O pensamento deste filósofo alemão é uma radical crítica à cultura ocidental, segundo Nietzsche envenenada por uma atitude antinatural que desvaloriza o mundo sensível (o mundo do devir), tudo o que é corpóreo e sobrevaloriza a razão. Sócrates e Platão são os criadores desta perspectiva, mas é a moral cristã que sofre as mais violentas críticas porque a desenvolveu e popularizou, como procura mostrar em Para a Genealogia da Moral (1887). A moral cristã transformou em dever o desprezo pelo que é terreno. O fundamento da mensagem religiosa e moral que, em nome de um paraíso artificial, transforma a vida num inferno é Deus. Um tal Deus é incrível. A “morte de Deus” significa que a fé em Deus morreu, como anuncia em O Anticristo (1888). Nietzsche pensa que a “morte de Deus” é uma “Boa Nova” porque permitirá libertar a vida de uma negação doentia. Sobre a vida humana já não pesa o fardo do Além nem a ameaça do Juízo Final. Contudo, se encaminhar a vida para Deus era um grandioso desperdício, será um mesquinho desperdício não criar novos valores. O não a Deus deve ser acompanhado pelo sim à vida, o não ao céu pelo sim à terra. Para vencer o niilismo que desde Sócrates intoxicou a cultura ocidental devemos colocar esta vida acima de qualquer negação, preferi-la a todo e qualquer outro valor. É por isso que, ao contrário do que às vezes se diz, Nietzsche não é niilista. Opõe-se aos valores criados pela moral cristã e pela cultura ocidental, na medida em que, eles sim, reduzem a nada (nihil) o valor deste mundo. Encobriu-se esse niilismo com expressões como “reino de Deus”, “vida eterna” e “o outro mundo”, com a finalidade de negar o mundo terreno, passando a ideia de que, em si, nada é. A “sagração da vida”, do mundo do devir, um “sim sem reservas” e para sempre ao único mundo real, eis o que definirá o novo modelo de Homem, tão exigente e difícil de conseguir como o sim à vida em todos os seus aspectos. Por isso, Nietzsche dar-lhe-á o nome de Super-homem.
Há também quem considere Nietzsche imoralista, como parece patente no próprio título de Para Além do Bem e do Mal (1886). Mas isso só é correcto se por tal se entender que pretende destruir a moral cristã, a moral do não à vida. O seu objectivo é libertar a vida da moral cristã substituindo-a por uma moral que celebre a vida na sua totalidade, mesmo nos seus aspectos chocantes e dolorosos. Nietzsche recusou-se escrever no estilo dos filósofos tradicionais, exprimindo-se através de afirmações contundentes e aforísticas. A sua escrita é bastante metafórica e com um recorte literário evidente, como se verifica em Assim Falava Zaratustra (1883-91), a sua obra mais aclamada. (Luís Rodrigues)
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulo19, (Lisboa: Temas e Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 11 (Lisboa: Presença, 1989).
Nietzsche, Friedrich, Assim Falava Zaratustra (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, O Anticristo; Ecce Homo; Nietzsche Contra Wagner (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, Para a Genealogia da Moral (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, Para Além do Bem e do Mal (Lisboa: Relógio d'Água, 1999).
Reale, Giovanni e Antiseri, Dário, História da Filosofia, volume 3 (São Paulo: Edições Paulinas,1990).
Vattimo, Gianni, Introdução a Nietzsche (Lisboa: Presença, 1990).