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Crítica
4 de Abril de 2018   Metafísica

Compatibilismo

W. T. Stace
Tradução e adaptação de Vítor João Oliveira

Discutirei em primeiro lugar o problema do livre-arbítrio, já que se efectivamente não houver tal coisa também não haverá moralidade. A moralidade diz respeito ao que o homem deve ou não fazer. Mas se o homem não tiver liberdade de escolher o que fazer e se agir compulsivamente, então não fará sentido dizer-lhe que não deveria fazer o que fez e que deveria fazer outra coisa. Todas as regras morais perderiam assim o sentido. Se, por outro lado, se age sempre compulsivamente, como pode alguém ser moralmente responsável pelas suas acções? Por exemplo, como pode alguém ser punido por aquilo que não podia evitar?

Deve-se ter em conta que os filósofos e os psicólogos profissionais que negam a existência de livre-arbítrio só o fazem profissionalmente nos seus textos ou nas suas aulas. Quando se trata de fazer alguma coisa prática, mesmo a mais trivial, comportam-se invariavelmente como se eles e os outros fossem livres. Perguntam-te ao jantar se queres comer este ou aquele prato. Perguntam a uma criança por que mentiu, e punem-na por não ter escolhido a via da verdade. Tudo isto é inconsistente com a descrença no livre-arbítrio. Isto leva-nos a suspeitar, como penso ser verdadeiro, que o problema do livre-arbítrio não existe realmente. A disputa é meramente verbal e deve-se somente à confusão acerca do significado das palavras. É um problema semântico.

Como surge uma disputa verbal? Consideremos um caso que, apesar de ser absurdo no sentido em que ninguém cometerá o erro que aqui está envolvido, ainda assim serve para ilustrar o princípio que deveremos usar para resolver este problema. Supõe que alguém acredita que a palavra “homem” significa um certo tipo de “animal de cinco patas”; em suma, “animal de cinco patas” é a definição correcta de homem. Essa pessoa, depois de procurar por todo o lado e de verificar correctamente que não há animais de cinco patas, pode chegar à negação da própria existência do homem. Ora, essa conclusão absurda seria alcançada em virtude dessa pessoa estar a usar a definição incorrecta de “homem”. O que fazer para lhe mostrar o seu erro? Fornecer-lhe a definição correcta, ou, pelo menos, mostrar-lhe que a sua definição está errada. Tanto o problema como a sua solução seriam, como é óbvio, inteiramente verbais. O problema do livre-arbítrio e a sua solução é, acredito, verbal no mesmíssimo sentido. O problema foi criado devido ao facto de homens educados, em particular os filósofos, terem negado a existência de livre-arbítrio depois de terem pressuposto uma definição incorrecta de livre-arbítrio e depois de terem concluído nada haver no mundo que estivesse em conformidade com essa definição. No que respeita à lógica, a sua conclusão é tão absurda como a do homem que nega a sua própria existência. A única diferença é que neste caso o erro é óbvio e grosseiro, enquanto no caso do livre-arbítrio é mais subtil e difícil de detectar.

Durante o período moderno, e até bastante recentemente, tanto os filósofos que negavam o livre-arbítrio como quem o defendia pressupunham que o determinismo é inconsistente com o livre-arbítrio. Se as acções do homem fossem inteiramente determinadas por uma corrente de causas que recuasse até um passado bem remoto, de uma forma tal que uma mente que conhecesse todas as causas a poderia prever, então presumia-se que o homem não poderia ser livre. O que implicava que se presumia uma certa definição de acções realizadas por uma vontade livre, nomeadamente que haveria acções não inteiramente determinadas ou previsíveis. Abreviemos isto afirmando que o livre-arbítrio era definido de maneira a significar indeterminismo. Esta é uma definição incorrecta que conduziu também à negação do livre-arbítrio. Ora, mal se percebe qual é a definição correcta, descobre-se que, seja o mundo determinístico, como a ciência de Newton implica, ou não, como se aprende na física actual, isso é totalmente irrelevante para o problema.

