Poderá o conceito contemporâneo do “estético” ser defendido? Encontra-se em boa forma ou estará enfermo? Devemos mantê-lo ou descartá-lo?
O conceito do estético é usado para caracterizar um âmbito de juízos e experiências. Comecemos com alguns exemplos de juízos que os estetas classificam como estéticos, de modo a termos alguma ideia daquilo acerca de que falamos. Esses casos paradigmáticos irão escorar a discussão subsequente. Uma vez que tenhamos uma ideia de que juízos são classificados como juízos estéticos, podemos passar a considerar o que têm em comum, se é que têm.
Ajuizamos que as coisas são belas ou feias, ou que têm ou não valor estético ou mérito estético. Chamemos veredictivos a esses juízos. (Classifico os juízos de beleza e de valor estético conjuntamente.)1 Também ajuizamos que as coisas são mimosas, desairosas, graciosas, garridas, delicadas, equilibradas, calorosas, arrebatadas, soturnas, desengraçadas e tristes. A estes juízos chamemos juízos estéticos substantivos. Os objetos e eventos acerca dos quais fazemos juízos veredictivos e substantivos incluem tanto objetos naturais como obras de arte.
Os estetas tradicionalmente têm-se preocupado em compreender a natureza dos juízos veredictivos. O interesse nos juízos substantivos, por contraste, é uma novidade – algo que emergiu somente após a segunda guerra mundial. O interesse nos juízos de beleza e fealdade tem uma história milenar, ao passo que o interesse nos juízos substantivos tem uma história de décadas.
A categoria contemporânea dos juízos estéticos, como é normalmente concebida, inclui tanto os juízos veredictivos como os juízos substantivos. Mas “estético” é um termo técnico, e não há uma resposta correcta acerca de como se deve usar a palavra. Por exemplo, o uso moderno é bastante diferente do de Kant. O que está em causa é o propósito de uma classificação que agrupa o belo juntamente com o mimoso e o desairoso. Haverá algo a dizer a favor de semelhante classificação? Ou será arbitrário? Haverá semelhanças relevantes que tornariam esclarecedora e meritória essa classificação inclusiva? O outro lado do problema é acerca dos juízos representacionais. Exemplos de juízos representacionais são juízos de que uma dada obra de arte é de Napoleão ou de uma árvore. Os juízos representacionais são normalmente, mas nem sempre, excluídos da categoria dos juízos estéticos. Haverá dissemelhanças relevantes que tornariam essa exclusão esclarecedora e meritória?
A questão não é acerca de termos estéticos, visto que, como sublinhou Roger Scruton, há muitas descrições estéticas que não usam termos estéticos. (Scruton 1974; veja também Sibley 1959, pp. 422–423, 446-448.) Trata-se de descrições estéticas metafóricas. Por exemplo, dizemos que as obras de arte são “delicadas” ou “equilibradas”. Uma subclasse de descrições estéticas metafóricas são as descrições metafóricas expressivas; por exemplo, dizemos que as obras de arte são “tristes” ou “soturnas” ou “serenas”. Além disso, termos que são paradigmaticamente estéticos são usados metaforicamente em juízos que não são juízos estéticos (uma “bela” mão num jogo de cartas). Estamos interessados num tipo de acto mental, não em linguagem.
O que precisamos de fazer para vindicar o conceito moderno do estético é apresentar uma explicação que torne inteligível a categorização dos exemplos. O risco é de que a lista de exemplos de juízos estéticos não seja tão unificada como se tem pensado; e talvez itens que não figuram na lista tenham bastante em comum com itens que estão presentes na lista. Não se trata da monótona tarefa neo-wittgensteiniana de analisar o nosso conceito do estético, mas a mais interessante e possivelmente mais genuinamente wittgensteiniana tarefa de desvendar o propósito da classificação.2
Comecemos pelo que podemos dizer, de relativamente incontroverso, acerca dos juízos de beleza e fealdade. Na sua Crítica do Juízo, Kant caracterizou o que chamava “juízo de gosto”, expressão pela qual refere aquilo a que chamei “juízos veredictivos”. Na perspectiva de Kant, a característica mais básica dos juízos de gosto é terem universalidade subjectiva.3
Um juízo “subjectivo” tem por basea uma reacção que sentimos perante uma representação, como o prazer ou o desprazer. Podemos entender uma representação como um estado cognitivo, como uma crença ou experiência perceptiva, que pode ser verdadeiro ou verídico em virtude de como as coisas se passam no mundo. Uma reacção que sentimos, como o prazer ou o desprazer, não é um estado cognitivo.4
Um juízo que reclama “validade universal” no mínimo aspira a um tipo de correcção. Neste aspecto, Kant pensa que os juízos de gosto contrastam com os juízos do que apraz e desapraz, aos quais chama “juízos do agradável”. Os juízos de gosto aspiram a ser correctos e correm o risco de falhar. Devemos fazer determinados juízos. Há mais a dizer acerca da versão específica que Kant tem da condição de universalidade, uma vez que para Kant, ela está confinada a seres humanos ou a seres como nós; mas não temos de nos preocupar com isto aqui.
Na história kantiana, os juízos de gosto ocupam um lugar intermédio aos juízos do que apraz e desapraz e aos juízos empíricos acerca do mundo exterior. Os juízos de gosto são como os juízos empíricos na medida em que reclamam validade universal, mas diferem dos juízos empíricos na medida em que são feitos com base numa reacção subjectiva; mas diferem dos juízos do que apraz e desapraz, que não têm qualquer aspiração à validade universal. Para traçar as distinções inversamente: no que respeita à validade universal, os juízos de gosto são como os juízos empíricos e diferentes dos juízos do que apraz e desapraz; mas no que respeita à subjectividade, os juízos de gosto diferem dos juízos empíricos e assemelham-se aos juízos do que apraz e desapraz. Pelo que temos uma divisão ternária: juízos empíricos, juízos de gosto e juízos do que apraz e desapraz. E os juízos de gosto têm os dois pontos de semelhança e dissemelhança de cada lado, que acabei de notar.5
Para Kant, portanto, os juízos de gosto – isto é, juízos de beleza e fealdade, de mérito e demérito estético – são subjectivamente universais. E na minha perspectiva, Kant está certo acerca desta matéria. O que quero agora fazer é explorar as possibilidades de estender a explicação de Kant sobre juízos veredictivos de gosto aos outros juízos que foram categorizados como juízos estéticos no século XX. Como se ajusta a caracterização de Kant ao mimoso e ao desairoso? Se os juízos veredictivos são subjectivamente universais, poderá o mesmo afirmar-se acerca dos juízos substantivos?
