-se no ponto de vista do réu, enquanto agente. Todavia, o juiz não está meramente preocupado com o que o réu sentiu: antes procura aceder à acção à luz das alternativas que se lhe apresentaram — alternativas entre as quais escolheu ou deixou de escolher, e à luz das considerações e tentações que pesaram na escolha —, que ele teve em conta ou deixou de ter em conta. Louvar ou censurar não é meramente ajuizar se o que aconteceu é uma coisa boa ou má, mas ajuizar a pessoa por tê-lo feito, tendo em vista as circunstâncias em que foi feito. A dificuldade consiste em explicar de que modo é isto possível — de que modo podemos fazer mais do que acolher bem ou lamentar o sucedido, ou, talvez, a psicologia do agente.

A principal coisa que fazemos é comparar o acto ou a motivação com as alternativas, melhores ou piores, que foram deliberada ou implicitamente rejeitadas, embora a sua aceitação, nas circunstâncias, tivesse sido motivacionalmente compreensível. É este o cenário em que se projectam tanto uma compreensão interior da acção como um juízo do que deveria ter sido feito. É a compreensão do acto, em contraste com as alternativas não tomadas, juntamente com uma avaliação normativa dessas alternativas — igualmente deslocadas para o ponto de vista do réu — que consentem um juízo interior de responsabilidade. O que foi feito é visto como uma selecção operada pelo réu a partir da gama de possibilidades com que se confrontou, e é definido por contraste com essas possibilidades.

Quando responsabilizamos o réu, o resultado não é meramente uma descrição do seu carácter, mas uma ocupação, por outros, do seu ponto de vista, e uma avaliação da sua acção a partir do seu interior. Se bem que este processo não necessite de ser acompanhado por sentimentos fortes, é-o frequentemente, e o seu carácter dependerá da maneira de ser do juiz. Juízos condenatórios, por exemplo, podem ser acompanhados por impulsos de retribuição e castigo. Estes surgirão muito mais provavelmente na sua máxima ferocidade quando a disposição psicológica do juiz o sujeita a fortes conflitos relativamente à situação de escolha do réu. Um juízo de responsabilidade envolve uma dupla projecção: na escolha actual e nas alternativas possíveis, melhores ou piores. Se o juiz se identifica fortemente com o mau acto realizado ou evitado, então o seu desprezo ou admiração serão correspondentemente fortes. É um facto conhecido que os pecados que mais detestamos são os que mais nos tentam, e que admiramos acima de tudo as virtudes que consideramos mais difíceis.

As espécies de coisas pelas quais ajuizamos os outros variam. Não condenamos uma cascavel por coisa alguma, e um gato por nada ou quase nada. A nossa compreensão das suas acções, e mesmo do seu ponto de vista, afasta-nos demasiado deles para permitir seja que juízo for do que tenham feito. Tudo o que podemos fazer é compreender por que fizeram o que fizeram, e ficarmos felizes ou infelizes com isso. Relativamente às crianças, as possibilidades de juízo moral são consideravelmente maiores, mas ainda não podemos deslocar-nos integralmente para o seu ponto de vista de maneira a pensar no que deveriam fazer, contrariamente ao que seria requerido de um adulto, em circunstâncias semelhantes. Idênticos limites se aplicam a juízos da inteligência ou da estupidez de outras pessoas. Não se cometeu um erro estúpido se se falhou a capacidade de pensamento necessária para tirar a conclusão correcta a partir da informação disponível. Quanto maiores as capacidades intelectuais, tanto maiores as oportunidades quer para a estupidez, quer para a inteligência. Sucede o mesmo relativamente ao bem e ao mal. Uma criança de cinco anos pode ser censurada por ter atirado o gato pela janela, mas não por uma grosseira falta de tacto.

Duas espécies de coisas podem debilitar um juízo de responsabilidade, e as condições familiares de desculpa caem numa ou noutra dessas classes. Primeiro, tanto o carácter da escolha como as circunstâncias da acção que enfrentam o réu podem revelar-se diferentes do que pareciam. Ele pode não ter completo conhecimento das consequências do que faz; pode estar a agir sob severa coerção ou coacção; certas alternativas que pareciam disponíveis podem não o estar, ou ele pode não ter conhecimento delas. Tais descobertas alteram o carácter da acção a avaliar, mas não bloqueiam totalmente um juízo de responsabilidade.

