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Crítica
24 de Setembro de 2016   Filosofia da linguagem

Condicionais indicativas

Frank Jackson
Tradução de Matheus Martins Silva

Exemplos de condicionais indicativas são “Se choveu, então o jogo foi cancelado” e “Se Alex jogar, Carlton vencerá”. O contraste é com as condicionais subjuntivas ou contrafactuais, como “Se tivesse chovido, então o jogo teria sido cancelado”, e com categóricos, tal como “Choverá”.

Apesar da facilidade com que usamos e compreendemos condicionais indicativas, a sua explicação correta tem-se revelado muito difícil. Alguns dizem que “Se choveu, o jogo foi cancelado” é equivalente a “Ou não choveu, ou o jogo foi cancelado”. Alguns dizem que a frase assere que o resultado de “adicionar” a suposição de que choveu à situação atual é apresentar uma situação em que o jogo foi cancelado. Alguns dizem que asserir que se choveu, então o jogo foi cancelado é se comprometer em inferir que o jogo foi cancelado caso alguém descubra que choveu. Essa última idéia é frequentemente combinada com a idéia de que as condicionais indicativas não são, estritamente falando, verdadeiras ou falsas; antes são mais ou menos asseríveis ou aceitáveis.

1. Condicionais indicativas e materiais

Em geral uma “condicional indicativa” tem a forma “Se A, então C”, em que A é denominada a antecedente e C a consequente. Um problema central é a relação entre o valor de verdade de uma condicional e os valores de verdade de sua antecedente e de sua consequente. Pelo menos o seguinte é imediatamente plausível: se A é verdadeira e C é falsa, então a condicional é falsa. Se eu digo “Se choveu, o jogo foi cancelado”, e o que aconteceu foi que choveu, mas o jogo prosseguiu, então o que eu disse é claramente falso. Há outras três possibilidades: A e C são ambas verdadeiras, A é falsa e C é verdadeira, e A e C são ambas falsas. Há uma série de argumentos criados para mostrar que em cada um desses casos a condicional é verdadeira. Aqui está um: “Se A, então C” é intuitivamente equivalente à disjunção “Ou não-A, ou A e C”. (Ao invés de dizer que se choveu o jogo foi cancelado, eu poderia ter dito “Ou não choveu, ou choveu e o jogo foi cancelado”). Mas a última é verdadeira em todos os três casos: em cada uma, ou a primeira disjunta (“não-A”) ou a segunda disjunta (“A e C”) é verdadeira. A condicional que é falsa quando a sua antecedente é verdadeira e a sua consequente falsa, e verdadeira em todos os outros casos, é denominada “condicional material”, e é simbolizada como “A ⊃ C” (lê-se “A gancho C”). “A ⊃ C” é definicionalmente equivalente a “Não-A ou C”. Assim a conclusão do argumento é que as condicionais indicativas são equivalentes às condicionais materiais. Essa conclusão tem a virtude de validar as duas inferências mais obviamente válidas que regem as condicionais — o modus ponens, “A, se A, então C; logo, C”, e o modus tollens, “Não-C, se A, então C; logo, não-A”.

Apesar de o argumento ser atraente, a tese da equivalência, segundo a qual as condicionais indicativas são condicionais materiais, enfrenta sérios problemas. Essa tese acarreta que qualquer condicional com uma antecedente falsa é verdadeira, independentemente de sua consequente, isto é, a explicação valida “Não-A; logo, se A então C”. Isso é implausível. “Se vivo em Londres, então vivo na Escócia” nos parece falsa (é antes “Se vivo em Londres, então não vivo na Escócia” que é verdadeira), mas porque não vivo em Londres, é verdadeira de acordo com a tese da equivalência. Além disso, a tese acarreta que qualquer condicional com uma consequente verdadeira é verdadeira: a explicação valida “C; logo, se A então C”. Mas “Se vivo em Londres, então vivo na Austrália” nos parece falsa mesmo depois de descobrimos que de fato vivo na Austrália. Esses dois resultados são conhecidos como paradoxos da implicação material (“implicação material” sendo o nome da relação entre A e C quando “A ⊃ C” é verdadeira).