Chamemos “neo-kantiano” ao projeto de mostrar como todos os juízos estéticos são subjectivamente universais. Se houvesse uma linha comum de subjectividade universal, percorrendo todos os juízos estéticos, isso tornaria não arbitrária a lista de juízos estéticos. Essa é seguramente a abordagem natural à questão, dada a história – o facto de que o conceito se expandiu a partir do seu núcleo inicial. Se esse projeto fosse bem-sucedido, a categoria do estético estaria vindicada. O conceito teria um propósito.6
Se o projeto neo-kantiano há de ser bem-sucedido, o conceito reconstruído do estético tem de incluir o mimoso e o desairoso e excluir as propriedades representacionais.
Os juízos substantivos dão-se bem com a segunda característica dos juízos de gosto. Reclamam validade universal ou correção. Imagine alguém que pensasse apropriado chamar “arrebatada” à música havaiana ou ao canto tirolês, e “jovial” ao flamenco ou ao rebético. Essa pessoa não teria ajuizado tão bem como outra que achasse “jovial” a música havaiana ou o canto tirolês, e “arrebatado” o flamenco e o rebético. Uma descrição é mais apropriada do que a outra. Pelo que a aspiração à correção se aplica tanto aos juízos substantivos como aos juízos de beleza.
A questão mais problemática é se os juízos substantivos são ou não subjectivos no sentido de Kant.
Como Kant correctamente afirmou, na esteira dos sentimentalistas britânicos, os juízos de beleza ou fealdade, ou de mérito ou demérito estético, são feitos com base numa reacção de prazer ou desprazer. Tanto Kant como os sentimentalistas britânicos concordam que não percepcionamos a beleza, embora percecionemos coisas que são belas. A questão é se podemos ou não generalizar a afirmação de Kant e defender que aplicar qualquer conceito estético requer algum tipo de reacção ou sentimento – embora não necessariamente o prazer ou o desprazer. Tal como o prazer e o desprazer correspondem a juízos de beleza e fealdade, assim talvez outros géneros de reacção ou sentimento correspondam a juízos de elegância e delicadeza. E talvez não haja reacção subjectiva ou sentimento no caso dos juízos representacionais. Se os juízos substantivos são baseados numa reacção subjectiva ou se os juízos representacionais não o são, então os juízos substantivos não se distinguirão pela sua universalidade subjectiva do modo como o programa neo-kantiano exige.
Em um sentido, é necessário que o juízo de que algo é gracioso ou delicado se baseie na experiência dessas qualidades. A questão difícil é: será que esta experiência é perceptiva? Ou seja, será que os conceitos de elegância ou delicadeza entram no conteúdo das experiências perceptivas?7 Se sim, a explicação kantiana não incluirá os juízos de elegância e delicadeza como juízos estéticos. Mas se esses juízos se baseiam numa reacção ou sentimento que temos em consequência de uma experiência perceptiva desprovida de semelhante conteúdo, então a explicação kantiana irá inclui-los como estéticos.
A dificuldade é que parece realmente plausível que percecionamos a elegância e a delicadeza. Quando ajuizamos que algo é gracioso ou delicado, é plausível que temos experiência da coisa como graciosa ou como delicada. E as descrições de música em termos emocionais, ou em termos de movimento, são também baseadas em, ou racionalmente causadas por, se ter experiência da música de uma certa maneira. Por exemplo, o juízo de que uma melodia é triste ou de que é sinuosa baseia-se na experiência de escutar a melodia como triste ou como sinuosa. (Veja Scruton 1983.) O problema é que isto parece fazer parte da nossa experiência perceptiva. Não é que tenhamos uma percepção neutra da música e depois reagimos achando-a triste ou sinuosa. Ao invés, estes conceitos entram no conteúdo da nossa experiência perceptiva. Escutamos a tristeza, ou seja o que for, na música. E isto parece não se ajustar ao modelo neo-kantiano.8 Se os juízos de elegância ou delicadeza não são essencialmente subjectivos, então encontram-se fora dos limites do estético e temos uma fragmentação da nossa inicialmente bem arrumada lista de juízos estéticos.
Nesta fase há uma resposta importante. A resposta consiste em afirmar que embora o mimoso e o desairoso e o elegante e o delicado entrem realmente no conteúdo das nossas experiências, isso não significa necessariamente que estamos a aplicar esses conceitos a objetos no mundo, de modo a formarmos crenças. Podemos estar meramente a imaginar que uma coisa é delicada ou triste, sem acreditar que o é. (Veja Scruton 1974, passim.) O juízo é um juízo “como se”. Talvez os juízos feitos com base nessas experiências sejam proveitosamente classificados como subjectivos. Semelhante explicação baseada na imaginação é plausível para juízos metafóricos de delicadeza e tristeza. Mas é também plausível para juízos substantivos não metafóricos, como juízos do mimoso e do desairoso. Vemos uma coisa como mimosa ou como desairosa.
