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19 de Março de 2002   Estética

Uma apendicite oportuna

Célia Teixeira
Matisse
de Volkmar Essers
Taschen, 2001, 96 pp.

“Henri Matisse (1869-1954) não estava predestinado para ser pintor, mas sim, como ele próprio dizia “filho de um comerciante de sementes, destinado a prosseguir os negócios do pai””. E na verdade, apesar de ser o mais influente artista fauve, iniciou a sua carreira artística muito tarde, depois de ter terminado o curso de direito. Aos vinte anos começa a trabalhar como assistente de advogado, frequentando também um curso de desenho na École Quentin de La Tour. E só aos 22 anos abandona por completo a carreira jurídica para se dedicar exclusivamente à pintura. A sua vocação para a pintura revelou-se numa situação absolutamente inesperada: “Para ajudar o Jovem Matisse a passar o tempo, após uma apendicite que em 1890 o manteve acamado quase um ano, a sua mãe ofereceu-lhe uma caixa de tintas. A paixão já deveria contudo estar latente”. Matisse também não foi nenhuma criança prodígio nem revelou desde logo um talento invulgar, na verdade a sua posição artística foi conquistada à custa de muito trabalho: “Desde há cinquenta anos que não paro de trabalhar. Das nove às doze horas, primeira sessão. Depois almoço, faço uma pequena sesta e pego no pincel das duas da tarde até à noite. Não me vão acreditar”. Matisse trabalhou toda a vida. Os únicos momentos que quebravam a sua rotina dedicada à pintura foram provocados pela sua saúde frágil.

A sua primeira grande influência artística foi o impressionismo, e tal como os impressionistas também ele não pretendia representar a realidade tal como é, mas como ele a sentia. Mas, ao contrário destes, Matisse não pintava preferencialmente a natureza, dando mais atenção à expressão do que à impressão, preferia as figuras humanas, na sua maioria mulheres, não precisando por isso de sair do seu atelier. Apesar de a sua obra se ter desenvolvido gradualmente, os aspectos formais da cor, luz, espaço e harmonia unificam-na. “Os fauvistas faziam das cores o elemento principal dos seus quadros, eram unânimes na rejeição das nuances da paleta impressionista e na sua procura pela força expressiva das cores puras, onde a reprodução realista da natureza não fazia parte das suas preocupações”. O nome fauves — que significa “selvagens” em francês —, deveu-se a uma observação negativa do crítico Louis Vauxcelles que não compreendia esta exaltação da cor e das formas e este desinteresse pelo realismo. Mas apesar das críticas ferozes aquando da sua primeira exposição, Matisse foi apoiado por Michael Stein que ao comprar várias das suas obras, incluindo aquela que esteve no centro da controvérsia (Mulher de Chapéu, 1905), salva-o da ruína fazendo subir o valor dos seus quadros e o interesse por eles. Mas é a obra Alegria de Viver (1905-06) que marca a sua obra artística. “Neste quadro, Matisse executa conscientemente pela primeira vez a sua intenção de desenhar toscamente as linhas do corpo humano para harmonizar e simplificar o valor artístico das cores puras, que utilizava apenas juntamente com o branco. Utiliza este desenho sistematicamente torcido da mesma forma que se usa a dissonância na música, o vinagre ou o limão na cozinha ou se aclara o café com casca de ovo”. Mais tarde na sua carreira, Matisse procurou incluir na sua arte aquilo que inicialmente teve de abdicar de modo a poder dar uma maior força à expressão da cor e da linha: a matéria, a profundidade do espaço e o desenho de pormenor. A Mesa Preta (1919) representa esse primeiro esforço de inclusão. Nos anos 30 Matisse dedica-se sobretudo a criar desenhos à linha. Mas as suas experiências plásticas não ficam por aí, e no fim da sua carreira e da sua vida dedicou-se ainda ao trabalho de reconstrução da Capela do Rosário de Vence. Nos últimos três anos da sua vida concentrou-se em experiências plásticas mais abstractas. Sem dúvida, uma vida cheia de arte!

Célia Teixeira
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ISSN 1749-8457