Claro que há a possibilidade de definir arbitrariamente uma palavra. Mas uma definição arbitrária pode ainda assim ser correcta ou incorrecta. Sê-lo-á na medida em que estiver ou não de acordo com o uso comum da palavra definida. Se dás uma definição incorrecta, absurda ou falsa, o resultado será o seguinte: por exemplo, nada existe que te impeça de definir arbitrariamente homem como animal de cinco patas, mas isso é incorrecto no sentido em que não está de acordo com o uso comum do termo. Também terá o resultado absurdo de conduzir à negação da existência do homem. Isto mostra que o uso comum é um critério para decidir se uma definição é ou não correcta. Este será o princípio que aplicarei ao livre-arbítrio. Tentarei mostrar que a noção comum de “livre-arbítrio” não significa indeterminismo. E tentarei descobrir a definição correcta investigando como a noção é usada na conversação corrente.

Eis algumas amostras que mostram como a noção é usada vulgarmente. Como se verá, incluirá casos em que se pretende saber se o homem agiu ou não livremente para determinar se foi ou não moral e legalmente responsável pelos seus actos.

Jones — Uma vez fiquei sem comer durante uma semana.
Smith — Fizeste isso de livre vontade?
Jones — Não. Fi-lo porque estava perdido no deserto e não conseguia encontrar comida.

Mas supõe que o homem que passou fome era Mahatma Gandhi. A conversa poderia ter sido assim:

Gandhi — Uma vez fiquei sem comer durante uma semana.
Smith — Fizeste isso de livre vontade?
Gandhi — Sim. Fi-lo porque queria forçar o Governo Britânico a dar a independência à Índia.

Supõe outro caso. Supõe que roubei um pedaço de pão e que era tão honesto como George Washington. Então, se fosse acusado desse crime em tribunal, o diálogo poderia ser:

Juiz — Roubou o pão de livre vontade?
Stace — Sim, roubei-o porque tinha fome.

Ou em circunstâncias diferentes poderia ser:

Juiz — Roubou o pão de livre vontade?
Stace — Não. Roubei-o porque o meu patrão me ameaçou com pancada se não o fizesse.

Num julgamento recente em Trenton, alguns dos acusados de homicídio assinaram confissões, mas depois afirmaram tê-lo foi sob coacção da polícia. A conversa poderia ter sido assim:

Juiz — Assinaram a confissão de livre vontade?
Prisioneiro — Não. Assinei porque a polícia me espancou.

Agora supõe que um filósofo era membro do Júri. Podemos imaginar a seguinte conversa na sala do tribunal:

Porta-voz do Júri — O prisioneiro diz que assinou a confissão porque o espancaram e não porque quis.
Filósofo — Isso é irrelevante. Não há livre-arbítrio.
Porta-voz do Júri — Está a dizer que é indiferente o prisioneiro ter assinado a confissão porque a sua consciência lhe ordenou contar a verdade ou porque foi espancado?
Filósofo — Exactamente. Quer tenha sido causado pelo espancamento policial, quer tenha sido causado pelo desejo próprio — o desejo de dizer a verdade, por exemplo — assinar a confissão foi causalmente determinado, pelo que em qualquer dos casos o prisioneiro não agiu de livre vontade. E uma vez que não existe livre-arbítrio, saber se assinou ou não de livre vontade não deve ser discutido por nós.

O porta-voz do Júri e os restantes membros concluiriam justamente que o filósofo deveria estar a cometer um erro qualquer. Que tipo de erro poderia ser? Só é possível uma resposta. O filósofo devia estar a usar a noção “livre-arbítrio” num sentido bem peculiar e que diverge do uso comum que lhe é reconhecido quando alguém quer determinar a responsabilidade moral da acção. Quer dizer, devia estar a usar a definição incorrecta que implica acção não determinada por causas.

Supõe que um homem saiu do seu escritório ao meio-dia e foi questionado sobre esse facto. Poderíamos ter ouvido o seguinte:

Jones — Saíste do escritório de livre vontade?
Smith — Sim. Fui almoçar.

Mas também poderíamos ter ouvido:

Jones — Saíste do escritório de livre vontade?
Smith — Não. Fui forçado pela acção da polícia.