Em segundo lugar, algo pode impedir o juiz de deslocar os seus padrões para o ponto de vista do réu — o lance inicial necessário a qualquer juízo de responsabilidade. Algumas descobertas tornam o deslocamento do juiz para a perspectiva do réu irrelevante do ponto de vista da avaliação do que o réu fez, porque ele é substancialmente diferente do réu de maneiras cruciais. Por exemplo, o réu pode ter actuado sob sugestão hipnótica, ou sob a influência de uma droga poderosa, ou ainda, na tendência da ficção científica, sob o controlo directo de um cientista louco que manipulasse o seu cérebro. Ou pode revelar-se não ser de todo um ser racional. Nestes casos, o juiz não considerará a posição privilegiada do réu como a posição correcta a tomar para fins de avaliação. Não se deslocará para o ponto de vista do réu, antes permanecerá fora dele — de modo a que a contemplação de possibilidades alternativas não justifiquem louvor ou censura, mas apenas alívio ou pesar.

O desaparecimento filosófico de toda a responsabilidade é uma extensão deste segundo tipo de dissociação. A essência de um juízo de responsabilidade é uma comparação interior com alternativas — escolhas que o agente não fez, que contrastamos com as que fez, para melhor ou para pior. Em juízos vulgares de responsabilidade, uma visão objectiva do agente pode levar-nos a alterar a nossa suposição acerca de que alternativas são aceitáveis, em termos de tal comparação. Mesmo alternativas que pareciam na altura disponíveis ao agente podem parecer-nos sem possibilidades de êxito, à medida que a nossa visão exterior dele se torna mais completa.

O ponto de vista radicalmente exterior, que levanta o problema filosófico da responsabilidade, parece tornar inaceitáveis todas as alternativas. Vemos o agente como um fenómeno originado pelo mundo de que é parte. Um dos aspectos do fenómeno é a sua consciência de escolher entre alternativas, por boas ou más razões. Mas isso não faz qualquer diferença. Pensemos ou não que o seu raciocínio prático e as suas escolhas são determinadas, não podemos deslocar-nos a nós mesmos para o seu ponto de vista para comparar alternativas uma vez que tenhamos ascendido a esse extremo ponto de vista objectivo que o vê meramente como parte do mundo. As alternativas em que ele pode pensar como disponíveis para si são, deste ponto de vista, apenas cursos alternativos que o mundo poderia ter tomado. O facto de que o que não sucedeu tivesse sido melhor ou pior do que o que sucedeu não sustenta mais um juízo interior de responsabilidade acerca de um ser humano do que de uma cascavel.

Além disso, tal como é verdade a respeito da autonomia, não há nada que possamos imaginar ser verdade acerca do agente, mesmo tendo em conta o seu próprio ponto de vista, que sustentasse tal juízo. Uma vez que estejamos nesta posição exterior, nada acerca da explicação intencional da acção ajudará. Ou alguma coisa que não as razões do agente explica por que agiu ele pelas razões que agiu, ou nada o fará. Em qualquer dos casos, o ponto de vista exterior vê as alternativas não como alternativas para o agente, mas como alternativas para o mundo, que incluem o agente. E o mundo, é claro, não é um agente e não pode ser responsabilizado.

O verdadeiro problema é a posição privilegiada exterior. Em juízos vulgares de responsabilidade não nos afastamos tanto em direcção ao exterior, antes permanecemos no interior do nosso ponto de vista humano natural, e deslocamo-lo para o de outros seres, seres semelhantes, detendo-nos apenas onde ele não se adequa. Mas juízos em tal base são vulneráveis à visão mais exterior, que pode incluir tanto o réu como o juiz. Então, todo o conjunto — a escolha do réu, o deslocamento do juiz para essa escolha e o juízo resultante — é igualmente visto como um fenómeno. A consciência que o juiz tem das alternativas do réu revela-se uma ilusão que deriva da deslocação do juiz da sua própria consciência ilusória — na realidade, ininteligível — de autonomia no próprio réu.

Não posso deixar de me responsabilizar a mim mesmo e aos outros na vida quotidiana, da mesma maneira que não posso deixar de sentir que as minhas acções são originadas por mim. Mas isto é apenas outra maneira segundo a qual, a alguma distância, pareço a mim mesmo apanhado na armadilha.

Como de costume, uma perspectiva radicalmente exterior presenteia-me com uma exigência insaciável. Dá-me a ideia de que para ser verdadeiramente autónomo teria de ser capaz de agir à luz de tudo o que diz respeito a mim mesmo — agir a partir de fora de mim e, na verdade, de fora do mundo. E faz qualquer deslocação para o ponto de vista de um agente comum parecer irreal. O que ele vê como alternativas entre as quais pode decidir são realmente, deste ponto de vista, cursos alternativos que o mundo poderia ter tomado, no interior do qual as suas acções caem. Alternativas para o mundo não são alternativas para ele, justamente porque o incluem. Num certo sentido, o ponto de vista radicalmente exterior não é, de todo, um ponto de vista de escolha. É só quando o esqueço e regresso ao meu estatuto de semelhante que me posso deslocar para o ponto de vista de outro agente do modo requerido por um juízo de responsabilidade. Só então posso avaliar as alternativas que o confrontam e, assim, ajuizá-lo pelo que fez.

