Onde está o leitor?
A resposta óbvia: “Aqui”.
Onde é “aqui”?
Se estivesse aqui connosco, estaria em Boonsboro. Alguns dos nossos amigos dizem que Boonsboro fica em sítio nenhum. O mapa diz que é uma cidade pequena a oeste de Maryland. Maryland fica algures — na costa leste dos Estados Unidos. Pode ficar no hemisfério norte. Ou pode ficar no hemisfério ocidental. Ou talvez em ambos os hemisférios. Não temos a certeza. Também, de facto, isso não interessa. O hemisfério em que estamos depende de um divisão arbitrária da Terra.
Onde fica a Terra? Pois se soubermos em que sítio estamos na Terra, mas não soubermos onde está a Terra, não sabemos de facto onde estamos. Felizmente, outro mapa diz-nos que a Terra é o terceiro planeta do nosso sistema solar a contar do Sol.
Onde está o nosso sistema solar? Um mapa maior diz-nos que o nosso sistema solar está num braço exterior da galáxia Via Láctea, a qual está no Agregado Local de galáxias, a qual se encontra, finalmente, no Universo. Mas onde está o Universo?
Isto é que é uma pergunta: Onde está o Universo?
Já não temos mapas. Podemos pensar que o Universo está em todo o lado. Mas esta resposta, na melhor das hipóteses, coloca-nos dentro do universo. Não dá ao Universo uma localização. Suponha que está perdido no mar e que pelo rádio uma voz lhe pergunta onde está o mar. Olhando à sua volta, responde: “Em todo o lado”. Isto apenas o localiza algures no mar. A não ser que saiba o que está para lá das fronteiras do mar, continua perdido.
Assim, o que está para lá das fronteiras do Universo? O espaço? Não, o Universo não pode estar no espaço, uma vez que por Universo queremos dizer a totalidade de tudo. Todo o espaço tem de estar no Universo. Onde está, então, o Universo?
Até agora determinámos a posição de cada coisa localizando-a num espaço que a contém. Contudo, o Universo é o espaço último que tudo contém: por definição, o Universo contém tudo. O Universo só poderia estar algures se houvesse algo que o Universo não contivesse. Mas não há. Logo, o Universo não está em lado algum; está em lado nenhum.
Assim, neste momento estamos num Universo que não está em lado algum! Claro que, num certo sentido, ainda estamos algures. Por exemplo, no momento em que estamos a escrever estas palavras, estamos em Boonsboro, Maryland, na costa leste do Estados Unidos, no hemisfério norte ou ocidental, no planeta Terra, no nosso sistema solar, num braço externo da galáxia Via Láctea, no Agregado Local de galáxias, no Universo. Mas, em última análise, estamos todos em lado nenhum.
Aquilo que parece estar tão solidamente no seu lugar à nossa volta, está a flutuar livremente no nada. No fim de contas, não há absolutamente qualquer suporte, qualquer fundação, qualquer contentor, nada que torne o todo seguro.
Faz-nos isto sentir inseguros? Sem dúvida que sim. Talvez explique parcialmente por que razão dividimos o universo não apenas em galáxias, sistemas solares, planetas, hemisférios, países e cidades, mas até em ruas e casas numeradas. Podemos localizar-nos uns aos outros. Mas não podemos localizar o todo. Estamos todos ainda em sítio nenhum. Suponha que está num transatlântico. Ouve uma voz no intercomunicador: “Fala o capitão. Não tenho ideia alguma sobre onde estamos. Estamos completamente perdidos”. O seu amigo diz: “Estará o capitão louco? Ele pode estar perdido. O navio pode estar perdido. Mas eu não estou perdido. Eu estou no convés 3, cabine 381. Sei exactamente onde estou.”
A resposta do seu amigo pode responder a algumas questões práticas. Ele pode querer mandar passar a ferro o seu smoking para o baile da noite. Mas a sua resposta é também uma forma de se proteger a si próprio do facto de que tudo a bordo do navio está perdido.
Portanto, onde estamos nós? Acima de nós está um céu cheio de estrelas. Abaixo, a Terra. Atrás de nós uma montanha. Em frente, um longo prado que se declina para formar um vale. Florestas à direita e à esquerda. Sabemos onde estamos. Estamos exactamente onde alguns dos nossos amigos dizem que estamos: em lado nenhum.
Onde está o leitor?
Não será surpreendente, depois disto, se eu proferir uma máxima, condenada por vários metafísicos, e considerada contrária aos princípios mais básicos da razão humana. Esta máxima é que um objecto pode existir e, no entanto, não estar em lado algum; e declaro que isto não é apenas possível, mas que a maioria dos seres também não estão em lado algum e têm de existir desta forma.