Suponha que ajuízo de uma certa mesa que é “singela”. Esta característica é, num sentido, uma característica percetível da mesa. Não é estreitamente percetível do modo como as suas qualidades primárias e secundárias são percetíveis. Mas parece de facto uma característica que vemos nas qualidades primárias e secundárias da mesa. Vemos a singeleza ao ver as suas qualidades primárias e secundárias. Pelo que o juízo não é subjectivo num sentido estrito. Por outro lado, se um juízo de singeleza não envolve aplicar conceitos ao mundo num juízo empírico mas meramente imaginar que se aplicam, então poder-se-ia afirmar que esses juízos são subjectivos num sentido mais lasso. Porquanto esses juízos se baseiam numa reacção imaginativa à percepção comum.
Há um problema acerca de exatamente que género de experiência essa experiência imaginativa poderia ser. Poder-se-ia pensar que é uma forma de percepção aspectual – como ver uma imagem pato-coelho como um pato, ou um rosto numa nuvem. Todavia, parece que a percepção estética imaginativa não pode ser exatamente como a percepção aspectual comum, em que podemos passar de um aspecto a outro de acordo com a nossa vontade. Isto porque há restrições normativas sobre os juízos estéticos de singeleza que estão ligadas a restrições normativas sobre perceções de singeleza. Não devemos ver a mesa como singela se na verdade for mais apropriado vê-la como espalhafatosa e extravagante. Não se trata de podermos ver a mesa como singela se nos apetecer, e não precisarmos de o fazer se não nos apetecer. Devemos vê-la desse modo. Vê-la de um modo muito diferente seria incorrecto ou inapropriado. Mas a nossa percepção aspectual comum não está sujeita a essas restrições normativas: não sucede que devamos ver um aspecto em vez de outro. Mesmo se não pudermos evitar ver um homem na Lua ou um rosto nas nuvens, não há uma exigência de o vermos ali. Alguém que veja um animal ou uma flor em vez de um rosto não estará errado. Pelo que se adoptarmos a teoria de que as qualidades estéticas substantivas simplesmente são aspectos, como faz Roger Scruton no seu Art and Imagination, então têm de ser um tipo muito especial de aspecto. Há que fornecer uma explicação de como pode haver restrições normativas sobre a percepção de aspectos. Como pode suceder que há alguns aspectos que devemos ver e outros que não devemos ver? O teorizador da imaginação tem de responder a esta pergunta.9
Em todo o caso, parece que qualquer teoria sobre juízos estéticos substantivos tem de afirmar que estes envolvem algum tipo de percepção. Se o neokantismo se há de manter à tona, o tipo de percepção tem de ser tal que nela não se apliquem conceitos ao mundo, de modo a formarmos crenças com base nessas perceções. Isto parece abrir a possibilidade de podermos deslocar a fronteira entre juízos subjectivos e não-subjectivos de tal maneira que a categoria do subjectivo chegaria a incluir ou juízos baseados em reacções que sentimos quando temos experiências perceptivas ou juízos baseados em reacções perceptivas imaginativas a experiências perceptivas comuns. Se nos for permitido estender o conceito do subjectivo um pouco apenas, poder-se afirmar que os juízos substantivos são subjectivos. Continua a ser verdade que essas experiências imaginativas não são cognitivas no sentido de essas experiências sustentarem crenças. Parece que podemos salvar o programa neo-kantiano sendo flexíveis acerca da subjectividade.
A dificuldade é que ao esticar num ponto podemos criar uma protuberância noutro. Talvez as mudanças na forma conceptual não possam ser isoladas. As modificações podem levar a ramificações.
Eis a questão: será que a noção que agora estendemos continuará a excluir os juízos representacionais?
Os juízos de propriedades representacionais têm aspirações normativas. Evidentemente, há a tradição relativista seguida por pessoas como Barthes, Derrida e muitos outros que, apesar das suas diferenças, pensam que a aspiração à correção nos juízos de significado é num certo sentido uma ilusão ou um objetivo inatingível. Quando não são incoerentes, os relativistas cometem o erro de tomar uma tese epistemológica legítima por uma metafísica.10 A tese legítima é a de que a atribuição de significado não é “passiva”; ao invés, é criativa e envolve apoiarmo-nos nas nossas próprias crenças e valores. (Na verdade, Donald Davidson afirmou o mesmo.)11 O non sequitur está em concluir que qualquer atribuição de significado é tão válida como qualquer outra. (“O autor morreu, toda a interpretação é permitida”.) Há sem dúvida melhores e piores atribuições de propriedades representacionais. Se alguém interpretasse Guernica como se fosse acerca da invasão da Terra por marcianos, essa interpretação seria inferior a muitas outras. Ignoremos portanto os relativistas e aceitemos que os juízos representacionais reclamam validade universal.
E quanto à subjectividade? É aqui que reside o problema genuíno.
A atribuição de propriedades representacionais à arte visual não requer que tenhamos experiência de prazer. Mas Richard Wollheim parece estar certo ao afirmar que para atribuir a uma imagem a propriedade representacional de ser de uma árvore temos de a ver como uma árvore, ou que temos de ver uma árvore na imagem.12 Mas então o conceito “árvore” entra no conteúdo das nossas experiências perceptivas. Não se trata de pensarmos que há uma representação de uma árvore porque temos uma qualquer reacção subjectiva à experiência perceptiva.
O problema é que se concedemos que a atribuição de algumas propriedades substantivas envolve a percepção aspectual, ou algo de muito semelhante, e isso torna-as subjectivas, então parece que nos comprometemos a afirmar o mesmo acerca das propriedades representacionais. Uma vez que ampliemos a categoria do subjectivo para incluir os juízos substantivos, parece que as propriedades representacionais também entrarão. Mas por norma supõe-se que a categoria do estético inclui as primeiras mas não as últimas.
