Os leitores que se maravilharam com O Paradigma Perdido, de Edgar Morin (Europa-América), ou Os Dragões do Éden, de Carl Sagan (Gradiva), precisam de descobrir Steven Mithen. Jovem professor da Universidade de Reading, tem já no seu currículo vários artigos de investigação e dois livros muitíssimo influentes. The Prehistory of the Mind é o seu segundo livro e foi recebido com entusiasmo quando foi publicado, em 1996. A última edição é de 2003. Jerry Fodor recebeu o livro de braços abertos, na London Review of Books, assim como Lewis Wolpert. E com razão.
Como o subtítulo do livro anuncia, trata-se de procurar as origens da arte, da religião e da ciência. Mas é mais do que isso, pois o autor procura uma compreensão mais alargada e profunda do que é o espírito humano, ou a mente. “Se queremos saber o que é a mente”, escreve o autor (pág. 259), “não devemos perguntar apenas aos psicólogos e aos filósofos: temos também de perguntar ao arqueólogo”. A razão é simples: a evolução biológica da mente reserva pistas fundamentais para a compreensão da mente contemporânea. Ora, são os arqueólogos que podem informar-nos acerca das características evidenciadas pelos primeiros hominídeos, assim como pelos seus ascendentes.
O trabalho arqueológico é em si fascinante, pois trata-se de procurar inferir muito do muito pouco. Mas Mithen torna a demanda presente neste livro ainda mais apetitosa pela sua transdisciplinaridade. Recorrendo à psicologia cognitiva, à filosofia da mente, à psicologia evolucionista, à arqueologia e aos estudos pré-históricos, o autor enriquece todas estas disciplinas e oferece uma visão inovadora da mente humana. A sua tese central é que a evolução da mente se caracterizou pelo desenvolvimento progressivo de vários “módulos” ou “centros”, responsáveis por diferentes tipos de inteligência. Destes, o autor isola alguns dos mais importantes e gerais: a inteligência linguística, a social, a inteligência da história natural e a inteligência técnica. A primeira é responsável pela linguagem, a segunda pelas relações sociais complexas, a terceira pelo conhecimento do mundo natural, e a última pela inteligência que permite a manufactura de instrumentos complexos. A chamada “inteligência geral” é responsável pelos aspectos que não carecem de especialização. Começando por investigar o que se passa com a linguagem dos chimpanzés, e com as suas óbvias limitações a este nível, assim como ao nível do uso de instrumentos, Mithen conclui que eles carecem de módulos desenvolvidos de inteligência linguística ou de inteligência técnica, apesar da sua boa inteligência geral e da sua enorme inteligência social. É esta carência que explica os seus limites no uso de instrumentos e no uso da linguagem, por mais pacientemente que sejam ensinados. Este é o ponto de partida do livro para uma viagem fascinante pelos nossos antepassados, à medida que diferentes módulos mentais se vão desenvolvendo. O último passo evolutivo é a comunicação entre os diversos módulos — e é a sua ausência que permite resolver alguns dos enigmas da pré-história, nomeadamente relativos aos Neandertais. Iluminante e fascinante, esta é uma obra que há muito merecia estar traduzida, para deleite e formação fundamental de todos. Dado o estilo entusiástico e humorístico do autor, é uma aposta editorial segura.