Recolhemos já vários casos de acção que, segundo o uso habitual em português, seria designado de casos em que alguém agiu de livre vontade. Devemos também dizer que em todos estes casos as pessoas agiram em conformidade com as suas escolhas. E também poderemos dizer que podiam ter agido de outra forma, se assim o escolhessem. Por exemplo, Mahatma Gandhi não foi coagido a passar forme; escolheu passar fome. Podia ter comido se o desejasse. Quando Smith saiu para ir almoçar, foi porque o escolheu. Podia ter ficado no escritório e ter realizado mais alguma tarefa, se assim o desejasse. Também recolhemos um número de casos em que se verifica o contrário. São casos em que os sujeitos não podiam exercer a sua liberdade de escolha. Foram obrigados a agir como agiram. Não tinham escolha. O homem no deserto não passou fome porque quis. Não tinha escolha. Foi obrigado a passar fome porque nada havia para comer. O mesmo se passou nos outros casos. Deve ser bastante fácil dizer, através do exame destes casos, o que vulgarmente queremos dizer quando afirmamos que alguém agiu ou não de livre vontade. Devemos então ser capazes de extrair destes casos a definição correcta do termo. Coloquemo-los num quadro:

Actos livres Actos não-livres

Ghandi passa fome porque quer libertar a Índia.
Uma pessoa rouba pão porque está com fome.
Uma pessoa assina uma confissão porque quer dizer a verdade.
Uma pessoa abandona o escritório porque quer lanchar.

Um homem passa fome num deserto porque não há comida.
Uma pessoa rouba porque o seu patrão a obrigou.
Uma pessoa assina uma confissão porque foi submetida a tortura.
Uma pessoa abandona o escritório forçado pela polícia.

É óbvio que para encontrar a definição correcta de acções livres devemos descobrir que característica é comum a todos os actos da coluna da esquerda, mas que, ao mesmo tempo, está ausente de todos os actos da coluna da direita. Esta característica que todos os actos livres terão, mas que todos os actos não-livres não terão, será a característica definidora do livre-arbítrio.

Será que a característica que procuramos terá de não ter causa ou de não ser determinada por causas? Não, porque ainda que seja verdadeiro que todos os actos da coluna da direita tenham causas, como a carga da polícia ou a falta de comida no deserto, também é verdadeiro que todos os actos da coluna da esquerda são causados. A greve de forme do Sr. Gandhi foi causada pelo desejo de libertar a Índia; o acto de abandonar o escritório foi causado pela fome; e assim sucessivamente. Além de que não há razão para duvidar que as causas dos actos livres sejam por sua vez causadas por causas prévias, e assim por diante, numa regressão contínua em direcção ao passado. Qualquer fisiólogo pode explicar as causas da fome. O que causou o desejo poderoso do sr. Gandhi de libertar a Índia é sem dúvida mais difícil de descobrir. Mas deve ter causas. Algumas podem radicar nas peculiaridades das glândulas do seu cérebro, outras nas suas experiências do passado, outras na hereditariedade, outras na educação. Os defensores do livre-arbítrio tendem a negar estes factos. Mas fazê-lo é um tipo especial de afirmação, que não é suportada por qualquer tipo de provas. A única perspectiva razoável é que todas as acções humanas, tanto as que são livres como as que não são, ou são totalmente determinadas por causas ou pelo menos são tão determinadas como todos os outros acontecimentos da natureza. Pode ser verdadeiro, como diz a física, que a natureza não seja determinista no sentido que antes se supunha. Mas seja qual for o grau de determinismo que prevaleça no mundo, as acções humanas parecem tão determinadas como tudo o resto. E se é assim, o que distingue as acções que resultam de escolhas livres das que não resultam de escolhas livres não pode ser o facto de estas últimas serem determinadas por causas enquanto aquelas não o são. Então, não ser causada ou ser indeterminada é uma definição incorrecta de acção livre.