Contudo, pode-se argumentar que há uma diferença. As propriedades representacionais são uma questão de significado – as propriedades substantivas não o são. Alguém tem de fazer que algo seja uma representação; mas as propriedades substantivas podem ser exemplificadas por objetos naturais. Suponha que algo é uma representação de uma árvore. Então, como insiste Wollheim, a correção ou incorreção de ver um aspecto arbóreo é determinado por algo exterior à obra de arte – a intenção do artista; e pode-se argumentar que isto não se aplica à percepção aspectual envolvida nos juízos veredictivos ou substantivos. No caso dos juízos representacionais, o que faz uma percepção aspectual ser a correcta é determinado em parte pela intenção do artista. Um relativista pode afirmar afetadamente que se pode com toda a justificação defender que a Mona Lisa é uma representação de um disco voador; mas se o seu criador não teve a intenção de que representasse um disco voador, então não o faz. Algo representa uma árvore só se pode ser visto como uma árvore, ou uma árvore pode ser vista nele, e o artista teve a intenção de que pudesse ser visto como uma árvore, ou que uma árvore pudesse ser vista nele. A representação é “intencionalidade derivada”, e não “intencionalidade intrínseca”, nos termos de John Searle (Searle 1983). E isso significa que as propriedades representacionais são em parte determinadas pela intenção do artista. As intenções determinam em parte as propriedades representacionais, mesmo sendo verdade que o melhor modo de chegar às intenções do artista é normalmente não desenterrar informação bibliográfica acerca dele mas entregar-se à interpretação criativa da obra de arte.
Pelo que se pode argumentar que embora haja restrições normativas aos juízos representacionais – alguns são correctos e outros incorrectos – esta normatividade difere das aspirações normativas dos juízos veredictivos e substantivos. Não se trata somente de aquilo que determina a correção ou incorreção de determinadas perceções aspetuais ser algo além do objeto. Porquanto isso também sucede, argumentavelmente, com o belo e o mimoso quando precisamos ver a obra no contexto de uma tradição estilística de outras obras (Walton 1970). A ideia é que as propriedades representacionais são constituídas em parte pelas intenções do artista. Por contraste, o facto de o artista ter a intenção de que algo seja belo ou mimoso não faz parte do que constitui o caráter belo ou mimoso desse algo. (Isso é o que o artista se pode esforçar por conseguir, mas no qual pode fracassar.)13 Talvez tanto os juízos representacionais como os substantivos envolvam a percepção aspectual. Mas a correção de ver uma representação arbórea como uma árvore é constituída em parte pela intenção do artista, em como deve ser vista como uma árvore, ao passo que a correção de ver algo como mimoso não é constituída em parte pela intenção do artista, em como isso deva ser visto como mimoso. A intenção do artista é uma causa mas não uma parte constitutiva de o objeto ser mimoso, ao passo que a intenção do artista é simultaneamente uma causa e uma parte constitutiva de o objeto representar uma árvore.
Parece então que as restrições normativas à percepção aspectual envolvidas em juízos representacionais diferem das restrições normativas à percepção aspectual envolvidas em juízos substantivos. Os juízos representacionais não colocam às nossas perceções aspetuais o mesmo tipo de exigências normativas independentes de intenções que os juízos substantivos colocam.
Ora, uma vez que nos tenhamos embrenhado até este ponto na dialética, o último passo que demos pode parecer um progresso – pode parecer que ajuda o neo-kantiano. Mas se recuarmos e pensarmos um pouco, veremos que algo correu mal. O que supostamente deveria ser uma diferença significativa entre os juízos estéticos e os não-estéticos mostrou-se afinal assentar numa diferença subtilíssima em exigência normativa. Mas se fomos tão generosamente tolerantes com o conceito de subjectividade, de modo a acomodar os juízos substantivos, por que não ser igualmente tolerantes com as restrições normativas aos juízos representacionais? E seja como for, será realmente tão incontroverso que tipo de exigência normativa os juízos estéticos colocam? Pode-se mostrar algo difícil manter a distinção neo-kantiana entre juízos estéticos e juízos representacionais. Estabelecer o programa neo-kantiano tornou-se um exercício fastidioso que não preserva qualquer interesse ou propósito real na categoria do estético. Não se trata de não podermos operar sem essa categoria, mas, dados os epiciclos neo-kantianos que percorremos, de não ser claro por que razão nos importaríamos. O que a início parecia uma categoria fundamental – O Estético – mostrou afinal envolver muitas distinções rebuscadas. Perdemos um modo limpo e esclarecedor de caracterizar uma categoria importante.
O que precisamos é de uma abordagem diferente. O percurso neo-kantiano não é estúpido, e em muitos sentidos é o programa natural a explorar. Mas em vez de avançar para fora a partir dos juízos de beleza e fealdade, creio que a nossa progressão deve ser descendente.
De acordo com aquilo a que chamo a explicação determinativa, os juízos veredictivos são subjectivamente universais, como Kant afirmou. Mas há uma certa ligação necessária entre os juízos substantivos e os veredictivos, e não há semelhante ligação necessária entre os juízos representacionais e os veredictivos. Pelo que não temos de abrir mão da subjectividade e da normatividade. Nesta explicação, não temos de fazer compromissos ou começar a torcer conceitos.
O que é ao certo esta ligação necessária? A ligação necessária entre os juízos veredictivos e substantivos que tenho em mente é a de que faz parte do nosso conceito de propriedades substantivas que elas determinam o valor e o desvalor estéticos. Suponha que faço o juízo veredictivo de que uma certa mesa é esteticamente excelente. O propósito de um juízo substantivo acerca da mesa é descrever exatamente por que razão e como é esteticamente excelente. Esta afirmação pressupõe não somente a determinação do estético pelo não-estético, o que foi bem descrito por Frank Sibley (Sibley 1965), mas também uma relação de determinação no interior do estético.14 Os juízos substantivos não descrevem características neutras das coisas mas antes modos de ser belo ou feio. Podemos formular a ideia em termos da função dos juízos. A função dos juízos veredictivos é simplesmente discriminar o valor e o desvalor estéticos; mas a função dos juízos substantivos é discriminar as propriedades substantivas que determinam o valor e o desvalor estéticos. Os juízos substantivos existem para servir os juízos veredictivos. Os juízos substantivos e veredictivos encontram-se inextricavelmente ligados deste modo.
