Fundamentalmente, há três possíveis vias de argumentação a favor do vegetarianismo:
Só as duas primeiras vias de argumentação são de ordem ética e, por isso, são apenas essas que vou analisar. Há ainda uma possível quarta via de argumentação a favor do vegetarianismo, que é a eficiência económica, que pode também ter uma relevância ética, como procurarei demonstrar.
Neste artigo, defenderei que temos o dever ético de:
Argumentarei que uma das implicações que se segue destes três deveres é o vegetarianismo como obrigação ética.
Entende-se por ser senciente todo o ser que tenha a senciência como uma das suas características, ou seja, a capacidade de sofrer (seja a nível físico, seja a nível psíquico). Só os animais (embora nem todos) podem ser sencientes, na medida em que, tanto quanto se sabe, são os únicos seres vivos dotados de um sistema nervoso capaz de permitir a experiência do sofrimento. Por outro lado, a senciência pressupõe a consciência, num grau mais ou menos avançado, pelo que, quando falamos em seres sencientes, estamos também a falar em seres conscientes (e, eventualmente, em seres autoconscientes). É aos animais que são seres sencientes — e, portanto, conscientes — que me refiro neste artigo, sobretudo nesta parte.
Todos admitimos que qualquer experiência dolorosa é um mal para qualquer ser que tenha capacidade de a ter (apesar de a dor poder ser indirectamente um bem, uma vez que é um mecanismo biológico que serve para que os animais possam reagir e fugir a perigos e ameaças). Do mesmo modo, admitimos também que qualquer ser que tem essa capacidade de sofrer, ou seja, que é um ser senciente, tem um interesse evidente e directo em não ter experiências dolorosas. Uma das razões mais fortes pelas quais admitimos estes dois factos sem precisar de os discutir é porque nós mesmos sabemos que somos capazes de sofrer e sabemos também que não temos interesse em sofrer, muito pelo contrário.
Mas os seres sencientes não têm apenas o interesse em não sofrer. Têm, mais concretamente, o interesse no seu bem-estar físico e psíquico (independentemente do grau de consciência e autoconsciência que possam ter), que compreende, obviamente, o interesse em não sofrer danos físicos e/ou psíquicos. Do interesse que um ser senciente tem no seu bem-estar físico e psíquico decorre um segundo interesse que é o interesse em não ser aprisionado, ou melhor, o interesse na sua liberdade física, uma vez que o aprisionamento é fonte de grande pressão psicológica e, por consequência, angústia e sofrimento psíquico. Podemos, então, estabelecer desde já que todo o ser senciente tem dois interesses elementares: o interesse no seu bem-estar (ou seja, o interesse em não sofrer, nem a nível físico nem psíquico) e o interesse na sua liberdade física (ou seja, o interesse em não ser aprisionado).
Mas há ainda um terceiro interesse que alguns seres sencientes (os que têm graus de consciência e autoconsciência mais avançados) têm seguramente e que outros seres sencientes terão também provavelmente, embora não seja tão seguro afirmar isso destes últimos. Falo do interesse em não ser morto ou, mais concretamente, o interesse na preservação da sua vida.
É seguro afirmar que têm interesse em não ser mortos pelo menos os seres que têm vidas conscientes e autoconscientes mais complexas, como é o caso de membros de espécies de animais como os grandes primatas (entre os quais se incluem os gorilas, orangotangos, chimpanzés, bonobos e humanos) e os cetáceos. Isto porque estes seres têm uma série de capacidades mentais e intelectuais de tal modo desenvolvidas, que conseguem pensar em si mesmos como entidades distintas dos outros, com uma existência que se prolonga durante um determinado período de tempo (entre outras capacidades das quais são dotados). Devido a estas capacidades das quais resultam a capacidade de antecipação da morte como uma possibilidade e o interesse que manifestam em evitar a morte (para além de outros indícios, mais ou menos claros, que estes seres nos dão desse interesse que têm), é, como dizia, seguro estabelecer que estes animais têm este terceiro interesse, nomeadamente o interesse na preservação da sua vida.
