Além deste livro, Steven Roger Fisher é autor de A History of Writing (2001), Glyphbreaker: A Decipherer’s Story (1997), A History of the Pacific Islands (2002), Rongorongo: The Easter Island Script (1997) e A History of Reading. O autor fala fluentemente inglês, francês, espanhol e alemão, fala um pouco outras cinco línguas e lê em oitenta idiomas. É doutorado pela Universidade da Califórnia e vive na Nova Zelândia, onde é Director do Instituto de Línguas e Literatura Polinésias. Tornou-se famoso no mundo académico do estudo das línguas ao resolver um mistério que durou dois séculos: o significado das inscrições existentes na Ilha de Páscoa.
Apesar das suas credenciais académicas, o autor escreve para o grande público e para o modesto estudante; não encontramos no seu livro longos palavreados abstrusos. Com oito capítulos e 240 páginas, este livro abrange a história da linguagem desde o seu uso mais antigo, como a linguagem química das formigas e outros animais não-humanos (capítulo 1), até ao uso da linguagem na Internet, às linguagens de programação de computadores e ao previsível futuro linguístico dos seres humanos. É fascinante assistir ao nascimento da linguagem sintacticamente estruturada com o Homo sapiens e o Homem de Neandertal (capítulo 2):
Antes da sintaxe, não se pode falar de linguagem humana articulada. Só depois de completada a elaboração da sintaxe os seres humanos falaram, e raciocinaram, como nós. Este não foi um processo súbito. Desenvolveu-se durante muitas centenas de milhares de anos, começando no Homo erectus e culminando (mas continuando ainda a evoluir) com o Homo sapiens.
Ao longo da jovem história do sapiens, “dezenas de milhares de línguas e de famílias de línguas desapareceram sem deixar rasto”.
O capítulo 3 traça a evolução das primeiras linhagens linguísticas e explica como se dá o processo de desaparecimento, absorção e mistura de línguas. O capítulo 4 resume a história da escrita e é um dos mais fascinantes. Nele se exibe a importância do sistema fonético de escrita grego: “não há escrita alguma que consiga transmitir toda a amplitude do pensamento humano que não seja fonética”. O capítulo 5 traça as linhagens das línguas até à actualidade, e é provavelmente o mais técnico, e com maior número de informações por página. O capítulo 6 apresenta a história dos próprios estudos linguísticos e das suas três tradições mais importantes: a grega, a indiana e a chinesa. Como acontece em tantas áreas de estudos, “escreveu-se mais sobre a linguagem e as línguas nesses cinquenta anos [depois da segunda guerra mundial] do que nos 2500 anos precedentes”. O capítulo 7 é fundamental para a compreensão dos processos sociais associados ao uso da linguagem. Nele se explicam como se dão os processos de mudança linguística, como se usa a linguagem para fazer valer o poder e para acentuar fossos sociais ou económicos. A mistura entre línguas tem sido uma constante ao longo da história, e a “língua pura” é coisa que nunca existiu:
o erro dos puristas da língua tem desde sempre sido a incapacidade para compreender que o empréstimo é uma das grandes forças de uma língua. As línguas humanas não são pedras, são esponjas. Esta qualidade confere-lhes a sua espantosa criatividade e também a sua adaptabilidade e viabilidade.
O último capítulo estuda brevemente o uso da linguagem na Internet, e nos computadores, e reflecte sobre o futuro das línguas humanas:
os dois séculos que se seguirão irão indubitavelmente assistir a uma substituição linguística sem precedentes; à homogeneização e ao nivelamento dos poucos dialectos e línguas que sobrevivem; e, finalmente, em última instância, a toda a gente a falar provavelmente o inglês, como primeira ou como segunda língua, à medida que a sociedade global se torna uma realidade, pelo menos a nível linguístico. [...] Depois disto, talvez lá para o século XXIV, só o inglês terá sobrevivido como a única língua do mundo.
Como afirmou Álvaro de Campos, em A Tabacaria,
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Esta evidência poética e científica — que a língua portuguesa será um dia uma língua morta — coloca as coisas numa perspectiva menos provinciana, que é precisamente o feito maior do conhecimento e da arte.
Em suma: uma obra informativa, despretensiosa, iluminante, abrangente, polémica.
Desidério Murcho