Qual será então a diferença entre actos livres e não-livres? Qual será a característica que está presente em todos os actos da coluna da esquerda e que está ausente de todos os actos da coluna da direita? Não é óbvio que, embora ambos os conjuntos de acções tenham causas, as causas da coluna da esquerda são um tipo diferente de causas? Os actos livres são todos causados por desejos, ou motivos ou algum tipo de estados psicológicos ou mentais internos do agente. Os actos não-livres são todos causados por forças ou condições físicas externas ao agente. A força policial significa força física exercida do exterior; a ausência de comida no deserto é uma condição física do mundo exterior. Podemos assim apresentar as seguintes definições operatórias:

É claro que se definirmos livre-arbítrio desta forma, seguramente que existirá livre-arbítrio e a negação da sua existência pelos filósofos deve ser vista como o que realmente é — algo sem sentido. É óbvio que todas as acções dos homens que atribuímos habitualmente ao exercício do livre-arbítrio, ou que dizemos resultarem de escolhas livres, são de facto acções que foram causadas pelos seus próprios desejos, pensamentos, emoções, impulsos ou outro tipo de estados psicológicos.

Ao aplicar a nossa definição descobriremos que funciona habitualmente bem, mas também que existem alguns casos enigmáticos relativamente aos quais a definição parece não se aplicar. Estes casos podem sempre ser resolvidos prestando maior atenção ao modo como usamos as palavras, e tendo em conta que nem sempre as usamos de forma consistente. Só tenho espaço para um exemplo. Supõe que um ladrão ameaça dar-te um tiro a menos que lhe entregues a carteira, e supõe que de facto lha entregas. Será que ao lhe entregares a carteira estás a agir de livre vontade? Se aplicarmos a nossa definição, concluiremos que sim, já que a causa imediata da acção não foi uma força externa actual, mas o medo da morte, que é uma causa psicológica. A maioria das pessoas, contudo, diria que não agiste de livre vontade, mas por coacção. Será que isto mostra que a definição está errada? Penso que não. Aristóteles, que apresentou uma solução para o problema do livre-arbítrio substancialmente semelhante à minha (embora não tenha usado a noção de livre-arbítrio), admitiu que existem casos “ambíguos” ou de fronteira em que é difícil saber se devemos chamar-lhes actos livres ou actos compulsivos. No caso em discussão, ainda que não tenha efectivamente sido usada força, a arma apontada à tua cabeça assemelha-se de tal forma ao uso efectivo de força, que tendemos a considerar um caso de coacção. É um caso de fronteira.

Vejamos agora aquilo que pode parecer um outro caso problemático. Segundo a minha perspectiva, uma acção pode ser livre ainda que possa ser prevista com absoluta segurança. Mas supõe que contas uma mentira e que alguém o poderia ter previsto com absoluta segurança. Uma pessoa poderia perguntar se podias ter dito a verdade. A resposta é que podias efectivamente ter dito a verdade se o tivesse escolhido. De facto, podias tê-lo feito, já que se as causas que produziram tal acção, nomeadamente os teus desejos, tivessem sido diferentes, então teriam produzido diferentes efeitos. É errado pensar que previsibilidade e livre-arbítrio são incompatíveis. Isto está de acordo com o senso comum. Se, por conhecer o teu carácter, posso prever que vais agir honestamente, ninguém poderá dizer, ao agires desta forma, que isso prova que não agiste livremente.

Uma vez que a liberdade da vontade é uma condição necessária da responsabilidade moral, tenho de ter a certeza de que a minha teoria do livre-arbítrio lhe dá uma base segura. Ser considerado moralmente responsável por uma dada acção significa que alguém pode ser justamente punido ou recompensado, culpado ou elogiado, por ela. Mas não é justo punir alguém por algo que não podia deixar de fazer. Como pode ser justo punir alguém por uma acção que se sabia com toda a segurança que viria a realizar? Ainda não tentei decidir se, como matéria de facto, todos os eventos, incluindo as acções humanas, são completamente determinados. Essa questão é totalmente irrelevante para o problema do livre-arbítrio. Mas se admitirmos que é verdadeiro que há determinismo absoluto, mas que ainda assim somos livres, pode-se perguntar se uma vontade livre determinista é compatível com a responsabilidade moral, pois parece injusto punir um homem por uma acção que era previsível com total certeza que viesse a realizar.

