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Crítica
19 de Março de 2002   Metafísica

Universais

E. J. Lowe
Tradução de Paulo Ruas

Os universais são os hipotéticos referentes de termos gerais como “árvore”, “mesa” e “vermelho”, e consideramo-los entidades distintas de quaisquer das coisas particulares que podemos descrever com eles. Mas por que razão havemos de supor que tais entidades existem, e qual é a sua natureza, se é que existem realmente? Um dos argumentos tradicionais a favor da sua existência, que remonta a Platão, é que a sua existência é necessária para explicar por que razão todas as coisas que, digamos, são vermelhas, e apenas essas, podem ser correctamente descritas como vermelhas. É claro que todos estes objectos particulares devem possuir algo em comum para que possamos legitimamente classificá-los como idênticos — e o que é comum a todas as coisas vermelhas, e apenas a elas, é precisamente o universal vermelho. De acordo com a perspectiva “realista” tradicional, os objectos vermelhos são vermelhos em virtude da relação que mantêm com este universal. No entanto, se nos interrogarmos quanto à natureza desta relação e dos próprios universais, concluímos que os realistas se encontram divididos. Os “platónicos” sustentam que o universal vermelho possui uma existência não-espacio-temporal distinta de todas as coisas vermelhas que deve ser considerada em separado; nem é necessário que alguma dessas coisas particulares exista para que o universal exista. Os “aristotélicos”, conversamente, defendem que a existência do universal vermelho é inseparável das coisas vermelhas particulares. A perspectiva platónica dá origem a dificuldades a respeito da relação existente entre os objectos vermelhos particulares e o universal vermelho, enquanto o ponto de vista aristotélico parece enfraquecer o sentido em que os universais são ditos “reais”. Além disso, o argumento já mencionado a favor da existência de universais não é inteiramente convincente. O “conceptualismo” defende que as classificações que efectuamos dos objectos particulares segundo termos gerais são um produto de interesses humanos selectivos, e não o reflexo de qualquer verdade metafísica; por sua vez, os “nominalistas” defendem que as semelhanças existentes entre particulares é suficiente para justificar que lhes apliquemos o mesmo termo geral sem apelar a uma entidade adicional.

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No entanto, o fracasso do argumento tradicional a favor do realismo e as dificuldades inerentes a certas posições realistas não são suficientes para rejeitar o realismo. Em anos recentes, foram propostos novos argumentos a favor do realismo que evocam os universais com o objectivo de explicar o estatuto das leis naturais bem como as generalizações causais que efectuamos. Filósofos como D. M. Armstrong afirmaram que a necessidade natural deve ser explicada como uma relação entre universais, e que apenas recorrendo a esta noção se torna possível estabelecer a distinção entre generalizações acidentais e generalizações baseadas numa lei. De acordo com esta perspectiva, não é necessário supor que qualquer termo geral dotado de sentido refere um universal dado apenas ser necessário admitir a existência daqueles universais que desempenham um papel nas leis científicas. A observação de Wittgenstein de que existem termos gerais como “jogo” para os quais é impossível isolar uma característica comum a todas as coisas a que o termo se aplica, não coloca dificuldades especiais a esta perspectiva.

Uma outra razão para que um realista não proceda indiscriminadamente a respeito de termos gerais é que esses termos recaem claramente sob diferentes categorias semânticas, e nem todas exigem ser tratadas de uma forma realista. Assim, dos termos gerais acima mencionados — “vermelho”, “mesa” e “árvore” — apenas os dois últimos são termos categoriais, e destes, apenas o segundo diz respeito a uma categoria natural. Os termos categoriais distinguem-se dos termos gerais como “vermelho” pelo facto de fornecerem não apenas um critério para a sua aplicação como também um critério de identidade para os particulares a que se aplicam. Dado que os particulares não podem ser identificados excepto relativamente a uma classificação categorial apropriada, é argumentável que o realismo acerca de particulares exige o realismo acerca de pelo menos alguns universais, nomeadamente, aqueles universais que são a referência de categorias naturais bona fide.

E. J. Lowe
The Oxford Companion to Philosophy, org. por Ted Honderich (Oxford University Press, 1995), pp. 666-670.
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ISSN 1749-8457