Os seus detractores caracterizam muitas vezes a filosofia analítica como antimetafísica. Afinal, dizem, nasceu às mãos de Moore e Russell, que estavam a reagir contra os sistemas metafísicos de idealistas como Bosanquet e Bradley; e os movimentos subsequentes da tradição analítica — o positivismo lógico e a filosofia da linguagem comum — faziam da eliminação da metafísica a pedra angular dos seus objectivos filosóficos respectivos. Esta caracterização não é, contudo, completamente rigorosa. Para começar, o mais antigo movimento da tradição — o atomismo lógico de Russell e do primeiro Wittgenstein — tinha uma orientação completamente metafísica. Sem dúvida que a metafísica usada era conservadora, carecendo dos excessos especulativos e da gíria obscurantista dos idealistas; mas os atomistas lógicos não tentavam menos fornecer um tratamento abrangente da estrutura ontológica da realidade. Por outro lado, apesar de os positivistas mais dedicados, assim como os partidários da filosofia da linguagem comum, estarem oficialmente comprometidos com a perspectiva de que as afirmações do metafísico tradicional são de algum modo problemáticas (talvez sem sentido; talvez apenas confusas), o facto é que os filósofos dos dois movimentos continuaram a lidar com os problemas da metafísica tradicional. Claro que procuravam ansiosamente esconder esse facto, apresentando o seu trabalho como sintaxe lógica ou análise conceptual; mas ninguém se deixou enganar; e em qualquer caso, os seus ataques à metafísica ancoravam-se, em si, em teses (tipicamente teses que exprimiam uma forma radical de antirealismo) que não eram menos metafísicas do que as perspectivas que procuravam demolir.
Contudo, é apesar disso verdade que durante grande parte da sua história inicial a filosofia analítica era hostil à metafísica tradicional e não se pode negar que no apogeu do positivismo lógico, nas décadas de 1930 e 1940, ou no período do pós-guerra, quando a filosofia da linguagem comum do segundo Wittgenstein foi mais influente, não ficava bem apresentar-se como um filósofo metafísico. Mas no princípio dos anos de 1960 os preconceitos contra a metafísica começavam a suavizar-se. Esta mudança de atitude devia-se ao trabalho de filósofos que estavam dispostos a enfrentar questões metafísicas apesar dos velhos preconceitos. Filósofos como Arthur Prior, Roderick Chisholm e Wilfrid Sellars vêm à mente; mas houve dois filósofos que foram particularmente influentes na reabilitação da metafísica — W. V. O. Quine e P. F. Strawson. Ambos tinham as suas raízes nas tradições antimetafísicas que ajudaram a demolir. Quine saiu da tradição do positivismo lógico e Strawson era originalmente um representante da filosofia da linguagem comum. Ambos procuraram mostrar que há um projecto em metafísica que os filósofos responsáveis podem empreender em boa consciência. Para Strawson, o projecto era o que ele chamava “metafísica descritiva”. De acordo com Strawson, o objectivo da metafísica descritiva é a caracterização sistemática das categorias categoriais ou estruturais mais gerais do esquema conceptual em termos do qual falamos e pensamos acerca do mundo. Quine, ao invés, concentrou-se nos compromissos ontológicos associados com a aceitação de um corpo de discurso. O seu slogan famoso, “Ser é ser o valor de uma variável ligada” fornecia supostamente um critério que o metafísico poderia usar para determinar com que tipos de entidades nos comprometemos ao aceitar um dado corpo de afirmações. Os dois filósofos foram muito influentes, cada qual no seu lado do Atlântico. A concepção de metafísica descritiva de Strawson era atraente para os filósofos — tipicamente britânicos — que tinham sido formados na tradição da análise conceptual; ao passo que a noção de compromisso ontológico de Quine era apelativa para os filósofos — tipicamente americanos — formados nas abordagens logísticas mais formais típicas da tradição do positivismo lógico.
O resultado foi que os filósofos já não sentiam necessidade de esconder o seu interesse pelas questões metafísicas, tendo havido uma espécie de reavivar da metafísica tradicional. No Reino Unido, o reavivar tinha um aspecto claramente kantiano. Os filósofos levantavam questões metafísicas perguntando pelos pressupostos de uma outra prática conceptual — a nossa identificação e re-identificação de particulares, a nossa atribuição de localização espáciotemporal, o nosso uso de conceito classificativos que intervêm na predicação. As questões sobre a objectividade dos conceitos que estruturam essas práticas eram centrais, e essas questões desdobravam-se em questões mais gerais sobre a natureza do realismo e a possibilidade de teorias anti-realistas do significado e da verdade.