Assim escreveu o grande filósofo moderno David Hume (na sua obra clássica Tratado da Natureza Humana, 1738), um dos fundadores do influente movimento filosófico chamado “empirismo britânico”. Estas palavras exprimem uma ideia central neste capítulo. Muitos estudantes que leram este capítulo perguntaram: “Poderia o Universo estar na mente?” Num certo sentido importante, podemos dizer que sim, se estivermos a referir o Universo das nossas percepções. Hume defende que são “aquelas percepções que são simples e existem em sítio nenhum”.
Para uma exposição mais sofisticada e contemporânea dos conceitos não apenas de espaço, mas também de tempo, veja-se Hans Reichenbach, Philosophy of Space and Time (Dover, 1958), um clássico filosófico moderno que conduz o leitor numa vertiginosa odisseia pela topologia do espaço e do tempo. Para um excelente instrumento para o ajudar a visualizar algumas das estranhas reviravoltas das concepções científicas contemporâneas do espaço, veja-se A Topological Picturebook, de George K. Francis (Springer, 1987), um delicioso livro para manipular e aprender a desenhar figuras matemáticas, com imensos exercícios de dar a volta à cabeça; e J. R. Weeks, The Shape of Space (Marcel Dekker, 1985). Para um experiência visual perfeitamente emocionante, veja-se a breve animação matemática de curta-metragem Not Knot, de David Epstein e Charlie Gunn (publicada pelo Centro de Geometria da Universidade de Minnesota), que introduz os conceitos matemáticos de nó e de anéis borromeanos, mostrando como impõem uma estrutura no espaço, levando o leitor ao interior dessa estrutura. Para uma introdução invulgar e excêntrica à geometria não-euclidiana, tão importante para a compreensão o conceito cosmológico de espaço como um todo, experimente Eugene F. Krause, Taxicab Geometry: An Adventure in Non-Euclidian Geometry (Dover, 1986). E para um introdução histórica às teorias do espaço e do tempo, veja-se John Losee, Uma Introdução Histórica à Filosofia da Ciência (Terramar, 1997).
Para uma abordagem acessível e absolutamente emocionante ao conceito de infinito, nada bate Constance Reid, Introduction to Higher Mathematics for the General Reader (Thomas Y. Crowell, 1959) excepto, talvez, o tratado um pouco mais sofisticado mas também acessível de Tobias Danzig, Number, 4.ª edição (Macmillan, 1967), que o próprio Einstein afirmou ser o melhor livro sobre matemática que alguma vez lera. Para uma panorâmica histórica geral acerca dos diferentes modelos do cosmos, veja-se, Milton Munitz, Theories of the Universe (Free Press, 1957).
Daniel C. Dennett “Where Am I?” — originalmente publicado em Brainstorms (Bradford Books, 1978) e reimpresso em Kolak e Martin (org.), The Experience of Philosophy, 5.ª edição (Wadsworth, 2002) — põe a descoberto o mistério pouco óbvio de saber como nos localizamos a nós mesmos. Ao imaginar um situação na qual o seu corpo se encontra separado do cérebro, Dennett mostra por que razão mesmo o facto aparentemente mais óbvio sobre nós mesmos, expresso pela nossa afirmação “estou aqui”, é profundamente questionável.
Nas quarenta páginas de Cosmic View: The Universe in Forty Jumps (Day, 1957), Kees Boeke põe em perspectiva a imensa escala do Universo, começando pelas galáxias e acabando no centro de um átomo. Em Powers of Ten (Freeman, 1982), Philip Morrison conduz-nos numa excursão pictórica do cosmos que se inicia com duas pessoas a fazer um piquenique sobre um cobertor num parque de Chicago, deslocando-se até ao turbilhão de galáxias e para lá delas, regressando depois até ao interior de uma das mãos de uma das pessoas que estão no piquenique e ao interior de um átomo.
O clássico do século XIX de E. A. Abbott, Flatland (Gradiva, 2001) é provavelmente o livro mais encantador alguma vez escrito sobre o espaço e as dimensões. A história de Abbott é uma tocante fantasia acerca de um quadrado que vive num mundo bidimensional até ao dia em que é raptado para a terceira dimensão. Quando regressa ao mundo plano, tem dificuldades em convencer os seus amigos a admitir a possibilidade de que o espaço pode ter três dimensões. Outra fantasia soberba é Mr. Tompkins in Wonderland (Cambridge University Press, 1940), de George Gamov. Escrito no estilo de um manual para o terceiro ano, sem usar qualquer linguagem técnica, ilustra as implicações mais surpreendentes de viver num universo einsteiniano.