A desorientação dos juízos morais em virtude do distanciamento objectivo é instável. Podemos temporariamente conseguir ver William Calley5, por exemplo, como um fenómeno — um pedaço repulsivo e perigoso da biosfera — sem o condenar com base num deslocamento, para o seu ponto de vista, da nossa própria consciência das alternativas genuínas em acção. Mas é praticamente impossível permanecer na atitude de incapacidade para condenar o Tenente Calley pelos assassinatos em My Lai: os nossos sentimentos regressam antes da tinta do argumento estar seca. Isto sucede porque não nos mantemos na rarefeita atmosfera objectiva, antes caímos de novo no nosso ponto de vista enquanto agentes, que então nos permite tomar o ponto de vista de Calley, quando entra na aldeia para encontrar apenas camponeses tomando o pequeno-almoço, e nenhuma resistência, como o ponto de vista no interior do qual a avaliação deve proceder6. Não podemos permanecer no exterior do Tenente Calley, porque não podemos permanecer no exterior de nós mesmos. Todavia, o ponto de vista exterior é sempre uma possibilidade e, uma vez tendo-o ocupado, já não podemos olhar da mesma maneira os nossos juízos interiores de responsabilidade. De um ponto de vista que está ao nosso alcance, eles podem subitamente parecer depender de uma ilusão — um esquecimento do facto de que somos apenas partes do mundo, e as nossas vidas apenas partes da sua história.

Thomas Nagel
Free Will, ed. por Gary Watson (Oxford University Press, 2003), pp. 229-265. Original em The View From Nowhere, de Thomas Nagel (Oxford University Press, Oxford, 1986).

Notas

  1. Nisto, estou de acordo com R. Taylor, Action and Purpose, Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall, 1966, p. 140.

  2. Jonathan Bennett faz esta distinção, chamando-lhes, respectivamente, os problemas do agir e da responsabilidade (accountability) (Bennett, Kant’s Dialetic, Cambridge, Cambridge University Press, 1974, Cap. 10).

  3. Alguns sustentariam que teríamos toda a autonomia que quiséssemos se a nossa escolha fosse determinada por razões irresistíveis. Hampshire, por exemplo, atribui a Espinosa a posição de que “um homem é extremamente livre, … e igualmente se sente extremamente livre, quando não pode deixar de tirar uma certa conclusão, e não pode deixar de empreender um certo curso de acção, tendo em conta as razões evidentemente irresistíveis a favor dele… A questão está decidida para ele quando os argumentos a favor de uma conclusão teórica são argumentos conclusivos” (S. Hampshire, “Spinoza and the Idea of Freedom”, Procedings of the British Academy, 1960, p. 198). E Wolf propõe, como a condição da liberdade, que o agente “pudesse ter feito outra coisa se houvesse razão boa e suficiente” (S. Wolf, “Asymetrical Freedom”, Journal of Philosophy, 1980, p. 159) — o que significa que, se não houvesse uma boa razão para agir diferentemente, o agente livre não precisaria de ter podido agir diferentemente.

    Algo semelhante tem mais plausibilidade a respeito do pensamento, creio eu, do que a respeito da acção. Na formação de crenças não podemos esperar mais do que ser determinados pela verdade (ver D. Wiggins, “Freedom, Knowledge, Belief and Causality”, in Knowledge and Necessity, Royal Institute of Society Lectures, vol. III, Londres, MacMillan, 1970, pp. 145-8), mas, na acção, a nossa suposição inicial é diferente. Mesmo quando nos sentimos racionalmente obrigados a agir, isto não significa que sejamos causalmente determinados. Quando Lutero diz que não pode fazer outra coisa, refere-se à irresistibilidade normativa das suas razões, não ao seu poder causal; e creio que, mesmo em tal caso, a determinação causal é incompatível com a autonomia.

  4. Lucas dá conta disto, mas não é, penso eu, suficientemente desencorajado por isso: “Persiste uma tensão entre o programa da completa explicabilidade e os requisitos da liberdade. Se os homens têm livre-arbítrio, então nenhuma explicação completa das suas acções pode ser dada, excepto por referência a eles mesmos. Podemos dar as suas razões. Mas não podemos explicar por que razão as suas razões são razões para eles… Interrogado sobre porque agi, dou as minhas razões: interrogado sobre porque escolhi aceitá-las como razões, só posso dizer “fi-lo"" (J. R. Lucas, The Freedom of the Will, Oxford, Oxford University Press, 1970, pp. 171–172).

  5. Soldado norte-americano condenado por crimes de guerra no Vietname (N. do T.ub).

  6. Ver S. M. Hirsch, My Lai 4, New York, Random House, 1970, para detalhes.

Copyright © 2024 criticanarede.com
ISSN 1749-8457