Nos EUA o reavivar do interesse pela metafísica exprimiu-se no idioma mais explicitamente ontológico das categorias. Inicialmente, os filósofos seguiram a indicação de Quine, perguntando se as nossas crenças (seja as expressas nas nossas melhores teorias científicas ou as que estão em causa na nossa confrontação quotidiana com o mundo) nos comprometem com a existência de entidades abstractas. E se o fazem, essas entidades abstractas são coisas como conjuntos, cujas condições de identidade podem ser dadas em termos claramente extensionais, ou estaremos comprometidos com coisas como propriedades e proposições? E estas questões conduziram a outras. Quem aceitava a existência de proposições enfrentava questões sobre a individuação. Se há coisas como propriedades, como se relacionam com os particulares concretos comuns? São os últimos apenas feixes de propriedades, ou constituem os particulares uma categoria ontológica irredutível? E dado que as proposições são o tipo de coisa de que dizemos serem necessárias, possíveis, contingentes e impossíveis, quem aceitava a existência de proposições viu-se forçado a enfrentar questões sobre a modalidade. Teremos de aceitar Leibniz e apelar para uma categoria especial de objectos — mundos possíveis — para explicar como as afirmações modais podem ser verdadeiras ou falsas? Se sim, que papel têm os particulares? Serão o tipo de coisas que podem existir em diferentes mundos possíveis? E que nos diz isso sobre a sua estrutura ontológica? O âmbito das questões metafísicas legítimas continuava a expandir-se, e rapidamente os filósofos desta tradição começaram a fazer todas as velhas perguntas. Qual é a natureza do tempo? Que é persistir no tempo, no caso de um objecto comum? Qual é a natureza do espaço? Os acontecimentos constituem um tipo irredutivelmente básico de objecto? Se sim, o que são e quais são as suas condições de identidade? Haverá acontecimentos incausados?
Tanto no Reino Unido como nos EUA o reavivar da metafísica foi gradual. Primeiro, o trabalho realizado na área tinha um carácter assistemático. Salvo raras excepções, os filósofos desconfiavam de teorias metafísicas grandiosas — a construção de esquemas ontológicos abrangentes, teorias sobre a natureza das categorias mais abstractas e suas relações sob as quais tudo se subsume, e o uso desta maquinaria ontológica para resolver questões sobre as relações entre a mente e o corpo, a causalidade, a filosofia da religião, etc. A metafísica abrangente, fundada na ontologia, estava associada aos nomes dos idealistas que Russell e Moore tinham efectivamente derrotado — McTaggart, Bosanquet, Bradley, Royce, Joachim. A metafísica realista sistemática dos próprios Russell e Moore (o Moore de Some Main Problems in Philosophy), e de outros realistas como Samuel Alexander, Roy Wood Sellars, H. H. Price, D. C. Williams e C. D. Broad passaram a parecer desorientadas e ultrapassadas por força primeiro dos argumentos dos empiristas lógicos e depois das arengas dos wittgensteinianos e outros filósofos da linguagem corrente; e assim um corpo impressionante de metafísica sistemática não idealista foi ignorada e depois esquecida.
Suspeitamos que, depois de meados do século, poucos filósofos acreditavam realmente que eram minimamente bons os argumentos verificacionistas canónicos a favor da ideia de que as afirmações metafísicas eram destituídas de sentido. Contudo, a metafísica sistemática continuou a definhar. Quem começou a levantar as velhas questões metafísicas, durante as décadas de 60 e 70 do século XX, procedia tipicamente de modo muito cauteloso, enfrentando primeiro um problema metafísico, e depois outro. A cautela era compreensível; depois dos idealistas terem sido afastados, os autores mais proeminentes de sistemas metafísicos foram Whitehead, Bergson e Paul Weiss. Apesar do seu génio evidente, fossem quais fossem os seus insights no que respeita aos problemas metafísicos, eram invisíveis para os filósofos analíticos. Na verdade, muitos pensavam que serviam como uma lição: isto é o que acontece quando se tenta fazer metafísica de maneira grandiosa. Tanto estes autores como os seus admiradores produziram obras que seguiam a mesma receita usada pelos idealistas do século XIX: 1) apresentar o seu próprio esquema ontológico barroco numa gíria nova e peculiar; 2) afirmar que se opõe radicalmente a todos os sistemas metafísicos anteriores; e 3) explicar as suas complexidades numa série de livros cada vez maiores, introduzindo tantos termos técnicos indefinidos quanto possível.
Por volta de meados da década de 80 do século XX uma nova geração de filósofos começava a estudar metafísica. Estes filósofos não tinham qualquer conhecimento directo dos ataques à metafísica por parte dos positivistas ou dos filósofos da linguagem comum. Para eles, os ataques eram episódios pitorescos de um passado distante, e não desafios teóricos sérios. Consequentemente, não faziam metafísica colocando-se à defesa, nem se contentavam com uma abordagem assistemática da metafísica. Ao contrário de muitos dos seus predecessores, estavam dispostos a partir do trabalho de pioneiros da reabilitação da metafísica sistemática como Roderick Chisholm, David Armstrong e David Lewis.
O critério de compromisso ontológico de Quine foi muito importante para filósofos como Chisholm e Lewis. Ambos são correctamente considerados paladinos de uma abordagem ponderada da metafísica, que nem foge dos problemas tradicionais da ontologia nem cai na arcaica e selvagem construção de sistemas que deram mau nome à metafísica; e ambos encaravam o critério de Quine um antídoto para os pecados tentadores dos metafísicos tradicionais.