É menos seguro afirmar que outros animais cujas vidas conscientes sejam menos complexas e que não sejam sequer autoconscientes têm um interesse em não ser mortos, pois não terão as capacidades mentais e intelectuais necessárias para que possam aperceber-se de forma consciente do que é a morte, de que estão sujeitos a ela e, em face disso, quererem evitá-la. Ainda assim, também não é seguro afirmar que não têm este interesse, dado que, se por um lado não temos dados científicos que nos dêem certezas de que estes animais têm as capacidades necessárias para ter esse interesse, por outro lado também não temos dados científicos que nos dêem certezas de que não têm essas capacidades (lembremo-nos que só muito recentemente é que essas capacidades foram descobertas em animais sobre os quais sempre se pensou que não eram dotados delas).
Por precaução, é então mais prudente e seguro tratarmos estes animais como seres potencialmente ou possivelmente interessados em não ser mortos. Por outro lado, tenham estes animais um grau de consciência suficientemente avançado para terem um interesse consciente em continuarem vivos ou não, é pelo menos certo que, pelo conjunto de experiências felizes e prazerosas que podem ter durante as suas vidas, e pelo modo como evidentemente desfrutam destas experiências tendo um interesse claro nisso, nomeadamente nas suas relações sociais e afectivas, a preservação da sua vida é um bem na medida em que lhes permite continuar a ter uma série de experiências felizes. Este facto, conjugado com o referido anteriormente, dá-nos elementos seguros para estabelecer então que os animais que são sencientes, além do interesse que têm no seu bem-estar e na sua liberdade física, têm também interesse em continuar vivos.
Admitimos estes dados que temos estabelecidos até aqui como factualmente correctos, sem que nos suscitem discussão. Mas, se reflectirmos moralmente sobre estes factos, concluímos que têm sérias implicações éticas das quais normalmente não nos apercebemos. Vejamos.
Se um ser tem interesses, como já vimos que é o caso dos seres sencientes, nomeadamente o interesse no seu bem-estar, na sua liberdade física e na preservação e continuação da sua vida, e se, como também temos de admitir, estes interesses são moralmente relevantes, daí segue-se que esse ser é merecedor de respeito, pelo que há formas de o tratar que são moralmente aceitáveis, recomendáveis ou mesmo obrigatórias, enquanto há outras formas de o tratar que são moralmente inaceitáveis. Portanto, todo o ser que tenha interesses moralmente relevantes tem ele próprio uma importância moral, ou, para ser mais preciso, um estatuto moral, do qual decorrem determinadas obrigações éticas que passamos a ter para com esse ser.
Segundo este raciocínio, as obrigações éticas mais elementares que temos para com um ser senciente é respeitá-lo, atribuindo uma consideração ética séria e justa a todos os seus interesses que sejam moralmente relevantes e portanto dignos dessa consideração. E os três interesses elementares (comuns a todos os seres sencientes) que até aqui foram estabelecidos entram directamente nesta esfera de consideração moral que estamos obrigados a observar. Logo, temos que considerar seriamente do ponto de vista moral o interesse que todos os seres sencientes têm no seu bem-estar, na sua liberdade física e na preservação e continuação da sua vida.
Ao longo da história da humanidade, os referidos interesses elementares que todos os seres sencientes partilham não foram respeitados em várias ocasiões. Em circunstâncias muito específicas, como foram os casos da escravatura e da negação dos direitos das mulheres, em que animais humanos foram considerados por outros animais humanos seres de importância moral menor (ou sem importância moral sequer), os primeiros foram discriminados negativamente pelos segundos com base no critério arbitrário da raça e do sexo como fonte de superioridade e inferioridade moral a partir da qual se desenharam as fronteiras de consideração ética.
Durante muito tempo, o racismo e o sexismo foram preconceitos perfeitamente aceitáveis para estabelecer como um determinado ser poderia ou deveria ser tratado. Hoje, porém, embora isto ainda aconteça, mas em muito menor escala, quando se convenciona o racismo e o sexismo como atitudes inaceitáveis, há ainda uma forma de discriminação tão arbitrária, injusta e intolerável quanto o racismo e o sexismo — o especismo e o suposto critério moral da espécie.
Do mesmo modo que os racistas atribuem uma maior importância moral aos membros da sua raça simplesmente por pertencerem à sua raça, e do mesmo modo que os sexistas atribuem uma importância moral aos membros do seu sexo simplesmente por pertencerem ao seu sexo, os especistas atribuem uma maior importância moral aos membros da sua espécie simplesmente por pertencerem à sua espécie. A única diferença é que, enquanto as vítimas do racismo e do sexismo foram (e, infelizmente, ainda continuam a ser) animais humanos, já as vítimas do especismo foram (e, infelizmente, ainda continuam a ser) animais não-humanos.
