O influente livro de Peter Singer, Libertação Animal, de 1975 — actualizado e publicado novamente em 2023 com o título Libertação Animal, Hoje — constitui a pedra de toque filosófica do movimento moderno pelos direitos dos animais. O fundacional capítulo de abertura do livro, “Todos os animais são iguais”, é amplamente usado em cursos de filosofia como uma expressão clássica da perspectiva de que o “especismo” é moralmente errado por razões paralelas ao racismo, sexismo e outras formas de discriminação injusta. Apresenta uma forte crítica à nossa rejeição habitual do estatuto moral dos animais não-humanos que são (ab)usados e explorados para nossa conveniência e prazer gastronómico. Este guia de estudo explica o argumento de Singer de “Todos os animais são iguais”, explora potenciais objecções e esclarece equívocos comuns. (Para uma discussão mais aprofundada sobre este tópico, consulte-se também o ensaio de Jeff Sebo sobre Utilitarismo e Animais Não-Humanos).
O “especismo” refere-se à prática de tratar os interesses dos indivíduos de uma espécie (normalmente os seres humanos) como inerentemente mais importantes do que os indivíduos de outras espécies, sem justificação baseada em diferenças relevantes nas capacidades ou características individuais. A forma mais comum de especismo é o privilégio arbitrário concedido aos seres humanos em detrimento dos animais não-humanos.
Singer analisa o que torna errada, em geral, a discriminação injusta. Sugere que a falha comum no sexismo, no racismo e noutras discriminações condenáveis é o facto de violarem um princípio de igualdade moral, especificamente, a igual consideração de interesses. Os interesses de um indivíduo não devem ser desvalorizados ou ignorados com base em características de grupo que não foram escolhidas, como o seu género, raça ou orientação sexual. Esses factores não afectam, por si só, a capacidade de bem-estar de um indivíduo, nem quão mau é o sofrimento para esse indivíduo. Assim, Singer escreve: “a nossa preocupação com os outros e a nossa disponibilidade para considerar os seus interesses não deveriam depender de como são ou das capacidades que poderão ter”.1
As pessoas depressa racionalizam o seu especismo apelando a uma qualquer propriedade — geralmente a inteligência ou a racionalidade — segundo a qual consideram os seres humanos superiores aos animais não-humanos. O problema central desta abordagem, como destaca Singer, é que os seres humanos apresentam grandes variações entre si, inclusive no que diz respeito à inteligência e à racionalidade. Será que as pessoas mais inteligentes têm, por inerência, mais importância do ponto de vista moral? Seria correcto fazer experiências médicas em crianças com deficiências cognitivas ou colocá-las em quintas industriais para satisfazer as preferências gastronómicas de quem gosta de carne humana? Certamente que não. Mas então a explicação do porquê não pode depender das suas capacidades cognitivas (que podem ter em menor grau que muitos animais não-humanos cognitivamente sofisticados). Na filosofia, este é conhecido como o “argumento dos casos marginais”, e tem uma longa história — já em 1789 Jeremy Bentham fez a famosa pergunta:
Que mais poderá ser usado para traçar a linha [entre os seres humanos e os animais não-humanos]? Será a faculdade da razão ou a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adultos são incomparavelmente mais racionais e conversadores do que um bebé de um dia, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. Mesmo que não fosse assim, que diferença faria isso? A questão não é “Podem raciocinar?” nem “Podem falar?”, mas sim, “Podem sofrer?”. 2
Partindo da pergunta de Bentham, Singer concorda que
Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para recusar ter esse sofrimento em consideração. Independentemente da natureza do ser, o princípio da igualdade exige que o seu sofrimento conte da mesma maneira que o sofrimento semelhante de qualquer outro ser — desde que seja possível estabelecer comparações aproximadas. Se um ser não é capaz de sofrer, ou de sentir prazer ou felicidade, não há nada a ter em conta. Assim, o limite da senciência (usando o termo para indicar a capacidade de sentir dor ou prazer) é a única fronteira defensável para nos importarmos com os interesses dos outros.3
Tanto Singer como Bentham defendem, assim, que, ao avaliar os interesses de diferentes indivíduos, o que é realmente relevante do ponto de vista moral é a sua capacidade de sofrer e de sentir felicidade — o que, como Singer observa, é necessário para que comece por ter “interesses”.4 Qualquer outro critério, defendem, seria arbitrário e injusto. Todos reconhecemos, ao pensar nos outros seres humanos, que seria mau para eles sofrer. Mas então deveríamos reconhecer que o mesmo se aplica aos seres não-humanos que partilham a nossa capacidade de sofrer, segundo cientistas e filósofos.5 Também não deveríamos querer que eles sofressem. E, sobretudo, não deveríamos fazer coisas que lhes causam imenso sofrimento, apenas para obtermos benefícios triviais para nós próprios (por exemplo, gastronómicos).