A abordagem de questões relativas ao compromisso ontológico defendida por Quine em “Sobre o Que Há” (1948) já era praticada em 1939, quando Chisholm e Quine estavam os dois em Harvard (Chisholm como estudante de pós-graduação e Quine como jovem professor). Chisholm, Lewis e os seus sucessores compreendem o critério de compromisso ontológico de Quine do seguinte modo: quando proferimos uma afirmação que contém um nome ou outro termo singular, ou uma expressão inicial de “quantificação existencial”, como “Há tais e tais coisas”, então temos de ou 1) admitir que estamos comprometidos com a existência de coisas que respondem ao termo singular ou que satisfazem a descrição, ou 2) fornecer uma “paráfrase” da afirmação que não inclua termos singulares nem quantificação sobre as tais e tais coisas. Interpretado deste modo, o critério de Quine pode ser visto como um desenvolvimento lógico dos métodos de Russell e Moore, que pressupunham que temos de aceitar a existência de entidades que correspondam aos termos singulares usados nas afirmações que aceitamos, a menos que encontremos métodos sistemáticos de paráfrase que eliminem estes termos, ou até conseguirmos fazê-lo.
Contudo, a metafísica de Chisholm e, mais tarde, de Lewis, em nada se parece com a de Quine. Para Quine, são unicamente os veredictos da ciência que devem determinar os nossos compromissos ontológicos. Chisholm pensava que este era o ponto decisivo em que ele se afastava de Quine e encontrava inspiração em Moore: por que não admitir, na sala de seminário, as mesmas coisas que pensamos saber na vida quotidiana? Por que razão subitamente não temos direito a tais coisas? Lewis, e a geração mais nova de metafísicos que surgiram na década de 80 do século XX, alinham em grande parte com Chisholm e Moore. Uma vez tomadas em consideração todas as nossas convicções correntes, os problemas tradicionais da metafísica regressam em força, ao contrário do que acontecia para Quine. Consequentemente, a ontologia tem de responder a outras áreas da filosofia; um esquema ontológico particular mostra que é adequado mostrando que é útil para resolver problemas noutras partes da filosofia. Um esquema ontológico deve desejavelmente ser simples (um aspecto com o qual Quine concordaria) e abrangente. Um sistema metafísico é superior a outro em abrangência na medida em que permite teorias filosóficas satisfatórias em mais áreas — teorias que preservam, face a enigmas e contradições aparentes, a maior parte do que pensamos que sabemos.
Um pressuposto da versão de quinismo invocado por Chisholm e Lewis é que a natureza das categorias ontológicas é algo opaca para nós. Contudo, a ontologia é mesmo assim possível porque as nossas intuições falíveis sobre o tema podem ser domesticadas desse modo para se obter resultado noutras áreas, na resolução de problemas filosóficos sobre matérias mais bem conhecidas.
As diferenças entre o ponto de partida de Quine e o de Chisholm, Lewis e os outros conduziu a grandes diferenças no trabalho subsequente. Dado que Quine pensava que só as ciências (um pequeno subconjunto delas) produziam verdades para o ontologista ter em consideração, podia satisfazer-se com um naturalismo austero: apesar de não podermos aceitar a matemática necessária para a ciência sem aceitar a teoria de conjuntos, não é necessário reconhecer quaisquer outras “entidades esquisitas”; há apenas o espaço-tempo e os seus conteúdos particulares, e conjuntos dessas coisas. Chisholm, Lewis e companhia têm muitas mais verdades para ter em consideração, e têm mais paradoxos aparentes para resolver. Descobriram que em geral é muito difícil chegar a teorias metafísicas que satisfaçam as duas exigências, a simplicidade e a abrangência, sem abandonar a insistência de Quine numa linguagem, e lógica, puramente extensional. Lewis pôde manter a extensionalidade, mas a um preço muito elevado — o postular de uma extravagante ontologia de universos concretos, espaciotemporalmente desconectados, que Lewis defendeu invocando explicitamente princípios quinianos de compromisso ontológico. A sua atitude com respeito aos conteúdos do nosso mundo, contudo, permaneceu solidamente materialista, e não é substancialmente diferente da de Quine. Chisholm, ao contrário de Lewis, rejeita os escrúpulos lógicos de Quine, tomando como primitiva pelo menos uma noção intencional (mental) e intensional (não extensional). Conclui também que a única maneira de manter a maior parte do que pensamos que sabemos sobre pessoas é admitir que são muito especiais: têm poderes causais diferentes dos que encontramos no resto da natureza, podem “apreender” ou conceber objectos abstractos, e as suas condições de persistência são misteriosamente diferentes das dos objectos físicos comuns. Estas conclusões tornam a sua metafísica inaceitável para Quine e outros filósofos de inclinação naturalista. Apesar de haver muita coisa na metafísica tanto de Chisholm como de Lewis que os seus críticos acham que é misterioso ou inacreditável, ambos os sistemas incluem soluções para vários enigmas filosóficos e são um desafio para qualquer pessoa que queira defender o naturalismo e nominalismo metafísicos mas queira rejeitar a ontologia física muitíssimo alargada de Lewis.