Há aqui duas teses relacionadas. Primeira: há uma conexão de significado entre juízos substantivos e veredictivos particulares. Segunda: é constitutivo de pensar em termos substantivos apercebermo-nos de que os juízos substantivos são usados de modo a descrever e explicar por que razão e como as coisas são belas ou feias. Esse é um “princípio de enquadramento” para os juízos estéticos.
Dois pontos de esclarecimento.
a) A ligação necessária que descrevo verifica-se entre juízos. É plausível que haja ligações necessárias entre propriedades estéticas e não-estéticas. Suponha que uma pintura exibe uma ampla extensão ininterrupta de azul. Essa qualidade secundária da imagem pode determinar o arrojo. Mas não há qualquer ligação de significado entre o exemplo de juízo de qualidade secundária segundo o qual a pintura exibe uma ampla extensão ininterrupta de azul e o juízo de arrojo, do modo como há uma conexão de significado entre o juízo de arrojo e o juízo de mérito estético. Os juízos de qualidades secundárias podem descrever aquilo que determina o mérito estético, mas essa não é a sua raison d’être. Podemos fazer esses juízos sem ter quaisquer pensamentos acerca do mérito estético. O mesmo se aplica aos juízos representacionais. Os juízos representacionais por vezes descrevem aquelas propriedades representacionais que em parte determinam propriedades estéticas. Essa relação entre as propriedades é necessária, mas não há qualquer conexão de significado entre os juízos acerca dessas propriedades.
b) A afirmação é a de que não há semelhante coisa como um juízo estético substantivo neutro. É uma tese acerca do pensamento, não acerca da linguagem. (Os juízos são actos mentais que podem ou não ser expressos em voz alta.) É verdade que alguns termos substantivos não têm direção valorativa. Um exemplo poderá ser “mimoso”. Esses termos contrastam com termos como “desairoso” e “elegante”, que têm de facto direção valorativa. Há também descrições substantivas metafóricas que parecem valorativamente neutras. Por exemplo, dizer de algo que é “pesado” parece, por si só, neutro. Mas os usos particulares desses termos em ocasiões particulares nunca são valorativamente neutros. Servem sempre para descrever modos de alcançar o valor ou o desvalor estéticos.15
De modo a encontrar algum género de unidade não forçada nos juízos que classificamos como estéticos, temos de reconhecer uma hierarquia entre eles. Os juízos de valor estético – de beleza e fealdade – são o género fundamental de juízo estético que fazemos. São esses juízos que levam os artistas e os públicos a criarem e terem experiência de obras de arte.16 E são esses juízos que nos levam a procurar, a respeitar e a proteger a natureza. O valor estético é importante para nós. Mas também queremos explicar como e por que razão as coisas são belas ou feias. É aqui que entram os juízos substantivos. O seu papel é inteiramente subordinado aos juízos de valor estético e se não virmos isto incompreendemos inteiramente esses juízos.
Portanto, mesmo que concedamos que os juízos substantivos não são em si subjectivos, é ainda assim verdade que estão necessariamente ligados a juízos de mérito estético que são subjectivos. A raison d’être dos juízos substantivos é descrever aquilo que determina o valor estético, o qual de facto apreendemos por meio de um juízo subjectivamente universal. E não poderíamos fazer juízos substantivos se não fizéssemos juízos subjectivamente universais de valor estético.17 Há portanto um elo conceptual estreito entre juízos substantivos e veredictivos que justifica colocarmos ambos na mesma classe. Há um fundamento racional para afirmar que os juízos substantivos são juízos estéticos.
Isto significa que não precisamos de estender o conceito de subjectividade de modo a procurar acomodar os juízos substantivos. Podemos classificar o belo juntamente com o mimoso e o desairoso sem a confusa legislação terminológica que o programa neo-kantiano envolve. Na explicação determinativa, não temos de nos preocupar em mostrar que os juízos substantivos e os representacionais colocam um tipo diferente de exigência normativa. A explicação determinativa é muito mais simples do que os epiciclos neo-kantianos. Na explicação determinativa, os juízos substantivos têm estatuto estético derivado. Os juízos estéticos ou são eles próprios subjectivamente universais, ou estão necessariamente vinculados a juízos que são subjectivamente universais.
Houve a tendência para operar sob um certo pressuposto, entre os que se veem a si mesmos como exploradores da diversidade do nosso repertório conceptual estético. O pressuposto era o de que isso envolve necessariamente um processo de nivelamento. Fomos levados a um tipo de igualitarismo conceptual, de acordo com o qual todos os conceitos estéticos estão em paridade. Mas a investigação conceptual não tem de ser assim. A alternativa, que creio ser revelada pela genuína exploração conceptual, é a de que há estrutura entre os nossos conceitos e juízos estéticos. As propriedades estéticas estão hierarquicamente estruturadas, e isto reflete-se nos conceitos estéticos e até certo ponto nos termos estéticos.
Dada a perspectiva determinativa que defendo, cabe-me dizer se creio ou não que os juízos veredictivos podem ser sustentados por juízos substantivos. Porquanto poderá parecer que subscrevo uma determinada posição no debate acerca do raciocínio em estética. Parece que cerro fileiras com os que afirmam que pode haver razões gerais a favor de juízos estéticos (por exemplo, Bender 1995). O “generalista” pensa que pode, ao passo que o “particularista” pensa que não. Os generalistas não precisam de ir tão longe como Monroe Beardsley, que defendia haver um grupo seleto de princípios sem exceção; a um generalista basta defender, com Frank Sibley, que há aquilo a que podemos chamar razões pro tanto – razões que podem ser superadas (Beardsley 1982; Sibley 1983). Estes princípios derivam do facto de propriedades como a elegância e a delicadeza terem polaridade ou direção valorativa inerente.
