A noção de valor que desejo investigar não é a do valor de uma coisa para algum outro propósito ou para outros efeitos ou consequências (considerados valiosos); não é a noção de valor instrumental, mas antes o valor que uma coisa tem em si, independentemente de todas essas outras consequências e conexões. Os filósofos chamaram valor intrínseco a este tipo de valor. Parece plausível que nem todo o valor dependa de outras consequências e efeitos, que algo seja tenha valor em si mesmo.
É um facto que na minha escala de valor intrínseco coloco as pessoas acima dos animais em valor intrínseco — e estes acima das plantas, e estas acima das pedras. Existem distinções valorativas dentro destas categorias, bem como algumas sobreposições; não coloco um rato, por exemplo, acima de uma sequóia com oitocentos anos. Existem algumas partes rigorosamente definidas na minha escala, mas grande parte dela é vaga. Os quadros, os sistemas planetários e as teorias científicas também estão algures. Não posso comparar facilmente algumas coisas, e por isso talvez existam escalas separadas, que se podem representar melhor por linhas paralelas ou linhas que se cruzam como num X, e não por uma única linha vertical. Explorar as diferentes possibilidades estruturais e as diferentes forças das escalas de medição não nos ajuda muito neste ponto.
A proposta de que uma dimensão particular D subjaz a esta escala de valor será plausível se D a acompanhar aproximadamente.
Para revelar a dimensão relevante D, comecemos por uma área em que se fala frequente e articuladamente de valor: a estética. Os teorizadores da arte elogiam bastante a capacidade para unificar material diverso e aparentemente não-relacionado (ou não tão estreitamente relacionado); a ordem da obra de arte realiza essa unificação. A unidade de um quadro pode ser estabelecida de muitas maneiras: pela maneira como as formas conduzem a vista ao longo dele e pelas relações entre formas, texturas, material temático, cor, tons e assim por diante. Um quadro unificado é constituído por diversos destes modos de relação. No entanto, não é apenas o grau de unidade que determina o valor de um quadro. Uma tela pintada monocromaticamente não podia estar mais unificada. O grau de diversidade também conta. Quanto mais diverso é o material que fica unificado (até a um certo grau), maior é o valor.
Sigamos a tradição e chamemos unidade orgânica a esta “unidade na diversidade”. Mantendo fixo o grau de unidade do material, o grau de unidade orgânica varia directamente com o grau de diversidade do material que é unificado. Mantendo fixo o grau de diversidade do material, o grau de unidade orgânica varia directamente com o grau de unidade induzido nesse material. Quanto mais diverso é o material, no entanto, mais difícil é unificá-lo num certo grau.
A noção de unidade orgânica surge também nas afirmações dos biólogos que estudam organismos. Eles dizem-nos que os organismos são unidades orgânicas, são todos cujas partes estão relacionadas e homeostasicamente reguladas de maneiras complexas e intrincadas, permanecendo unificados ao logo do tempo apesar das mudanças que ocorrem nas suas partes. Existe algum desacordo sobre o que significa “superior” quando falamos de organismos, mas suponha-se que podemos hierarquizar os organismos aproximadamente de acordo com o seu grau de unidade orgânica, de tal modo que a maior parte das plantas surge abaixo da maior parte dos animais, estando os animais superiores acima dos inferiores. A sensibilidade, e depois a consciência, acrescentam novas possibilidades de unificação ao longo do tempo e em cada momento, e a consciência de si, constituindo um “eu”, é um modo de unificação especialmente firme.
Desta maneira, a hierarquização dos organismos segundo o seu grau de unidade orgânica ajusta-se à nossa hierarquização de valor, na qual as pessoas estão acima dos animais, estes acima das plantas e estas acima das pedras. (Isto não quer dizer que as pedras não tenham qualquer grau de unidade orgânica — nelas existem, como dizem os físicos, forças de ligação intermoleculares e intramoleculares.) Os sistemas ecológicos, na sua totalidade, apresentam relações intrincadas, equilíbrios e regularidades complexas, enquanto os seus componentes têm também um grau elevado de unidade orgânica. (Não deverá a medida do grau de unidade orgânica de uma coisa levar em conta o grau de unidade orgânica das suas partes?) Assim, não é surpreendente que eles nos pareçam ter valor. Alguns autores têm especulado sobre a ideia, própria da ficção científica, da emergência de uma inteligência planetária a partir de um sistema ecológico complexo que se torna consciente e depois consciente de si. Podem verificar-se possibilidades semelhantes em relação a um sistema solar, a uma galáxia ou a uma metagaláxia. Segundo a perspectiva que estamos a apresentar, essas unidades organicamente unificadas podem ter mais valor que um ser humano individual.
O domínio das teorias exibe também este fenómeno de unidade orgânica. Uma boa teoria é aquela que unifica com firmeza (de uma maneira explicativa) dados ou fenómenos diversos e aparentemente díspares por meio de firmes relações de unificação.
Em todo este grande domínio de coisas — as artes, a vida orgânica e as teorias científicas — a dimensão de grau de unidade orgânica parece captar a noção de grau de valor intrínseco, ou melhor, a unidade orgânica é o que há de comum no valor que está presente em diversos domínios.
Vou avançar sob o pressuposto de que o grau de unidade orgânica é a dimensão básica de valor intrínseco, aquela que explica quase todas as diferenças de valor intrínseco. Suponho assim que os valores próprios dos domínios particulares têm pouco efeito. No entanto, é óbvio que os componentes e relações particulares que diferem de domínio para domínio, produzindo e compondo a textura da unidade orgânica, têm uma grande importância. Seja como for, é pouco plausível que as diferenças no grau de unidade orgânica estejam subjacentes a todas as variações em valor intrínseco.
Embora o grau de unidade orgânica seja o componente geral de valor nos diversos domínios, isto não significa que possamos fazer escalas de valor de domínio para domínio tal como fazemos dentro de cada domínio, isto mesmo na ausência de valores particulares que compliquem o assunto. Parece plausível que frequentemente não estejamos em condições de comparar quer os graus de diversidade de colecções de materiais de domínios diferentes, quer os graus de unidade produzidos por relações diferentes de domínios diferentes. Por isso, muitas vezes não estamos em condições de comparar graus de unidade orgânica de coisas de domínios diferentes. Se, como acredito, o grau de unidade orgânica é a dimensão básica do valor intrínseco, então algumas coisas de domínios diferentes são incomparáveis em valor.