O movimento da “psicologia positiva” pretende fazer algo mais da psicologia do que resolver ou minorar perturbações psicológicas — pretende fazer-nos felizes. Estes psicólogos estudam o que faz as pessoas genuinamente felizes, e não os distúrbios psicológicos que nos afectam. Para quem conhece a bibliografia filosófica sobre o mesmo tema — a eudemonia, como lhe chamava Aristóteles — é surpreendente verificar como os resultados experimentais da psicologia positiva vão ao encontro das ideias aristotélicas e, mais recentemente, das ideias de filósofos como Peter Singer e Susan Wolf. Fundamentalmente, a felicidade consiste na entrega activa a projectos com valor objectivo. Articular exactamente o que são projectos com valor objectivo é o problema da filosofia. Explicar que tipo de projectos fazem efectivamente as pessoas felizes, e que tipo de atitudes conduzem à felicidade, ou a tornam impossível, é o objecto da psicologia que, como disciplina descritiva e não normativa, se limita a registar o que efectivamente faz as pessoas felizes.
Para quem procura a chave da felicidade, este livro oferece dez, uma por cada capítulo. O que o torna atraente para o grande público é a ímpar capacidade do autor para transmitir de forma descontraída e entusiasmante ideias importantes e por vezes sofisticadas da psicologia contemporânea e dos estudos neurológicos. Alguns capítulos lêem-se com sofreguidão, como uma autêntica viagem de descoberta de nós mesmos. Em cada capítulo o autor explora “insights” tradicionais das religiões e da literatura, que de algum modo captam verdades entretanto confirmadas (e por vezes infirmadas) pela psicologia moderna. Na verdade, este livro fornece uma importante pista para uma explicação evolucionista das religiões: se as religiões captam verdades psicológicas importantes sobre a felicidade, ainda que parcialmente, e com muitas falsidades à mistura, como é natural nas coisas humanas, então não é de espantar que exerçam um apelo tão grande sobre tantas pessoas (apesar de 16% da população mundial se declarar não religiosa).
No primeiro capítulo, “O Eu Dividido”, o autor apresenta um conjunto de resultados sobre as diversas partes que constituem o nosso eu. A metáfora preferida do autor é de origem indiana: o nosso eu consciente é como alguém montado num elefante, procurando guiar a sua montada — para o fazer bem é preciso alguma sabedoria, pois a força bruta não funciona. Em termos menos oníricos, o cérebro é de facto um conjunto de sistemas nem sempre trabalhando em uníssono, e com prioridades e leituras diferentes da realidade. Por exemplo, o elefante é de vistas curtas e prefere uma pequena satisfação imediata a uma satisfação maior adiada e que implica algum trabalho e esforço — o elefante não entende o raciocínio prudencial. Para saber domar o elefante é necessário algumas técnicas, entre as quais o autor recomenda a meditação.
O segundo capítulo, “Mudar de Ideias”, explora a importância de saber interpretar correctamente o mundo e nós mesmos. Parte da infelicidade resulta de modos errados de interpretar as coisas, e é por isso que a chamada psicologia cognitiva tem bastante sucesso, nomeadamente no combate a certos tipos de depressão. O que se passa é que em certas situações nos tornamos infelizes porque entramos numa espiral autodestrutiva de pensamentos subtilmente errados sobre nós mesmos e os outros — pensamentos que nos deprimem cada vez mais. Conseguir “apanhar” e neutralizar esses pensamentos, reconhecendo que são pura e simplesmente exageros e interpretações erradas das coisas, é um passo fundamental para a felicidade.
Outro elemento fundamental para a felicidade é a reciprocidade, que o autor explora no terceiro capítulo. Como muitas outras espécies, os seres humanos são gregários e ter laços de confiança e amizade com outras pessoas é uma parte importante da felicidade. Todos temos também intuitivamente uma imagem muito ampliada de nós mesmos — somos os mais espertos da faculdade, os vizinhos com mais civilidade, os amigos mais leais e os colegas mais profissionais. Evidentemente, isto é treta. E em certos casos pode ser uma treta que nos faz infelizes porque nos obriga a autênticas acrobacias interpretativas para negar a realidade — que agimos mal, que há pessoas melhores do que nós, que nem sempre estamos à altura dos padrões que nós mesmos defendemos. A vaidade faz-nos infelizes e o realismo sobre nós mesmos ajuda-nos a viver de forma descontraída e sem ansiedades.
O aspecto objectivista da felicidade será um dos mais surpreendentes para o leitor comum. Vivemos numa era voltada para a vida privada e subjectiva, erigida em valor absoluto. Contudo, o autor defende que esta é uma ilusão contemporânea: sem preocupações mais alargadas, que ultrapassem as fronteiras imediatas do eu, da família e dos amigos mais próximos, dificilmente se pode ser genuinamente feliz. A felicidade, afinal, não vem realmente toda de dentro — vem também da entrega ao mundo. E, mais surpreendente ainda, a virtude — agir correctamente e não de forma egoísta ou interesseira ou amoral — é também um dos elementos fundamentais da felicidade. Afinal, uma das rotas para a felicidade é procurar contribuir genuinamente para a felicidade dos outros.