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Crítica
4 de Janeiro de 2017   Metafísica

Por que existe o Universo?

Derek Parfit
Tradução de Desidério Murcho

Por que existe o Universo? Há aqui duas perguntas:

  1. Por que existe o Universo de todo em todo? Ou seja, por que há algo em vez de nada?
  2. Por que é o Universo como é?

Há quem não leve a sério estas perguntas, considerando-as ociosas. Há até quem pense que não fazem sentido. Penso que são, ambas, boas perguntas, que podem pelo menos ter respostas parciais.

O universo poderia ter sido, de inúmeras maneiras, diferente. Mesmo que as suas características não fossem de modo algum especiais, seria enigmático por que, de todos os universos possíveis, é este que existe. Este facto pareceria arbitrário. Além disso, o Universo parece realmente especial. Por exemplo, os físicos pensam agora que se as coisas tivessem sido ligeiramente diferentes, de variadíssimas maneiras, a vida teria sido impossível. Poderá isto ser apenas uma coincidência?

Os teístas respondem “Não”. Do seu ponto de vista, Deus criou o Universo com estas características especiais. Não seria surpreendente que Deus quisesse que a vida fosse possível. Porém, podemos ainda perguntar por que escolheu Deus, entre os universos possíveis com vida, efectivar este. Se este era o melhor Universo possível, ou se era pelo menos muito bom, esta questão teria resposta. Porém, para defendê-la, teríamos de resolver o problema do mal.

Se pudéssemos resolver esse problema, e pudéssemos pressupor que Deus existe, a pergunta 2 teria resposta. E a 1 poderia ser menos enigmática. Esta pergunta tornar-se-ia “Por que existe Deus?” Explicamos parcialmente um fenómeno se mostramos que é mais simples, e menos arbitrário. Comparada com a existência de um Universo específico muitíssimo complicado, pode-se defender que a existência de Deus tem estas características.

Há outra perspectiva. Suponha-se que o Universo observável era apenas uma fracção da realidade. Suponha-se, com máxima simplicidade, que todos os universos possíveis eram efectivos. (Veja-se Nozick, Philosophical Explanations, Capítulo Dois.) A pergunta 2 desapareceria então. Se o nosso é o único universo efectivo, não faz sentido perguntar “Por que é o Universo como é?” porque então estamos a perguntar “De todas as possibilidades, por que é esta que é efectiva?” Porém, se todas as possibilidades fossem efectivas, não haveria tal pergunta. Nem seria sensato perguntar “Por que é o nosso Universo aquele que é?” Isso seria como perguntar “Por que somos nós aqueles que somos?”, ou “Por que é agora o momento do tempo que é?” E não seria surpreendente que o nosso universo fosse um daqueles em que a vida é possível.

Além de dissolver a pergunta 2, esta hipótese da “multiplicidade de mundos” tornaria também a pergunta 1 menos enigmática. Se todas as possibilidades fossem efectivas, isto precisaria de menos explicação do que se só uma o fosse. Porém, poderíamos ainda perguntar “Por que há algo efectivo? Por que há algo em vez de nada?”

Se estas hipóteses dão respostas parciais às nossas perguntas, será isto uma razão para acreditar nelas? Nesse caso, como escolher entre elas? E poderíamos ir além delas? Haverá uma resposta que não deixa coisa alguma por explicar?

Não poderíamos explicar causalmente por que existe Deus, ou por que há algo em vez de nada. Poderia talvez haver uma lei causal, como sugerem alguns físicos, que permitisse que algo surgisse do nada. Porém, não poderia haver uma explicação causal da razão pela qual esta lei se verificaria. Poderia haver uma explicação de outro tipo?

De um ponto de vista, Deus existe necessariamente. Isto poderia afirmar-se, ao invés, do Universo. Se esse ponto de vista fizesse sentido, e fosse verdadeiro, nada haveria que faltasse explicar. Se algo existe necessariamente, não há qualquer alternativa concebível. Porém, há objecções bem conhecidas a este tipo de ponto de vista.

Segundo outro ponto de vista, Deus existe porque era obrigatório que existisse: porque é bom que exista. Como anteriormente, isto poderia afirmar-se directamente do Universo. Dado que este ponto de vista não afirma que Deus existe necessariamente, nem o Universo, poderá iludir as objecções a essa tese. Se este ponto de vista fosse correcto, haveria ainda algo por explicar. Poderíamos ainda perguntar por que este ponto de vista era verdadeiro: por que existem coisas que é obrigatório que existam. Porém, haveria menos que explicar. Como resposta à pergunta “Por que existem as coisas?”, “Porque é obrigatório que existam” seria melhor do que “Por nenhuma razão”.

Tal perspectiva levanta uma vez mais o problema do mal. O Universo parece defeituoso. Se as coisas existem porque é obrigatório que existam, por que não são muito melhor do que são?

Uma resposta parcial poderia vir de uma variante da hipótese da multiplicidade de mundos. Talvez, no cômputo geral, todos os universos bons existam. Não seria então enigmático por que as coisas não são muito melhores do que são. Se todas as boas possibilidades são efectivas, as coisas são, no cômputo geral, muito melhores. São melhores alhures. Poderia então ser suficiente se não existisse injustiça no modo como as coisas são aqui.

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Podemos, ao invés, adoptar um ponto de vista mais sombrio. Poderá não haver conexão entre o bem e a realidade. As coisas talvez existam não porque seja obrigatório que existam mas antes por outra razão. Ou talvez não haja qualquer razão. O Universo talvez seja inexplicável.

Quais são as implicações destas perspectivas? Por que haveria a existência ou inexistência de Deus de fazer alguma diferença quanto à moralidade? Como devemos reagir à hipótese da multiplicidade dos mundos? Se o Universo fosse moralmente neutro, ou inexplicável, como afectaria isto as nossas atitudes perante as nossas próprias vidas? Que razão teríamos então para cuidar de algo, ou para fazer fosse o que fosse?

Derek Parfit
The Harvard Review of Philosophy (Primavera de 1991), pp. 4–5.
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ISSN 1749-8457