Actualmente, a produção industrial de carne ocorre, na sua esmagadora maioria, em explorações intensivas (“sistemas concentrados de alimentação de animais”), que impõem um enorme sofrimento a mais de oitenta mil milhões de animais terrestres (galinhas, porcos, vacas, etc.) e até cento e setenta mil milhões de peixes, todos os anos. Estes animais sofrem imensamente e muitas vezes morrem prematuramente devido ao extremo encarceramento e aglomeração, a doenças crónicas e infecciosas, a ferimentos e canibalismo, a mutilações físicas (por exemplo, corte do bico nas galinhas e corte da cauda nos porcos), a problemas de saúde provocados pela reprodução selectiva, à ausência de comportamentos naturais e de interacção social, e a práticas de abate desumanas. (Para mais informações sobre as condições de vida e o número de animais criados na pecuária industrial, consulte este artigo da 80,000 Hours).
Como tal, a pecuária industrial é provavelmente a maior fonte de sofrimento provocado pelo ser humano no mundo, e esse sofrimento ultrapassa largamente o total de benefícios que produz. (E isto sem sequer considerar os custos ambientais, entre outros.)6 Ao levar a sério os argumentos de Singer contra o especismo, a conclusão é clara: a actual produção industrial de carne é moralmente indefensável e, provavelmente, uma das maiores atrocidades morais da história.
Para tornar a comparação mais vívida, considere-se a quantidade de sofrimento animal necessária para produzir, em média, uma refeição com carne. Os pormenores variam de acordo com os diferentes produtos à base de carne. Mas os resultados são aterradores se levarmos a sério o bem-estar dos animais. De acordo com os investigadores da Faunalytics, a produção de uma única refeição com frango envolve aproximadamente seis dias de vida em condições miseráveis para um frango de aviário. Essas condições podem incluir “lesões dolorosas e queimaduras químicas” causadas por “longos períodos estando em pé ou deitados sobre dejectos”, tensão térmica e doenças. Se os consumidores tivessem de suportar este sofrimento sempre que comprassem carne, ninguém voltaria a comprar nuggets de frango.
Regra geral, não deveríamos fazer algo se não estivéssemos dispostos a enfrentar os danos e os benefícios totais daí resultantes. Se a única razão pela qual consideramos um resultado tolerável é porque usufruímos dos benefícios enquanto os outros, que não o consentiram, sofrem os custos, isso é um forte indicador de que estamos a explorá-los injustamente. Não há muitos exemplos mais claros disto do que o consumo de carne proveniente da pecuária industrial.
O equívoco talvez mais comum sobre o ponto de vista de Singer seja pressupor erradamente que, quando este filósofo exige a igualdade dos animais, está exigir que os animais sejam tratados da mesma maneira que os seres humanos. Este último ponto de vista é fácil de rejeitar. Mas, de facto, Singer é muito cuidadoso ao distinguir estes conceitos e reconhece que, embora a pertença a uma espécie não seja moralmente relevante em si, os membros de espécies diferentes podem apresentar outras diferenças que sejam de facto importantes moralmente (por exemplo, no que diz respeito à sua capacidade de experiência consciente ou às suas preferências). E estas diferenças podem justificar um tratamento diferente. Singer defende assim uma perspectiva mais moderada:
As diferenças importantes entre os seres humanos e os outros animais têm de dar origem a algumas diferenças nos direitos que cada um tem. Mas também há diferenças importantes entre adultos [humanos] e crianças. Uma vez que nem os cães nem as criancinhas podem votar, nenhum deles tem o direito ao voto. Reconhecer isto, no entanto, não impede que um princípio mais básico de igualdade seja alargado às crianças ou aos animais não-humanos. Esse alargamento não implica que tenhamos de tratar todos exactamente da mesma forma, independentemente da idade ou da capacidade mental. O princípio básico da igualdade não requer um tratamento igual ou idêntico; requer uma igual consideração. Uma igual consideração por seres diferentes pode levar a um tratamento diferente e a direitos diferentes.7
O que é mais importante, para os propósitos de Singer, é que os seres humanos e não-humanos têm um interesse semelhante em evitar o sofrimento. Assim, segundo o seu princípio de igual consideração, temos razões comparativamente fortes para evitar o sofrimento dos animais, tal como as temos também para evitar o sofrimento humano. E essas razões são, de facto, muito fortes.