Contudo, neste debate alinho com os particularistas, embora concorde com a tese acerca da polaridade valorativa inerente da elegância e da delicadeza.
Ao pensar sobre isto, temos de notar que os juízos substantivos podem ser razões pro tanto a favor de um juízo veredictivo ainda que a propriedade substantiva possa ser uma imperfeição geral numa obra complexa. O mérito de uma parte elegante sobrevive mesmo numa obra complexa em que a elegância dessa parte diminui o valor global do todo. Talvez as outras propriedades substantivas do todo sejam o poder e o dinamismo, e a parte elegante impeça as muitas outras partes poderosas e dinâmicas de se combinarem para realizar uma obra globalmente poderosa e dinâmica. Não obstante, a elegância solitária persiste. (Contraste com Bender 1995, secção II.) Não comete suicídio sob o peso da culpa. O defensor da perspectiva de que os juízos substantivos são razões a favor de juízos veredictivos deve afirmar que as propriedades estéticas substantivas têm direção ou polaridade valorativa própria e não meramente no contexto de uma obra integral. A elegância é sempre um mérito estético, ainda que no contexto de uma obra integral, a parte elegante possa diminuir a excelência estética global da obra.
Não obstante, não creio que os juízos substantivos forneçam sequer razões pro tanto, num sentido interessante, a favor de um juízo veredictivo. As razões interessantes a favor de um juízo veredictivo têm de exercer alguma pressão para que alguém as aceite. Creio que neste ponto se abre um dilema. Ou os juízos substantivos têm conteúdo valorativo ou não. Se os juízos substantivos não têm qualquer conteúdo valorativo, então não proporcionam qualquer suporte ao juízo veredictivo. Porquanto alguém poderia facilmente aceitar o juízo substantivo mas rejeitar o juízo veredictivo. Por outro lado, suponha que eles têm conteúdo valorativo. Poderia semelhante juízo substantivo ser apresentado a favor de um juízo veredictivo? Seguramente que não. Pois os juízos substantivos e veredictivos estão demasiado intimamente ligados. Alguém que rejeita o juízo veredictivo rejeitará também o juízo substantivo. (Veja ainda Zangwill 1995c.)
Poder-se-ia responder que se um juízo substantivo tem direção valorativa, por que reclamar que se trata de uma razão demasiado boa? Seguramente é tão boa quanto o podia ser! Mas isto não vem ao caso. A relação entre os juízos veredictivos e substantivos pode realmente ser incontroversa em alguns ou em todos os casos. Nesses casos, há uma relação trivial e desinteressante doadora de razões devido à conexão de significado. Mas em todos os casos, a relação entre o não-estético e o substantivo permanece controversa. Para dar razões a favor de um juízo estético, em qualquer sentido interessante, precisamos de um percurso epistémico, do não-estético para o estético, não somente do substantivo para o veredictivo. Mas isto é precisamente o que Sibley acertadamente negou ao afirmar que os juízos estéticos não são “positivamente regidos por condições” (Sibley 1959).
Se tomamos o facto de algo ser G como razão a favor de ser F, então isto compromete-nos com a generalização de que todas as coisas G são F, mantendo-se o resto igual. (R. M. Hare tinha razão acerca disso.) Não há como fluírem leis estéticas das propriedades estéticas para as não-estéticas devido à realização variável das propriedades estéticas em propriedades não-estéticas. As coisas que partilham uma propriedade estética não têm qualquer propriedade não-estética em comum (exceto uma propriedade não-estética extravagantemente disjuntiva). Se houvesse leis estéticas, teriam de fluir no sentido inverso, do não-estético para o estético. A dificuldade é que essas leis serão muitíssimo específicas. Vincularão somente propriedades não-estéticas conjuntivas a propriedades estéticas. Mas mesmo que concedamos semelhantes leis, serão demasiado complexas para que as apreendamos e usemos como base para fazer previsões (Zangwill 1993, 1998b). Logo, não podem suportar razões. Evidentemente, pode-se propor leis menos complexas, tais como a de que não se deve ter azul no primeiro plano de uma pintura ou que a música numa tonalidade maior soa alegre. Mas essas supostas “leis” tendem a estar condenadas – surgem Blue Boy de Gaisnborough ou Hank Williams para as refutar.
As propriedades não-estéticas são responsáveis pelas propriedades estéticas; determinam-nas. Mas quando uma propriedade não-estética particular determina uma propriedade estética, não há qualquer conexão de significado entre os conceitos que discriminam as duas propriedades. Pelo que se sabemos que uma dada coisa tem uma certa propriedade não-estética, não estamos por isso em posição de saber se tem a propriedade estética. Não obstante, isto não equivale a afirmar que não há conexão alguma de significado entre conceitos estéticos e não-estéticos. O que sabemos como parte de compreender os conceitos estéticos é que se algo tem uma propriedade estética, então tem alguma propriedade não-estética que é responsável por ela. Este é um princípio de enquadramento.18 É um pressuposto a priori do pensamento estético. Mas conhecer este princípio geral de enquadramento não nos coloca em posição de saber acerca de qualquer relação particular de determinação. Por isso, como Sibley correctamente afirmou, precisamos de algo mais como o “gosto”, a “sensibilidade” ou a “acuidade”, em que estas palavras denotam uma faculdade mental, de um ou outro género, que difere radicalmente das faculdades mentais envolvidas no conhecimento de propriedades não-estéticas.
Se procuramos um diagnóstico da autonomia epistémica do estético, não é difícil encontrá-lo. Reside na subjectividade dos juízos de valor estético. Como argumenta Donald Davidson que os conceitos mentais e os físicos são regidos por restrições radicalmente díspares que os tornam anómalos uns relativamente aos outros,19 assim as formas subjectivas e não-subjectivas (ou empíricas) de juízo diferem tão radicalmente que não as podemos colocar numa relação legiforme. E precisamos de fazer isso se queremos fazer inferências a partir de uns para outros.