Actualmente, nós, humanos, continuamos a explorar incontáveis milhões de não-humanos para os mais diversos fins, designadamente para fins aparentemente mais compreensíveis, como a alimentação, o vestuário e a experimentação científica, e para fins evidentemente nada compreensíveis, como o entretenimento e a decoração, entre outros. E, segundo a linha de argumentação que tenho estado a defender, isto é tão aceitável do ponto de vista moral como foram e são o racismo e o sexismo e todas as atrocidades que foram e são supostamente legitimadas por estes preconceitos. Assim, se rejeitamos o racismo, o sexismo e todas as formas de discriminação arbitrária que se baseiem em critérios morais errados e inválidos, temos que rejeitar o especismo também, porque enferma do mesmo mal.
Por outro lado, segundo a mesma linha de argumentação, porque todos os seres sencientes têm interesses morais elementares e porque temos o dever de lhes atribuir uma consideração ética séria e justa, independentemente da raça, sexo ou espécie a que pertençam, reforça-se a rejeição do especismo e das actividades a que dá origem, impondo-se a obrigação ética de respeitar os animais não-humanos, justamente como se impõe a obrigação ética de respeitar os seres que são da nossa espécie, animais humanos, atribuindo uma consideração igual aos interesses de uns e de outros que sejam moralmente comparáveis.
Chegados a este ponto, a conclusão que pretendo apresentar já está anunciada. É que é incompatível com o estatuto moral animais não-humanos continuar a comê-los, pelo que se impõe o vegetarianismo como obrigação ética.
Esta é a conclusão a que se chega, desde logo, porque os animais não-humanos usados na indústria alimentar sofrem todos os tipos de maus-tratos, mesmo quando todas as regras daquilo a que commumente se chama bem-estar animal são cumpridas. Aqui, o seu primeiro interesse elementar ― o interesse no seu bem-estar (ou em não sofrer) ― está a ser violado. Como se isso não bastasse, os não-humanos usados na indústria alimentar passam uma vida inteira aprisionados, o que lhes causa uma forte pressão psicológica, sendo isso fonte de sofrimento psíquico. Aqui, o seu primeiro interesse elementar, que referi anteriormente, está a ser violado, bem como o seu segundo interesse elementar que decorre do primeiro ― o interesse na sua liberdade física (ou em não serem aprisionados). Poder-se-ia dizer, contudo, que seria possível criar animais e alimentá-los em liberdade, da forma mais natural possível, sem lhes infligir sofrimento, nem mesmo na morte (ou, pelo menos, reduzindo substancialmente o sofrimento a que são submetidos). Mas, mesmo que o primeiro e o segundo interesse elementar dos não-humanos fossem, assim, respeitados, o terceiro ― o interesse na preservação e continuação das suas vidas (ou em não serem mortos) ― continuaria a não ser respeitado. Para além do mais, se não estamos dispostos a aceitar que se criassem humanos para serem comidos, mesmo que não sofressem, por que poderemos aceitar que isso seja feito com os não-humanos? Só se poderá defender isso com base no preconceito especista, o que, como vimos, não é aceitável.
Sobre o vegetarianismo como obrigação ética, no que se refere ao que se segue do estatuto moral dos animais não-humanos e do respeito que lhes devemos, quero ainda dizer que temos o dever de adoptar uma dieta integralmente vegetariana, sem o consumo de qualquer alimento de origem animal, uma vez que a produção de ovos e de leite implica também uma violação dos interesses elementares dos animais. Seria escusado dizer, mas não quero deixar de o referir, que como implicação destes princípios deve também ser recusado o consumo de qualquer produto que tenha sido produzido ou conseguido através da violação dos interesses elementares dos animais, nomeadamente de peles, lãs e sedas, bem como de produtos testados em animais. A este tipo de vegetarianismo ético chama-se veganismo e radica justamente na rejeição de todo o tipo de produtos de origem animal ou que tenham sido conseguidos por meio da exploração abusiva e violenta de não-humanos.