Este ponto de vista é compatível com o reconhecimento de que as pessoas têm normalmente uma miríade de outros interesses que os seres não-humanos normalmente não têm, incluindo um interesse muito mais forte na continuação da sobrevivência.8 O anti-especismo de Singer é, portanto, compatível com a ideia de que se pudermos salvar a vida de uma criança humana ou salvar a vida de algumas galinhas, devemos salvar a criança. Isto porque é razoável esperar que a criança beneficie mais da vida do que as galinhas (mesmo agregadas).9 E não é uma discriminação errada de dar prioridade a um benefício maior sobre um menor.10
Singer explica a aplicação do seu princípio da igual consideração à ética do acto de matar da seguinte forma:
Isso não significa que, para evitar o especismo, tenhamos de defender que é tão errado matar um cão como matar um ser humano em plena posse das suas faculdades. A única posição que é irremediavelmente especista é a que tenta fazer a fronteira do direito à vida ser exactamente paralela à fronteira da nossa própria espécie. Para evitar o especismo, temos de admitir que os seres semelhantes em todos os aspectos relevantes têm um direito semelhante à vida; e a mera pertença à nossa própria espécie não é uma distinção moralmente relevante na qual basear este direito. Dentro destes limites, poderíamos continuar a considerar, por exemplo, que é pior matar um ser humano adulto com capacidade de autoconsciência e de planear o futuro e de ter relações significativas com os outros, do que matar um rato, que presumivelmente não partilha de todas estas características; ou poderíamos apelar aos laços familiares e outros laços pessoais estreitos e duradouros que os seres humanos têm, mas que os ratos não têm no mesmo grau; ou poderíamos pensar que a diferença crucial reside nas consequências para os outros seres humanos, que passarão a temer pelas suas próprias vidas. Seja qual for o critério que escolhermos, todavia, teremos de admitir que não é paralelo à fronteira da nossa própria espécie. Podemos legitimamente considerar que existem algumas características que tornam pior matar a maioria dos seres humanos do que matar um animal não humano, como aquelas que acabámos de referir; mas, segundo qualquer critério não-especista, muitos animais têm essas características num grau mais elevado do que […] [alguns] seres humanos com disfunções que afectaram profunda e permanentemente as suas capacidades cognitivas. Logo, se basearmos o direito à vida nestas características, temos de conceder a estes animais um direito à vida pelo menos tão forte como o que concedemos a esses seres humanos.11
Mesmo depois de termos o cuidado de distinguir a igual consideração do igual tratamento, a perspectiva de Singer continua a ser surpreendentemente radical. Pois implica que, se um ser humano estiver a sofrer uma dor intensa e um animal não-humano estiver a sofrer ainda mais intensamente, e se tivermos apenas analgésicos suficientes para ajudar um deles, o dever moral é aliviar a dor que for pior — mesmo que isso signifique dar prioridade a um porco em detrimento de um ser humano.
Este é um veredicto profundamente revisionista, e muitas pessoas consideram-no contra-intuitivo. Mas o simples facto de não gostarmos de um veredicto moral não significa que tenhamos boas razões para pensar que está errado. É possível que achemos o veredicto contra-intuitivo porque somos inaceitavelmente especistas, e o argumento de Singer desperta desconfortavelmente a atenção para este facto. Considere-se, por exemplo, como os sexistas e os racistas também pensam que os princípios como a igualdade de género e a igualdade racial são contra-intuitivos e desconfortáveis. Historicamente, o progresso moral envolveu muitas vezes a revisão de algumas crenças generalizadas e profundamente enraizadas, mesmo contra a resistência daqueles que beneficiam desse estatuto injusto.12 Se as nossas atitudes actuais em relação aos animais não-humanos entram em conflito com princípios morais convincentes, não é óbvio que a culpa seja dos princípios — talvez devêssemos antes mudar as nossas atitudes.