Há um limite imposto ao raciocínio sobre questões estéticas. Em última análise, temos de olhar ou escutar, e sentir. Conforta-me o facto de autores como Ernst Gombrich e Clement Greenberg concordarem, na medida em que mantêm um sentido apurado de que a arte possui um valor que somente podemos apreciar, pelo menos em parte, olhando e sentindo. Como afirmou Kant, não se pode ser levado a fazer juízos de beleza por meio de argumentos: “Faço ouvidos de mercador: Não quero escutar quaisquer razões ou argumentos acerca do assunto” (Kant 1928, p. 140).
Se os juízos substantivos não nos dão razões a favor de juízos veredictivos, então qual é o seu papel? Os juízos substantivos assemelham-se mais a racionalizações, no sentido pejorativo, do que a razões. Tendo ajuizado que algo é bom ou mau, o juízo substantivo afirma o que é bom ou mau acerca do objeto do juízo.20 Como afirmou Greenberg numa entrevista: “Na crítica, o juízo de valor vem primeiro”. É verdade que escutar outros expressando os seus juízos substantivos pode persuadir-nos a rever os nossos juízos veredictivos. Mas isso é porque a nossa atenção foi direcionada para certos modos como as coisas atingem a excelência ou o seu oposto. Trata-se de algo mais semelhante à retórica do que à argumentação. A mais útil definição de retórica é dada no modo socrático, por contraste com a argumentação. Em geral, creio que há muito a dizer a favor da crítica feita por Sócrates à retórica no Górgias. Mas a retórica pode ser defendida num dado domínio se pudermos argumentar (!) que não é possível raciocinar nesse domínio. Porquanto nessas circunstâncias, resta somente a persuasão arracional. Dados os limites impostos à argumentação crítica e ao raciocínio em estética, é legítimo que parte do discurso crítico consista num género de retórica. Mas o fim a que aspira nada tem de vergonhoso – não consiste senão em experiência e juízos apropriados. Essa retórica deve operar em conjunto com as nossas faculdades racionais. Embora possa não haver modo de argumentar a partir do não-estético para o estético, há uma norma de consistência que restringe os juízos estéticos. Esta norma dita que as diferenças em juízo estético entre duas coisas têm de ser acompanhadas por diferenças em juízos não-estéticos. (Esta norma deriva do princípio de enquadramento.) A retórica estética parte inevitavelmente de outras reacções e juízos da pessoa a quem se dirige. Tipicamente funciona procurando fazer-nos ver algo como dotado de uma semelhança estética a outra coisa acerca da qual temos já uma perspectiva. Tendo sido arracionalmente levados a ver uma semelhança estética, podemos então raciocinar de acordo com normas de consistência. Pode haver raciocínio acerca de questões estéticas – mas o seu papel é derivado. O raciocínio estético é, e deve ser, subserviente às paixões estéticas.
Até certo ponto, no que dependesse de mim a estética regressaria a um estado de inocência pré-guerra. As coisas eram muito mais simples e diretas nos bons velhos tempos quando os estetas somente tinham de se preocupar com juízos de beleza e fealdade. Essa preocupação demarcava um tópico distintivo – uma forma de juízo diferente do juízo empírico e diferente dos juízos do agradável.
Nos bons velhos tempos, os estetas não se preocupavam com o mimoso, o desairoso, a elegância, o equilíbrio, e tudo o mais. Mas desde o remoque de J. L. Austin e um aspecto do trabalho de Sibley, os estetas tornaram-se sensíveis à natureza complexa e variegada das descrições estéticas. Na medida em que essas descrições ocorrem, suponho que isto seja bom, até certo ponto, visto que não queremos descurar fenómenos. Mas tem também havido uma grave contrapartida, que consiste em nos termos afastado de questões filosóficas mais centrais do que a escrupulosa exploração superficial da subtil variedade de descrições estéticas.
Há mais para fazer na vida filosófica do que investigar os nossos conceitos. Há questões prementes sobre se os compromissos de um âmbito de conceitos podem ou não ser legítimos, e se sim, como. Em estética, devíamos interessar-nos pela questão kantiana de como é possível um juízo de gosto. Mas para chegarmos à questão sobre o que legitima, se algo o faz, uma forma de juízo, precisamos de uma imagem apropriada daquilo que procuramos justificar.
Argumentei que a categoria do estético se encontra em boa forma. Não é irremediavelmente amorfa e não a devíamos descartar. Não há que entrar em pânico e excluir da categoria do estético os juízos substantivos devido a não terem universalidade subjectiva. A explicação determinativa mostra como o conceito do estético classifica conjuntamente e de modo não arbitrário os juízos veredictivos e os substantivos ao mesmo tempo que exclui os juízos representacionais e os juízos de qualidades primárias e secundárias. Pelo que há um fundamento racional para o conceito contemporâneo do estético. O conceito reflete um tipo de juízo importante e independentemente operativo. O estético é, por assim dizer, um tipo natural mental.
