A arte conceptual é o único movimento artístico levado a cabo por um só homem: Marcel Duchamp (1887–1969). A sua obra produziu uma espécie de revolução coperniciana no mundo da arte. Depois dos seus “ready-made” a arte nunca mais foi a mesma. Apesar de ser o mais influente artista do século XX, lançando a tradição avant-garde na arte, a sua obra provoca ainda assim acesas disputas e é uma verdadeira dor de cabeça para os estetas. Obras como a famosa Fonte (1917/1964), que não é mais do que um vulgaríssimo urinol, são ainda hoje palco de discussão e incompreensão não só por parte do grande público, mas também por alguns críticos e historiadores da arte. Filósofos como George Dickie dedicaram uma especial atenção aos “ready-made” de Duchamp, concebendo uma teoria sobre a arte que acomodasse tais objectos e outros do género — os chamados “objectos ansiosos”, aqueles que nos mantêm na incerteza de os classificar como arte. A teoria de Dickie passou a acomodar a ideia revolucionária de Duchamp de que tudo pode ser arte. É isso que são os seus “ready-made”, objectos vulgares que o artista “transforma” em obras de arte ao assiná-los e dar-lhes um nome, propondo-os para apreciação. Ao justificar esta posição, dizia-se “mais interessado nas ideias do que no produto final”.
A própria história da fonte é também ela enigmática:
Em 1917 foi fundada em Nova Iorque a nova Society for Independent Artists […] Qualquer pessoa que pagasse seis dólares podia apresentar dois trabalhos. Duchamp era um dos directores do grupo, mas como ele não gostava da organização, decidiu provocar os responsáveis pela escolha e exibição dos objectos, ao apresentar a Fonte sob pseudónimo.
A fonte foi rejeitada. Esta curiosa faceta provocadora e brincalhona de Duchamp é algo que se destaca nas suas obras, como quando comprou um postal com a Mona Lisa e lhe acrescentou a lápis um bigode e uma pêra acrescentado a seguinte legenda L.H.O.O.Q, que significa “Ela tem calor no rabo”; mais tarde num outro postal com a Mona Lisa deixa-a sem bigode e pêra e acrescenta a palavra “barbeada”. E no início da sua carreira, chegou mesmo a fazer banda desenhada com trocadilhos verbais e visuais.
Duchamp cresceu numa pequena cidade da Normandia, cercado por arte. O seu avô foi um pintor talentoso. A sua mãe, apesar de menos talentosa, também pintava, e o pai, embora não estivesse relacionado com o mundo da arte, encorajava as actividades culturais; o que talvez explique por que motivo todos os irmãos de Duchamp se tenham de uma maneira ou de outra dedicado à arte. Com apenas 17 anos, após terminar o ensino secundário, parte para Paris para se juntar aos irmãos mais velhos, integrando-se rapidamente no seu círculo de artistas. Mas esta vida não interessava a Duchamp, e com apenas 25 anos chegou ao fim da sua carreira de pintor. Em parte, este afastamento deliberado da comunidade artística deveu-se ao facto de ele ter tido uma recepção negativa quando apresentou o trabalho Nu Descendo Uma Escada (N.º 2) (1912) no Salon des Indépendants. Um dos artistas que pertencia à comissão de exibição chegou mesmo a aconselhar os irmãos de Duchamp que o persuadissem a desistir.
Durante esse ano em que ocorreram grandes mudanças, ele começou a viajar mais, procurando inspiração fora dos círculos familiares dos artistas parisienses e até mesmo fora das artes visuais no seu todo. Vários escritores foram de especial importância.
Talvez tenha sido esta procura de inspiração fora dos círculos artísticos normais que possibilitou o nascimento de uma forma de arte completamente diferente. Se Duchamp tivesse sido aceite e acarinhado pelos seus colegas pintores quando procurou essa aceitação, talvez a revolução artística do século XX nunca tivesse tido lugar.
Célia Teixeira