Porém, alguns aspetos da perspectiva de Singer parecem mais abertos a críticas fundamentadas.
Em primeiro lugar, Singer pressupõe uma versão forte de individualismo moral: não importa que tipo de ser somos; o que importa são as nossas características individuais. (Daí a sua perspectiva de que a espécie é moralmente irrelevante). Contudo, podemos questionar este pressuposto. Para ilustrar esta questão, suponha o leitor que tem um comprimido mágico que concede inteligência humana normal a quem o tomar. E suponha que tem dois candidatos para receber o comprimido: um porco e um ser humano com deficiências cognitivas cujas capacidades cognitivas são comparáveis às do porco. Suponha (ainda que isto não seja realista) que “tudo o resto é igual”: qualquer um dos indivíduos beneficiaria por igual dessa inteligência adicional, e mais ninguém seria afectado. Deverá o leitor conceder inteligência humana normal ao porco ou ao ser humano com deficiências cognitivas? O individualismo de Singer implica que não faz diferença. Mas muitas pessoas teriam a sensação que remediar uma deficiência é mais importante do ponto de vista moral do que alterar positivamente um porco perfeitamente saudável. No entanto, sem apelar a um padrão de normalidade baseado na espécie, parece não haver base para distinguir o tratamento da alteração. Ora, talvez este seja o resultado correcto e a nossa distinção conceptual comum, na verdade, não tenha fundamento. Mas este resultado é bastante radical, o que pode justificar algum cepticismo quanto à alegação de que a pertença à espécie seja tão moralmente irrelevante quanto Singer o afirma.
Em segundo lugar, podemos distinguir entre a discriminação que trata um indivíduo pior do que o seu estatuto moral objectivo exige e a discrição para tratar um indivíduo melhor do que o seu estatuto moral objectivo exige. A possibilidade desta última situação põe em causa a afirmação de Singer de que “temos de conceder a estes animais um direito à vida pelo menos tão forte como o que concedemos a seres humanos [comparáveis]”. Talvez a nossa sociedade, colectivamente, conceda direitos a seres humanos com deficiências cognitivas graves que excedem o que o seu estatuto moral objectivo exigiria. Não seria óbvio que estivéssemos a fazer algo de errado aos animais quando nos abstemos de lhes conceder o mesmo privilégio. Assim, poderá ser necessário apresentar mais argumentos para defender plenamente as fortes afirmações de Singer neste caso.
Mas mesmo que estas objecções convençam o leitor, é importante mantê-las em perspectiva. Nenhuma das objecções lança dúvidas sobre o argumento de Singer de que actualmente tratamos (mal) os animais de formas profundamente imorais. Em particular, nenhuma das objecções constitui uma defesa da pecuária industrial. No máximo, podem sugerir formas de discordar das afirmações mais fortes de Singer sobre o “especismo” e as exigências de uma consideração estritamente igual para os animais. Mas as suas objecções práticas aos graves maus-tratos infligidos aos animais podem ser aceites mesmo com fundamentos teóricos muito mais fracos.
Talvez valha a pena sublinhar neste ponto que as objecções de Singer aos maus-tratos infligidos aos animais não dependem da aceitação total do utilitarismo. Basta aceitar que o sofrimento de qualquer ser senciente inocente é, do ponto de vista moral, algo extremamente mau. E mesmo as afirmações mais fortes de Singer sobre o “especismo” e a igual consideração podem ser facilmente aceites por não-utilitaristas que também aceitam restrições deônticas, obrigações especiais para com os amigos e a família (mas não para com estranhos com quem apenas se partilha uma categoria demográfica) e prerrogativas para fazer menos do que o melhor.
Suponhamos que parece ao leitor que os argumentos de Singer contra o especismo são convincentes. Como deverá isso afectar as suas acções? Responder a esta questão implica considerar a forma mais eficaz de reduzir o sofrimento animal (e também a forma como isso se compara com outros meios de fazer o bem, tais como proteger as gerações do futuro).
