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Crítica
10 de Fevereiro de 2001   Filosofia da ciência

Ciência ou narrativa?

Pedro Galvão
A Verdade da Ciência: Teorias Físicas e Realidade
de Roger G. Newton
Tradução de Ernesto de Carvalho
Dinalivro, 1999, 302 pp.

“Sociólogos influentes anunciam, com grande confiança, que os resultados das ciências, obtidos com muito trabalho e através de muita observação, experimentação e reflexão, durante os últimos quatrocentos anos, nada têm a ver com a Natureza e o mundo externo em investigação, mas são apenas narrativas, como os mitos e os contos de fadas, ou o resultado de acordos sociais”. É nestes termos que Roger Newton, professor de física na Universidade de Indiana, apresenta a perspectiva que o irritou ao ponto de o ter levado a escrever um livro — “A Verdade da Ciência”, publicado agora entre nós pela Dinalivro. Contra essa perspectiva, Newton defende que os resultados da ciência, embora não se baseiem em observações puras efectuadas por indivíduos imparciais, “também não são narrativas consensuais ou mitos com objectivos políticos”.

“A Verdade da Ciência” apresenta-se como uma defesa da objectividade científica. Newton desenvolve essa defesa da melhor maneira: sem perder demasiado tempo com polémicas contra os que negam tal objectividade, empenha-se na tarefa construtiva de mostrar como as teorias físicas nos permitem efectivamente compreender a realidade. Só o segundo capítulo, aliás, tem um carácter marcadamente polémico. Nele e no primeiro capítulo, Newton discute o problema de saber até que ponto a ciência é convencional. Defende que, embora a adopção do método científico seja convencional, e embora as leis científicas contenham elementos convencionais, não se pode concluir daí que a ciência não passa de convenções. Deste modo, aceita um convencionalismo moderado, mas rejeita a recente “variante maligna” do convencionalismo, que concebe as teorias científicas, bem como os próprios factos em que estas se baseiam, como simples construções sociais.

Nos cinco capítulos seguintes, Newton examina diversas questões metodológicas suscitadas pela ciência. Começa por mostrar como as teorias físicas permitem explicar os fenómenos naturais, avaliando de seguida o papel desempenhado por alguns dos dispositivos explicativos usados pelos cientistas, como os modelos, as analogias e as metáforas. Depois, tenta esclarecer o estatuto e a função dos factos na ciência, o que conduz ao problema decisivo da sua relação com as teorias. O modo como estas nascem e morrem, aliás, também é considerado num dos capítulos. Newton discute ainda a natureza da matemática, tendo em vista o objectivo de explicar a que se deve o seu enorme poder na compreensão do mundo físico.

Os temas metafísicos estruturam os últimos quatro capítulos. Estes, sem dúvida, são ao mesmo tempo os mais densos e os mais interessantes do livro. Neles, investigando o contraste entre a física clássica e a física quântica, Newton mostra como esta última afectou as noções tradicionais de causalidade, realidade e verdade. O problema de saber o que, à luz da física quântica, devemos considerar real ao nível submicroscópico, recebe uma discussão bastante desenvolvida. Newton salienta que os fenómenos quânticos nos ensinaram que a linguagem adequada para as descrições à escala quotidiana, que inclui as noções de onda e de partícula, não serve para adquirir um entendimento mais básico da matéria.

O último capítulo, dedicado à verdade científica, retoma as preocupações iniciais do livro. Será a verdade relativa? Muitos dos que negam a objectividade da ciência pensam que sim, declarando que a verdade de uma afirmação consiste na sua aceitação consensual no interior de uma comunidade. Contra esta teoria da verdade como consenso, Newton faz notar que, “se a concordância fosse a definição de verdade, as afirmações científicas consensuais não seriam tão exactas como costumam ser, antes teriam a tendência para ser tão vagas quanto possível”. Mas, mais do que na questão da definição de verdade, Newton está interessado nos critérios que a permitem reconhecer. E a este respeito saliente que o “critério mais importante, para averiguar a verdade de uma afirmação, é a sua coerência com uma rede de afirmações que também sejam consideradas verdadeiras”.

Dados os temas que aborda e o desenvolvimento que lhes concede, “A Verdade da Ciência” deve ser considerada como uma introdução à filosofia da ciência, até porque, como é normal nas obras deste tipo, não se destaca pela apresentação de teses ou argumentos filosóficos originais. No entanto, como introdução à filosofia da ciência, este livro de Newton é bastante original, pois discute sempre os problemas filosóficos no contexto das melhores teorias físicas. A exemplificação, abundante e esclarecedora, é uma das suas melhores virtudes. Mas, sobretudo quando a física quântica entre em acção, não é possível seguir a discussão sem uma certa formação em física.

Pedro Galvão
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ISSN 1749-8457