Mas a ideia de que o determinismo é incompatível com a responsabilidade moral é uma ilusão tanto quanto a ideia de que o livre-arbítrio é incompatível com o determinismo. Não desculpas um homem por um acto errado, porque, depois de conhecer o seu carácter, sentes com total certeza que ele viria a realizar tal acção. Do mesmo modo, não privas alguém de uma recompensa ou prémio, porque, depois de conheceres a sua bondade e as suas capacidades, sentes com total certeza que ele viria a merecê-lo.

Muito se escreveu para justificar o castigo. Mas, no que diz respeito ao livre-arbítrio, os princípios essenciais envolvidos são bastante simples. Punir alguém por uma acção incorrecta é justificável porque ou corrigirá o seu carácter ou impedirá os outros de realizar acções similares. O instrumento da punição tem sido usado, no passado e no presente, de forma pouco sábia, tendo na maioria das vezes produzido mais mal do que bem. Mas isso não é relevante para o problema que agora nos ocupa. A punição, se e quando é justificável, é-o apenas nos casos referidos. A questão é saber de que modo a punição pode, se admitirmos o determinismo, corrigir o carácter ou impedir as pessoas de realizar acções más.

Supõe que uma criança desenvolve o hábito de contar mentiras e que, para a corrigires, lhe dás uma palmada. Porquê? Porque acreditas que a sua personalidade é tal que os motivos habituais para dizer a verdade não contam. Forneces então a causa ou motivo inexistente sob a forma de dor e de medo da dor futura se ela repetir o seu comportamento reprovável. Esperas que alguns tratamentos deste género a condicionem a dizer sempre a verdade, mas já sem recurso à dor. Presumes que as suas acções são determinadas por causas, mas não pelas causas habituais relevantes para dizer a verdade. Portanto, forneces um motivo artificialmente induzido, a dor e o medo, que acreditas vir a ser no futuro a causa de falar verdade.

Esperas demover outras pessoas de realizar acções erradas aplicando o mesmo princípio. Acreditas que o medo da punição as fará deixar de realizar acções erradas.

Agimos segundo o mesmo princípio relativamente aos animais não-humanos, e mesmo com seres inanimados, se não se comportam da forma como devem. As roseiras do jardim produzem botões pequenos e tristes, mas achamos que devem produzir botões grandes e belos. Fornecemos a causa para produzir botões grandes e belos — o fertilizante. O nosso automóvel não anda como deve. Fornecemos a causa para andar melhor, por exemplo, óleo no motor. A punição para o homem, o fertilizante para a planta e o óleo para o carro, justificam-se pela aplicação do mesmo princípio e da mesma forma. A única diferença reside no facto de que diferentes tipos de coisas requerem diferentes tipos de causas para que façam o que devem. A dor pode ser o remédio apropriado para aplicar aos seres humanos em certos casos, mas o óleo é o remédio apropriado para as máquinas. De nada serve administrar óleo na criança que mente ou bater no carro que não anda.

Como vemos, a responsabilidade moral não é apenas consistente com o determinismo; exige-o. A defesa da punição assenta no facto de o comportamento humano ser causalmente determinado. Se a dor não pudesse ser causa da verdade, não haveria justificação para punir as mentiras. Se as acções e as volições humanas não fossem causadas, seria inútil punir ou recompensar, ou fazer qualquer outra coisa para corrigir o comportamento errado das pessoas, uma vez que nada as influenciaria. A responsabilidade moral pura e simplesmente desapareceria. Se realmente os seres humanos não fossem determinados, as suas acções seriam completamente imprevisíveis e caprichosas, e, por isso, seriam irresponsáveis. Isto é, em si mesmo, um argumento forte contra a perspectiva comum dos filósofos de que o livre-arbítrio significa não ser determinado por causas.

W. T. Stace
Philosophy: The Quest for Truth, ed. Louis P. Pojman (Nova Iorque: Oxford University Press, 2006, 6.ª ed.), pp. 369–374.
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