Para encontrar as formas mais eficazes de contrariar o especismo e melhorar o bem-estar animal, é útil considerar, em primeiro lugar, as principais causas do sofrimento animal e, em segundo lugar, os principais meios para aliviar esse sofrimento. Relativamente às causas do sofrimento dos animais, Singer conclui o capítulo revisitando o que considera ser, na prática, os dois exemplos mais prementes de especismo na prática:
Um deles — fazer experiências com animais — é promovido pelos nossos governos e muitas vezes pago pelos nossos impostos. O outro — a criação de animais para fins alimentares — só é possível porque a maioria das pessoas compra e come esses produtos. Estas práticas são o cerne do especismo. Provocam mais sofrimento a mais animais do que qualquer outra coisa que os seres humanos fazem. Para acabar com elas, temos de mudar o que comemos e mudar também as políticas dos nossos governos. Se estas formas de especismo promovidas oficialmente puderem ser travadas, a abolição das outras práticas especistas não tardará.13
No Capítulo 4 de Libertação Animal, Agora, Singer apoia o “altruísmo eficaz para os animais”, que consiste em fazer aquilo que mais os beneficie — seja através de donativos, da escolha de carreira ou de acções políticas. Mas acaba por voltar às escolhas do consumo pessoal, por serem, na sua opinião, eticamente fundamentais:
Todas as acções que acabámos de mencionar são coisas importantes a fazer, mas há mais um passo que podemos dar e que sustenta, torna consistente e dá sentido a todas as nossas outras actividades em prol dos animais: podemos assumir a responsabilidade pelas nossas próprias vidas e torná-las sem crueldade, tanto quanto possível. Podemos, tanto quanto for razoável e prático nas nossas circunstâncias individuais, deixar de comprar e consumir carne e outros produtos de origem animal.14
Alterar o nosso consumo individual (por exemplo, tornando-nos vegetarianos ou veganos) pode ser a resposta prática mais óbvia aos argumentos de Singer. Essa resposta não tem de ser uma questão de tudo ou nada: como Singer reconhece, reduzir o consumo de produtos de origem animal em 90% é, proporcionalmente, 90% tão benéfico como tornar-se totalmente vegano, no que diz respeito aos efeitos directos. Assim, se for mais fácil convencer as pessoas a tornarem-se “reducitarianas” em vez de totalmente veganas, isso pode fazer o pedido mais modesto ser a melhor proposta moral — tal como pode ser preferível encorajar as pessoas a doar 10% do seu rendimento à caridade do que 50%, mesmo que esta última acção seja moralmente melhor. Conseguir que um maior número de pessoas adira a um progresso gradual é frequentemente mais vantajoso do que convencer um pequeno grupo a agir com maior pureza moral.
Embora as escolhas individuais de consumo sejam um alvo importante para a teorização moral, é improvável que sejam o mecanismo mais importante ao nosso dispor para reduzir o sofrimento animal. Uma opção ainda mais promissora é fazer donativos a instituições de caridade eficazes para animais. É difícil quantificar com precisão o impacto desses donativos, e as estimativas variam consideravelmente, mas é bastante plausível que algumas centenas de dólares por ano possam mais do que compensar os danos de uma dieta convencional com elevado consumo de carne.15 Por isso, se for mais fácil para si doar (por exemplo) mais mil dólares por ano a instituições de caridade eficazes para animais do que tornar-se vegano, então essa doação deve, plausivelmente, ter prioridade.16 (Caso queira fazer as duas coisas, tanto melhor!)
A Libertação Animal, mais do que qualquer outra obra de filosofia alguma vez escrita, levou tanto filósofos como o público em geral a reflectir sobre a ética animal, os danos da pecuária industrial e o desafio do especismo. No centro do desafio de Singer está um apelo à coerência: se concordamos que o racismo, o sexismo e outras formas de discriminação injusta são erradas, e que o são porque violam o princípio da igual consideração, como podemos negar que o mesmo se aplica ao especismo?
Há aspectos particulares da perspectiva de Singer que podem ser razoavelmente questionados. Mas o seu argumento central — que o tratamento que a sociedade actualmente dá aos animais não-humanos, especialmente os animais da pecuária, é moralmente indefensável — parece tanto inegável como significativo em termos práticos. Se Singer tiver razão, então a sociedade precisa de mudar. E a única forma de isso acontecer é as pessoas que compõem a sociedade começarem a pensar e a agir de forma diferente em resultado da consideração destes argumentos.