2. Teorias de mundos possíveis

Uma resposta óbvia aos paradoxos é insistir que algo mais além da verdade de “A ⊃ C” é exigida para “Se A, então C” ser verdadeira; a verdade de “A ⊃ C” é uma condição necessária, mas insuficiente. Uma maneira de fazer isso é exigir uma conexão entre a antecedente e a consequente; sustentar que parte do que torna verdadeira “Se chover, a grama crescerá” é a conexão entre a chuva e o crescimento da grama. Isso bloqueia os paradoxos. Contudo, algumas vezes usamos condicionais precisamente para negar que haja uma conexão entre a antecedente e a consequente. Um médico que diz que se você for para a cama e tomar uma aspirina ficará melhor numa semana, ao passo que se você for para o trabalho levará sete dias, está dizendo que não há qualquer conexão entre ir para a cama e melhorar.

Uma abordagem mais promissora é exigir que a condicional material não seja apenas verdadeira dado o modo como as coisas atualmente são, mas seja verdadeira nos mundos possíveis mais próximos em que a antecedente é verdadeira. Aproximadamente, a explicação é a seguinte: “Se A, então C” é verdadeira se, e só se, “A ⊃ C” é verdadeira, isto é, verdadeira dado o modo como as coisas atualmente são, e verdadeira também nos mundos possíveis mais próximos em que A é verdadeira. Outra maneira de dizer a mesma coisa é: “Se A, então C” é verdadeira se, e só se, os mundos possíveis mais próximos em que A é verdadeira são mundos em que C é verdadeira. (Isso porque qualquer mundo em que A e “A ⊃ C” são verdadeiras é um mundo em que C é verdadeira). O apelo dessa abordagem deriva da idéia atraente de que quando avaliamos uma condicional, olhamos o modo como as coisas atualmente são e “na imaginação” adicionamos a antecedente e então vemos se, apenas com as mudanças forçadas por adicionar a antecedente, a consequente se torna verdadeira.

Essa abordagem é muito atraente para as condicionais subjuntivas ou contrafactuais, mas enfrenta um problema quando aplicada às condicionais indicativas. (Curiosamente, um dos criadores da abordagem de mundos possíveis para condicionais, David Lewis (1973), sempre pretendeu aplicá-la unicamente às condicionais subjuntivas. Robert Stalnaker, o outro criador (1968), pretendeu aplicá-la a ambas). Ela considera que as condicionais indicativas são em parte acerca do modo como as coisas poderiam ter sido, mas não são de fato. Isso parece exatamente correto para as subjuntivas. Quando digo que tivesse eu investido na Western Mining há dez anos, estaria agora rico, estou dizendo como as coisas são num mundo possível mas lamentavelmente não atual. De fato, eu poderia expressar isso ao dizer que tivesse eu investido na Western Mining há dez anos, as coisas seriam diferentes agora — e melhores — do que atualmente são. Mas não posso dizer isso no modo indicativo: “Se investi na Western Mining há dez anos, as coisas são diferentes do que atualmente são” não faz sentido. Ou considere a diferença entre “Se Oswald não tivesse atirado em Kennedy, Kennedy teria cumprido um segundo mandato presidencial” e “Se Oswald não atirou em Kennedy, Kennedy cumpriu um segundo mandato presidencial”. A razão pela qual rejeitamos a segunda, apesar de aceitarmos a primeira, é que sabemos que, tal como as coisas atualmente são, Kennedy não viveu para cumprir um segundo mandato presidencial. As condicionais subjuntivas tipicamente dizem respeito a mundos não-atuais, ao passo que as condicionais indicativas dizem respeito ao mundo atual sob várias hipóteses acerca de como ele é. Assim, dizemos que se Oswald não atirou em Kennedy, outra pessoa o fez, pois essa é a única coisa a se pensar acerca do mundo atual (em que sabemos que Kennedy levou um tiro) sob a hipótese de Oswald não ter sido o responsável.

3. Adams e Lewis

E o que dizer das condições de aceitação ou asserção, em contraste com as condições de verdade, das condicionais indicativas? Muitos, incluindo particularmente Ernest Adams (1975), insistiram que é justificado asserir “Se A, então C” na medida em que C é provável dada A. Porque a probabilidade de C dada A — em símbolos, Pr(C∣A) — é (aproximadamente) a probabilidade que atribuímos a C ao descobrir A, essa sugestão se adapta bem à idéia plausível de que alguém está preparado para asserir “Se A, então C” na medida em que estiver preparado para inferir C dada a descoberta de A, essa sugestão também explica a nossa relutância em asserir juntamente “Se A, então C” e “Se A, então não-C” quando A é consistente, pois quando A é consistente, Pr(C∣A) = 1 ‒ Pr(não-C∣A), assim elas não podem ser altas conjuntamente.

