Eis um ótimo livro para o leitor brasileiro que procura uma primeira aproximação à filosofia da mente de Daniel Dennett. Os temas abordados são a mente, a consciência e a psicologia, formando, juntamente com a conclusão, os quatro capítulos do livro.
Nas primeiras páginas temos uma breve contextualização histórica, onde o autor procura reconstituir a trajetória traçada por Dennett até chegar à sua atual filosofia da mente, caracterizando-a na tradição naturalista, que teria sido influenciada principalmente por seu professor W. V. O. Quine, com o qual teve contato em Harvard.
Pode-se conceber esta primeira parte do livro como um guia para os capítulos seguintes, sendo que aqui o leitor tem um primeiro contato com os principais temas a serem discutidos no decorrer dos capítulos.
O primeiro capítulo do livro apresenta e discute o conceito de mente de Dennett. Para isso, Teixeira começa por expor as primeiras concepções da inteligência artificial (IA) acerca da mente, pois segundo o autor tiveram grande influência sobre o pensamento de Dennett.
A IA teve início com um dos maiores matemáticos da história, o inglês Alan Turing, que na década de 1950 começou a refletir sobre a possibilidade de as máquinas pensarem — mais especificamente, os computadores digitais. Turing desenvolveu então o seu famoso Teste de Turing, o qual consiste, grosso modo, num jogo de imitação em que duas pessoas (um homem e uma mulher) e uma máquina trocam mensagens virtuais por meio de um computador. Os participantes devem ficar em salas separadas e um deles deve assumir o papel de interrogador. Este por sua vez terá que descobrir o sexo dos outros dois participantes, fazendo-lhes perguntas, sendo que eles podem, entretanto, mentir. Se a máquina for indistinguível de um ser humano, ou seja, se com base no seu comportamento lingüístico lhe forem atribuídas características mentais humanas, então é razoável que lhe atribuamos estados mentais.
Segundo Teixeira, esta concepção está em harmonia com a postura de Dennett acerca dos estados mentais, que os concebe como entidades teóricas, que atribuímos a organismos que apresentam um repertório comportamental complexo, sejam eles humanos ou outros animais. Assim, tanto Turing quanto Dennett usam o mesmo conceito para designar os estados mentais, um conceito operacional, que está a meio caminho entre um realismo e um instrumentalismo.
Para Dennett, os estados mentais não têm uma ontologia igual à de um corpo ou de uma rocha; não passam de construções teóricas, ficções úteis criadas por nós para explicar o comportamento complexo dos outros organismos, assim como o nosso. Esta posição se traduz num conceito central na obra de Dennett, o de sistema intencional.
Como lembra Teixeira, Dennett parte do pressuposto de que, se para explicar o comportamento um organismo ou de uma máquina precisamos utilizar conceitos mentalistas advindos da psicologia popular — como crença, desejo, saudade, etc. — então é razoável que possamos atribuir-lhes uma vida mental.
Para Dennett não é preciso que um organismo ou um robô tenha um cérebro biológico igual ao nosso para ter consciência; esta pode ser obtida através de diferentes combinações do substrato físico. Esta é a posição funcionalista, segundo a qual a base dos estados mentais não é o material do que é feito o cérebro, mas antes as suas relações funcionais. Segundo o funcionalismo, tanto faz se um cérebro é feito de tecido nervoso ou de chips de silício; se ambos desempenharem as mesmas funções, são equivalentes.
Mais adiante, Teixeira apresenta o conceito de psicologia popular, que seria o conjunto de termos e teorias da psicologia que acabaram invadindo o discurso quotidiano, sendo empregados muitas vezes com intenções diferentes das da Psicologia. Sobre esta questão o autor chama a atenção para as diferentes concepções de psicologia popular adotadas por Dennett ao longo da sua obra.
No seu primeiro livro, Content and Consciousness (1969), defendia que a psicologia popular não teria qualquer correlação física, ou seja, seria tolo procurar os correlatos neurais para os termos da psicologia popular. Já no seu livro Intentional Stance (1987), Dennett defende um tipo de instrumentalismo, que nega a existência de estados mentais e da psicologia popular. Neste sentido, posicionava-se como anti-realista em relação ao mental. Segundo Teixeira, esta concepção foi muito criticada e teve de ser revista mais tarde.
Teixeira também apresenta o modelo do pandemonium, como ficou conhecida a máquina joyciana de Dennett. Trata-se de um modelo para explicar a consciência. De modo geral, consiste em conceber a consciência como um produto de um processo descentralizado e fragmentado. Tudo se passa como se existissem vários sistemas especializados nos nossos cérebros, que estariam a todo instante gerando versões cognitivas acerca dos estímulos que nos chegam por meio dos órgãos dos sentidos. No final, apenas uma destas versões ganha a disputa e entra para a consciência.
No terceiro capítulo, “Dennett e a Psicologia”, o autor nos convida conhecer as várias interfaces entre a filosofia da Dennett e a psicologia, todas bastante importantes e influentes por proporcionarem uma reflexão acerca do estatuto científico da psicologia. Várias das idéias de Dennett podem esclarecer e contribuir para a resolução de problemas em psicologia. Filosofia e ciência juntam-se na tentativa de garantir uma maior sofisticação das suas bases teóricas.
Nas suas considerações finais, o autor retoma vários pontos centrais do livro, apontando vários rumos que a filosofia de Dennett vem tomando no panorama da filosofia da mente e das ciências cognitivas, bem como os seus diálogos e interfaces. Também faz algumas críticas a idéias de Dennett, contra as quais apresenta os seus argumentos.
O livro é de leitura agradável, muito bem escrito e bem subdividido, de forma que tanto o leitor experiente quanto o menos familiarizado com a temática poderá ter um ótimo primeiro contato com a filosofia de Daniel Dennett.
Eduardo Benkendorf