Na minha perspectiva esta operação de restauro conceptual é oportuna. Precisamos de manter o conceito operativo, de modo a desenvolver a nossa compreensão de muitos aspectos da vida humana. Em particular, já era tempo de voltarmos a aplicá-lo à nossa compreensão da arte.21
Justifico a classificação conjunta desses juízos em Zangwill 1995c. ↩︎︎
O tópico deste artigo não é a arte. Pelo que não me ocuparei da questão de haver ou não obras de arte que não têm qualquer propósito estético. ↩︎︎
Kant 1928. A explicação de Kant desenvolve-se a partir de, mas supera, as perspectivas dos sentimentalistas britânicos. Veja Zangwill 1994. ↩︎︎
Sobre a distinção entre estados cognitivos e acognitivos, veja Zangwill 1998c. ↩︎︎
Sobre essa explicação “mínima” dos juízos estéticos, há um género de prazer que temos na representação de algo, e consideramos que esse prazer fundamenta um juízo que aspira à correção. Serão os nossos juízos e experiência da literatura estéticos de acordo com semelhante explicação mínima? Poderá parecer que sim. A experiência que temos das propriedades valorativas da literatura proporciona-nos prazer, e o prazer é do género que consideramos apropriado. Esta combinação de prazer e normatividade torna a situação semelhante à experiência que temos da beleza das pinturas abstratas e da música absoluta. Isto poderia dar-nos a tentação de classificar o nosso prazer na literatura como estético. Contudo, talvez queiramos ir além da explicação mínima e afirmar que a subjectividade e a normatividade são condições necessárias mas não suficientes do estético. Isso é independentemente plausível se considerarmos que as emoções, como o orgulho, o pesar e o ódio são sentimentos que podem ser moralmente avaliados, embora não fundamentem juízos estéticos. Kant, em particular, tem muito mais a acrescentar à subjectividade e normatividade. Insistiu em como o prazer no belo é também “desinteressado” no seu sentido especial. (Veja Zangwill 1992, 1995e.) Se pensarmos que Kant estava certo em acrescentar essa condição, a questão é se os nossos juízos acerca de obras literárias têm ou não esta característica adicional dos juízos de gosto genuínos. Alguns juízos poderão tê-la, outros não. Veja também Zangwill 1998a, onde argumento que muitas propriedades valorativas da literatura não são propriedades estéticas. ↩︎︎
Frank Sibley afirmou celebremente que a aplicação correcta de termos estéticos “requer um exercício do gosto, perspicácia ou sensibilidade, do discernimento ou apreciação estética” (Sibley 1959, p. 421). A muitos pareceu que ele explicava as qualidades “estéticas” em termos da faculdade do gosto, e que então explicava também a faculdade do “gosto” (ou “apreciação”, “sensibilidade”, etc.) em termos de qualidades estéticas. Ted Cohen e Peter Kivy protestaram que esse círculo é demasiado estreito para proporcional qualquer esclarecimento (Cohen 1973; Kivy 1975). Mas a abordagem de Sibley tem um pedigree kantiano, na medida em que ele explica um âmbito de propriedades (ou “qualidades”) em termos de uma faculdade mental. Nada há de errado em tentar dar sentido e unidade ao estético descrevendo uma determinada faculdade mental, desde que não tentemos reverter a explicação no outro sentido. Kant está preparado para ir muito mais longe do que Sibley no que afirma acerca da faculdade mental. ↩︎︎
Não considero que a posse e uso de conceitos envolvam capacidades linguísticas sofisticadas. Assumo que as perceções são estados intencionais em que usamos conceitos de objetos e propriedades. ↩︎︎
Por esta razão, é boa ideia evitar falar vagamente de experiência estética, uma vez que “experiência” é ambígua entre experiência perceptiva das coisas no mundo e uma reacção que sentimos, como o prazer. Kant alerta-nos para a mesma confusão com a palavra “sensação” (Kant 1928, secção 3). Os comentadores têm sido grosseiramente injustos na sua discussão desta importante passagem. (Veja Zangwill 1995e.) ↩︎︎
Para outros problemas acerca de pensar nas propriedades estéticas como aspectos veja Kivy 1968. ↩︎︎
Uma excelente exposição clara e discussão crítica de Derrida e outros da mesma linha podem encontrar-se em Sim 1992. Trata-se de uma boa sinopse para estudantes. Veja também Grant 1996. ↩︎︎
Veja “Belief and the Basis of Meaning” e outros ensaios em Davidson 1982. ↩︎︎
Wollheim 1980. Note-se que isto significa que a categoria de propriedades representacionais exclui as propriedades puramente simbólicas da arte visual, cuja compreensão não envolve o percecionar-como ou o percecionar-em. Essas propriedades têm interesse para os “semiólogos”. O significado, neste sentido, pode ir além do que pode ser visto na imagem. Veja Bryson 1981. ↩︎︎
É também verdade que um artista pode ter a intenção de fazer uma representação arbórea e fracassar, porque o objeto não pode ser visto como uma árvore ou uma árvore não pode ser vista no objeto. Mas isso não altera o facto de quando algo tem uma propriedade representacional, a correção de uma percepção aspectual ser determinada em parte por uma intenção, ao passo que no caso das propriedades substantivas não o é. ↩︎︎
Digo mais acerca desta determinação em Zangwill 1995c. ↩︎︎
Esta jogada evita o argumento de Peter Kivy contra a explicação “pró-valorativa” dos conceitos estéticos em Kivy 1975. Ele argumenta que muitos termos estéticos não têm direção ou polaridade valorativa. Mas como muitos outros, Kivy formula a questão em termos de termos estéticos, o que, segundo creio, turva a questão, visto que estamos interessados em juízos e conceitos estéticos. Veja também a nota de rodapé 1 de Sibley 1959, onde este afirma que estamos interessados nos usos dos termos estéticos – uma ressalva que o próprio Sibley não raro ignora. ↩︎︎
Veja Zangwill 1995b, 1995d e 1998d. ↩︎︎
Estou menos seguro sobre se alguém poderia ou não fazer juízos veredictivos sem juízos substantivos. Talvez as crianças muito pequenas não tenham consciência do que faz as coisas serem belas além das suas qualidades primárias e secundárias. Mas creio ser impossível alguém fazer juízos substantivos e nenhum juízo veredictivo. ↩︎︎
Veja Zangwill 1995a, para uma afirmação análoga em filosofia moral. ↩︎︎
Veja “Mental Events” e “Psychology as Philosophy” em Davidson 1980. ↩︎︎
Para semelhante explicação do papel dos chamados “conceitos densos” em filosofia moral, que lida também com conceitos estéticos substantivos, veja Burton 1992. Veja também Blackburn 1992. ↩︎︎
Estou grato pelos comentários úteis de dois revisores anónimos. ↩︎︎