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Crítica
23 de Fevereiro de 2016   Ética

Não temos deveres directos em relação aos animais

Immanuel Kant
Tradução de Pedro Galvão

Baumgarten fala de deveres em relação aos seres que estão acima de nós e de deveres em relação aos seres que estão abaixo de nós. Mas não temos quaisquer deveres directos no que diz respeito aos animais. Os animais não têm consciência de si e existem apenas como meio para um fim. Esse fim é o homem. Podemos perguntar “Por que razão existem os animais?”. Mas perguntar “Por que razão existe o homem?” é fazer uma pergunta sem sentido. Os nossos deveres em relação aos animais são apenas deveres indirectos em relação à humanidade. A natureza animal assemelha-se em alguns aspectos à natureza humana e, ao cumprirmos o nosso dever em relação aos animais devido a manifestações da natureza humana, cumprimos indirectamente o nosso dever em relação à humanidade. Assim, se um cão serviu fielmente o seu dono durante muito tempo, o seu serviço, como é semelhante ao serviço humano, merece ser recompensado. E, quando o cão fica demasiado velho para servir o seu dono, este deve mantê-lo até ele morrer. Tal acção apoia-nos nos nossos deveres em relação aos seres humanos, que são deveres imperiosos. Deste modo, se os actos dos animais são semelhantes aos actos humanos e resultam dos mesmos princípios, temos deveres em relação aos animais porque assim cultivamos os deveres correspondentes em relação aos seres humanos. Se um homem abater o seu cão por este já não ser capaz de o servir, ele não infringe o seu dever em relação ao cão, pois o cão não pode julgar, mas o seu acto é desumano e fere em si essa humanidade que ele deve mostrar aos seres humanos. Para não asfixiar os seus sentimentos humanos, tem de praticar a generosidade com os animais, pois quem é cruel para os animais depressa se torna empedernido também na maneira como lida com os homens. Podemos ajuizar o coração de um homem pelo modo como ele trata os animais. […] Quanto mais conhecemos os animais e observamos o seu comportamento, mais os amamos, pois vemos quão grande é o seu cuidado com as suas crias. Torna-se depois difícil ser cruel em pensamento mesmo com um lobo. Leibniz usou um pequeno insecto para efeitos de observação e, para que não lhe sucedesse qualquer mal devido ao seu acto, voltou a pô-lo cuidadosamente na árvore com a sua folha. Ele teria tido pena — um sentimento natural num homem humano — de destruir uma tal criatura sem qualquer razão. Os sentimentos ternos em relação aos animais sem inteligência desenvolvem sentimentos humanos em relação à humanidade. Na Inglaterra os talhantes e os médicos não fazem parte dos júris, pois estão acostumados a ver a morte e ficaram insensíveis. Os vivisseccionistas, que usam animais vivos nas suas experiências, certamente agem de uma forma cruel, mas o seu objectivo é louvável e podem justificar a sua crueldade, pois os animais têm de ser vistos como instrumentos do homem. Mas exercer tal crueldade por diversão é algo que não tem justificação. […] Quanto aos animais, os nossos deveres são, então, indirectos em relação à humanidade.

Immanuel Kant
Lições de Ética
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ISSN 1749-8457