Não quero também deixar de apelar à regra de ouro da ética como argumento a favor do vegetarianismo. Se estivermos a reflectir sobre o vegetarianismo para decidir se deveremos ou não adoptar uma dieta integralmente vegetariana, devemos colocar-nos a seguinte questão: de um ponto de vista actual (de posse de todas as informações relevantes para a situação e hipótese em questão), será que, se estivéssemos no lugar dos animais não-humanos que são criados e mortos para serem comidos, estaríamos dispostos a que nos acontecesse o mesmo que lhes acontece? Vejamos um exemplo.
Se de repente o nosso planeta fosse invadido por extraterrestres com faculdades mentais e intelectuais mais desenvolvidas do que as nossas, com capacidade para escravizar toda a nossa espécie e que apreciassem especialmente a nossa carne, passando a tratar-nos de modo exactamente igual ao que actualmente fazemos com os não-humanos, estaríamos dispostos ou aceitaríamos ser tratados desse modo, apenas por não sermos tão inteligentes ou autoconscientes quanto esses extraterrestres, ou, pior ainda, apenas por não pertencermos à sua espécie ou classe? Parece-me seguro admitir que a resposta de todos nós a esta questão será uma recusa categórica dessa hipótese. Ora, assim sendo, temos o dever de não tratar os animais não-humanos do modo que não admitiríamos ser tratados. Se não o fizermos, seremos inconsistentes nas nossas posições e não teremos autoridade moral para rejeitar qualquer forma de discriminação, nomeadamente quando formos nós mesmos discriminados.
Até aqui tenho defendido que temos o dever ético de nos tornarmos integralmente vegetarianos. Mas alguém poderá objectar que o vegetarianismo é uma opção dificilmente praticável, o que anularia a obrigatoriedade ética de aderirmos ao vegetarianismo. É, então, importante dizer, a propósito do vegetarianismo como cumprimento da obrigação moral de respeitar os animais não-humanos, que esta opção ética é tão razoável quanto isto: a rejeição do consumo de produtos de origem animal não implica qualquer tipo de sacrifício digno desse nome, muito menos que seja moralmente relevante. É perfeitamente possível adoptar uma dieta integralmente vegetariana, bastando para isso que, quando estivermos a fazer compras, optemos pelos vegetais em vez dos produtos de origem animal, ou, quando quisermos ir a um restaurante, optemos por um restaurante vegetariano ou, indo a um restaurante normal, optemos por uma refeição integralmente vegetariana. Quanto ao calçado e ao vestuário, as alternativas de materiais sintéticos ou de materiais orgânicos de origem exclusivamente vegetal são evidentemente muitas, como são os cosméticos, os produtos de higiene pessoal e os produtos de higiene doméstica que não são testados cruelmente em animais. A única barreira que podemos encontrar para nos tornarmos vegetarianos é aquela que nós mesmos permitirmos que se estabeleça. E como permiti-lo justificadamente?
Por último, um novo recurso ao argumento da precaução, mas formulado agora em termos exclusivamente éticos. Mesmo para aquelas pessoas que não se tenham convencido, por estes argumentos, da certeza de que os animais não-humanos são realmente dignos de consideração moral e de respeito, deixo a seguinte sugestão: na dúvida sobre se os animais não-humanos são ou não moralmente dignos de consideração moral, devemos optar pela alternativa mais cautelosa (o vegetarianismo como obrigação ética), se o pudermos fazer sem sacrificarmos seja o que for de importância moral comparável. Assim, por precaução, estaremos livres de cometer um acto imoral, mesmo que não estejamos certos de que o seja realmente. Ora, como nada de importância moral comparável será sacrificado se aceitarmos e adoptarmos o vegetarianismo como obrigação ética, deve ser essa a nossa opção.
O equilíbrio ecológico do planeta é uma condição sem a qual a sobrevivência de todos os animais (humanos e não-humanos) não é possível. Ora, se as nossas decisões e acções têm uma influência directa no equilíbrio ecológico do planeta, então temos responsabilidades directas na sua preservação. Estas responsabilidades assumem uma relevância moral especial se considerarmos que delas depende a sobrevivência de todos os animais. Temos, portanto, o dever ético de assumir essas responsabilidades e de preservar o equilíbrio ecológico, garantindo a sobrevivência de todos nós e de todos os outros animais.
