Este livro de Priest desfaz vários equívocos sobre a lógica, é rigoroso e correcto, é estimulante e faz pensar. Não ensina lógica — mas não era esse o objectivo. O objectivo é oferecer ao leitor uma panorâmica da disciplina da lógica — que tipo de coisas se estuda em lógica? Ao fazê-lo, o autor apresenta uma disciplina viva, que está em desenvolvimento — e não uma disciplina que acabou com Aristóteles e a sua silogística. A teoria lógica de Aristóteles foi um feito extraordinário; mas é uma teoria errada em aspectos fundamentais, pelo que hoje tem um interesse meramente histórico: não é útil para compreender o que é a lógica, não é útil para resolver o tipo de problemas que se procura resolver com a lógica e também não é útil como instrumento filosófico ou no dia-a-dia.
Mas a própria expressão “lógica moderna” é enganadora; na verdade, há várias lógicas modernas, que procuram resolver vários problemas lógicos. E este livro é excelente para dar ao leitor português, sobretudo aos professores de filosofia, uma ideia da riqueza e do alcance da lógica.
Priest começa por mostrar de forma clara qual é o objecto de estudo da lógica dedutiva: a inferência válida. Mas o que é a inferência válida? Aliás, o que é uma inferência? Uma inferência é apenas um raciocínio ou um argumento. Uma inferência é o que fazemos quando concluímos algo a partir de qualquer coisa. Eu vejo um homem com gesso num braço; infiro a partir daí que esse homem partiu o braço. Posso cristalizar a minha inferência num argumento: “O homem tem gesso no braço; logo, partiu o braço”. Como é óbvio, esta inferência é razoável, mas o homem pode ter gesso por outros motivos; pode ter tido apenas um problema muscular; ou pode estar a fazer uma experiência com um novo tipo de gesso; ou pode ser louco e pensar que tem o braço partido, apesar de o não ter; ou os médicos que lhe colocaram gesso podem ter-se enganado e ele não ter realmente o braço partido.
Por outras palavras, esta inferência não é dedutivamente válida. Não é dedutivamente válida porque a conclusão pode ser falsa, ainda que a sua premissa seja verdadeira. Não é deste tipo de inferências que a lógica dedutiva se ocupa. A lógica dedutiva ocupa-se de um grupo especial de inferências: aquelas inferências em que é impossível a conclusão ser falsa se as premissas forem verdadeiras. Por exemplo, se for verdadeiro que ou o homem tem o braço partido ou tem apenas um problema muscular; e se for também verdadeiro que o homem não tem apenas um problema muscular, então será impossível que a conclusão “O homem tem um braço partido” seja falsa — aceitando determinados pressupostos. Por outras palavras, temos um argumento válido: “Ou o homem tem o braço partido ou tem apenas um problema muscular; mas ele não tem apenas um problema muscular; logo, ele tem o braço partido”.
Ao longo de 14 pequenos capítulos, Priest explica-nos o que é a validade, o que são funções de verdade, a diferença entre lógica de predicados e lógica proposicional, a diferença entre nomes e descrições e quantificadores, os problemas lógicos relacionados com a existência e os problemas que resultam da auto-referência. No capítulo 6 o autor apresenta os aspectos básicos da lógica modal, hoje imprescindível em qualquer curso de lógica elementar, avançando nos capítulos seguintes para os problemas lógicos levantados pelas condicionais (frase da forma “se…, então…”), pela noção de identidade e pela vagueza de alguns dos nossos conceitos.
O livro encerra com uma pequena história da disciplina e uma útil bibliografia. Todos os capítulos apresentam de forma clara e rigorosa conceitos fundamentais da lógica, que são depois relembrados no fim de cada capítulo. A estratégia seguida pelo autor é vantajosa e “cola” o leitor reflexivo às páginas: apresentando problemas lógicos intrigantes, o autor motiva o leitor a compreender certos desenvolvimentos da lógica que resolvem esses problemas; e ao terminar cada capítulo com um problema intrigante que ele não resolve, estimula o leitor a continuar o estudo e — mais importante ainda — a pensar pela sua própria cabeça.
Em resumo: não se trata de um livro que ensine lógica, mas de um livro que dá uma panorâmica muito abrangente da disciplina. Dada a maneira estimulante como está escrita, constitui uma leitura empolgante. Este livro mostra bem como a lógica é uma das mais estimulantes e criativas áreas do conhecimento, uma disciplina que tem imensas ramificações e implicações em muitas áreas — da ética à ciência, da metafísica à matemática, da psicologia à sociologia.
Desidério Murcho