Podemos explicar essa condição de assertibilidade em termos de condições de verdade? David Lewis (1976) mostrou que não pode ser o caso que as condições de verdade de “Se A então C” sejam tais que Pr(Se A então C) = Pr(C∣A). Pois essa igualdade ocorreria para todas as funções de probabilidade Pr, e isso leva ao seguinte problema:

Pr(Se A então C) = Pr(Se A então C∣C) . Pr(C) + Pr(Se A então C∣não-C) . Pr(não-C),

por expansão de casos. Mas se Pr(Se A então C) = Pr(C∣A) ocorre para todas Pr, então ocorre para Pr(–∣C) e Pr(–∣não-C), na medida em que a classe de funções de probabilidade é fechada sob condicionalização. Isso significa que

Pr(Se A então C∣C) = Pr(C∣A . C)
Pr(Se A então C∣não-C) = Pr(C∣A . não-C)

(em que Pr(C∣A.C) é a probabilidade de C dada a conjunção de A e C). Assim temos

Pr(Se A então C) = Pr(C∣A.C) . Pr(C) + Pr(C∣A . não-C) . Pr(não-C)
                 = 1 . Pr(C) + 0 . Pr(não-C)
                 = Pr(C)

Mas então, de acordo com a afirmação em discussão, Pr(C) = Pr(C∣A). Isso é uma “reductio”, pois em geral a probabilidade de C não é independente da probabilidade de A. (Isso é a essência da mais simples das demonstrações que Lewis ofereceu. Para desenvolvimentos substanciais veja Lewis (1986)).

Muitos respondem a essa demonstração sustentando que condicionais indicativas não possuem quaisquer condições de verdade; elas possuem apenas condições de asserção ou aceitação. Essa teoria sem dúvida tem seus atrativos, mas enfrenta dois problemas. O que se deveria dizer acerca da poderosa intuição de que uma condicional com uma antecedente verdadeira e uma consequente falsa é falsa? E como a noção relevante de assertibilidade deve ser elucidada? Não em termos de probabilidade da verdade, obviamente.

Uma estratégia alternativa, denominada de teoria da equivalência suplementada, é retornar à tese da equivalência e argumentar que há uma convenção que rege a asserção de “Se A então C” com a finalidade de que ela somente deve ser asserida quando fosse correto inferir C ao descobrir A. Essa convenção é similar àquela que rege o uso do “mas”. “A mas C” tem as mesmas condições de verdade de “A e C”, mas o uso da primeira implicita convencionalmente, na terminologia de H.P. Grice, um contraste (veja Grice 1975). Do mesmo modo, segue a sugestão, “Se A então C” tem as mesmas condições de verdade de “A ⊃ C”, mas seu uso transmite a implicatura de que as minhas razões para “A ⊃ C” são tais que, seria correto, ao descobrir que A, inferir C (isto é, usar o modus ponens). Ora, isso será o caso apenas se a probabilidade de “A ⊃ C” não fosse indevidamente diminuída ao se descobrir que A é verdadeira — de outro modo não seria então disponível como uma premissa provavelmente verdadeira para combinar com A a caminho de inferir C. Segue-se que será correto asserir “Se A então C” na medida em que (1) “A ⊃ C” é provável, e (2) “A ⊃ C” é provável dada A. É um exercício elementar na teoria da probabilidade mostrar que essa condição dupla é satisfeita na medida em que Pr(C∣A) é alta. A teoria da equivalência suplementada explica a condição de assertibilidade observada por Adams.

O que dizem os teóricos da equivalência suplementada acerca do nosso exemplo anterior, “Se eu vivo em Londres, então eu vivo na Escócia”, que resulta verdadeira de acordo com a teoria da equivalência e assim de acordo com a teoria da equivalência suplementada? Eles dizem que ela parece falsa não porque é falsa, mas porque tem assertibilidade muito baixa — Pr(Eu vivo na Escócia∣Eu vivo em Londres) = 0 — e em geral que as nossas intuições acerca da verdade e validade das inferências envolvendo condicionais indicativas são regidas por respostas à assertibilidade ao invés da verdade.

Aviso: quase tudo acerca das condicionais indicativas é controverso, incluindo se são ou não melhor classificadas pelo termo “indicativa”, e alguns até mesmo negam a validade do modus ponens!

Frank Jackson
Routledge Encyclopedia of Philosophy, ed. Edward Craig (Londres e Nova Iorque: Routledge, 1998). Publicado com a autorização do autor.

Referências e leitura adicional

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ISSN 1749-8457