Esta é, por um lado, uma questão de dever, e, por outro lado, uma questão de interesse directo da nossa parte, pois a nossa própria sobrevivência está em causa. Há, então, razões duplamente significativas para que, na qualidade de agentes morais, assumamos as ditas responsabilidades e cumpramos o dever ético de preservar o equilíbrio ecológico do planeta. E, como argumentarei, uma das implicações deste dever é, uma vez mais, o vegetarianismo como obrigação ética.
A pecuária é uma das grandes fontes de poluição (sobretudo a pecuária industrial, embora a biológica também o seja) e também uma das principais actividades responsáveis pela destruição de ecossistemas da maior importância, o que acontece para a criação de gado. Como actividades pecuárias, considera-se a criação e abate de animais com fins alimentares, bem como a criação de animais para exploração dos seus produtos, como é o caso dos ovos e do leite. Todo o processo de preparação da carne, por exemplo, envolve o emprego de uma quantidade considerável de recursos tão importantes como a água e a electricidade, que não são gastos na produção agrícola de vegetais.
A indústria piscatória, com os seus navios pesqueiros, é também causadora de poluição nos rios e, sobretudo, nos oceanos, além de ser uma das principais responsáveis pela destruição dos ecossistemas marinhos devido à quantidade de peixes e animais marinhos que captura, nomeadamente aqueles que não são supostamente pretendidos (como é o caso das tartarugas, golfinhos, focas, leões marinhos e outros animais que são apanhados “acidentalmente” nas redes dos navios pesqueiros, acabando frequentemente por morrer, ficando pelo menos gravemente feridos).
Independentemente da flagrante violação dos interesses elementares dos animais não-humanos (referidos anteriormente) que estas actividades evidentemente implicam, a leitura destes dois últimos parágrafos permite-nos concluir facilmente que a exploração de animais com fins alimentares tem um impacto ecológico muito negativo, que não é possível impedir, mesmo que se quisesse reduzi-lo. De facto, é um dos principais factores que prejudica o equilíbrio ecológico do planeta. Ora, se assim é e se, como vimos, temos o dever ético de preservar o equilíbrio ecológico do planeta, então devemos cancelar, também por motivos ecológicos, as actividades ligadas à exploração de animais com fins alimentares.
Se é nosso dever eliminar ou reduzir o impacto ecológico negativo que as nossas actividades têm, nomeadamente no equilíbrio ecológico do planeta (sobretudo se o pudermos fazer sem sacrificar algo de importância moral comparável, o que é o caso), e se a exploração de animais com fins alimentares é uma das nossas actividades que tem um impacto ecológico negativo, então devemos acabar com a exploração de animais para fins alimentares.
Daqui segue-se que, se o dever de adoptar uma dieta integralmente vegetariana se impõe pelo respeito que devemos aos animais não-humanos, impõe-se também quer pela necessidade, quer pela obrigação que temos de preservar o equilíbrio ecológico. Surge-nos, então, uma vez mais, o vegetarianismo como obrigação ética.
Por outro lado, a indústria das peles, nomeadamente a indústria dos curtumes, é também responsável por uma quantidade enorme de poluição, mesmo sem ser preciso voltar a referir a poluição que a criação de animais para fins alimentares ― que são criados também para a produção de peles ― implica. Logo, seguindo o princípio defendido ao longo deste artigo, designadamente a sua aplicação aos problemas ecológicos, devemos também pôr fim à indústria das peles, recusando o uso de peles, não só porque isso é incompatível com o estatuto moral dos animais a que essas peles pertencem, mas também pelos motivos éticos que se prendem com a ecologia.
Há ainda outro dever ético relativo à ecologia e ao vegetarianismo como obrigação ética. É que, do mesmo modo que actualmente gostamos de contemplar a natureza podendo retirar desta contemplação um prazer estético, além de podermos passar momentos muito agradáveis quando desfrutamos equilibradamente das belezas da natureza, também as gerações futuras quererão poder ter também este prazer e estes momentos agradáveis no contacto com a natureza. Ora, se assim é, do mesmo modo que temos uma responsabilidade moral para com as gerações futuras sendo nosso dever legar-lhes um mundo ecologicamente equilibrado, pois precisarão tanto dele como nós precisamos actualmente, temos também uma responsabilidade moral para com essas mesmas gerações no sentido de não destruir hoje aquilo que com certeza essas gerações valorizarão, apreciarão e de que necessitarão amanhã. Se a adopção do vegetarianismo é um meio para cumprir esta responsabilidade moral, a obrigatoriedade ética do vegetarianismo sai mais uma vez reforçada.
Como já referi anteriormente, todas estas mudanças podem ser feitas sem que se sacrifique algo de importância moral comparável e de uma forma perfeitamente praticável. Se podemos e devemos avançar para estas mudanças, o que nos poderá então razoavelmente impedir de o fazer?
Actualmente, grande parte da população mundial continua a enfrentar sérios problemas de pobreza, contando-se entre estes o principal — a fome. Isto passa-se com humanos, membros da nossa espécie, em relação aos quais conseguimos continuar a manter-nos intoleravelmente indiferentes (o que, por muito lamentável que seja, não nos deve espantar, se atendermos à indiferença que dedicamos aos outros animais). Enquanto isso, nos países mais desenvolvidos, na chamada sociedade da abundância, entre variados luxos e futilidades, continuamos a ter um sistema de produção alimentar absolutamente ineficiente do ponto de vista económico, além de que os alimentos que resultam desta produção são pouco saudáveis e nada equilibrados.
Sabe-se hoje que a quantidade de vegetais utilizada na alimentação dos animais não-humanos explorados com fins alimentares seria mais do que suficiente para alimentar todos os humanos que existem actualmente em todo o mundo ― quer os que têm hoje comida no prato, quer aqueles que nunca comeram num prato e que não sabem o que é uma refeição.
Poderíamos optar por um sistema de produção alimentar baseado exclusivamente no cultivo de vegetais, o que teria vantagens múltiplas, nomeadamente:
Em vez disso, insistimos em manter um sistema que assenta na exploração cruel de animais, que é absolutamente antiecológico, e que é excessivamente dispendioso e desperdiçador, uma vez que não só esgota muitos recursos naturais e económicos, como também produz alimentos (de origem animal) em muito menor quantidade do que aqueles que consome (de origem vegetal), produtos estes que, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista financeiro, não são acessíveis à totalidade da população mundial.
Se considerarmos que temos deveres éticos para com os outros humanos (tanto quanto os temos para com os não-humanos), não estamos dispensados da responsabilidade de lhes garantir condições de vida pelo menos tão boas quanto as que nós mesmos temos e exigimos ter. Ora, um dos factores cruciais para a melhoria das condições de vida de quem hoje morre à fome é, evidentemente, ter à sua disposição alimentos que lhe permitam deixar de ter fome. E já vimos que a produção de alimentos de origem animal não oferece respostas para este problema; pelo contrário, acentua-o. Mais ainda, se o fim da produção de alimentos de origem animal e a consequente produção de alimentos de origem exclusivamente vegetal são um meio eficaz para responder ao problema da fome, então temos o dever ético de implementar esta mudança imediatamente. Volta a reforçar-se o vegetarianismo como obrigação ética. E reforça-se, recapitulando, pelo respeito que devemos aos animais não-humanos, pelo dever que temos de preservar o equilíbrio ecológico, e pelo dever que temos de ter um sistema de produção alimentar economicamente eficiente como meio para alimentar adequadamente todo o efectivo da população mundial.
Então, ética, ecológica e economicamente, o sistema de produção alimentar que assenta na exploração de animais com fins alimentares é um erro. E é um erro que deve ter um fim imediato, pois temos também razões que se prendem também com a defesa dos membros da nossa espécie para nos tornarmos vegetarianos, não apenas com o respeito pelos membros de outras espécies. E isto tem de ser aceite até pelos especistas (embora estes tenham sérios problemas em manter o seu especismo plausivelmente). Posto isto, será moralmente razoável continuar a viver sem nos tornarmos vegetarianos?
Em suma, estes são alguns dos argumentos éticos segundo os quais nos devemos tornar integralmente vegetarianos, sendo esta, como defendi, uma implicação dos princípios morais mais importantes que temos, que reconhecemos e que queremos ver universalmente aplicados. Mais poderia ser dito, mas ficam lançadas as bases éticas principais a partir das quais outras conclusões podem ser derivadas no mesmo sentido do que aqui defendi.
Miguel Moutinho