1 de Novembro de 2016   Dicionário Escolar de Filosofia

Dicionário escolar de filosofia

Organização de Aires Almeida

N

nada

A inexistência de todas as coisas. Na filosofia de Sartre, é a indeterminação da acção humana, que está na origem da liberdade de escolha (ver libertismo, livre-arbítrio). Na filosofia de Heidegger, é a ausência das coisas ou a frustração das nossas expectativas relativas à sua presença. Um dos problemas mais interessantes que a palavra levanta é saber se exprime um nome ou um quantificador. Assim, na frase “Nada me preocupa”, se “nada” exprime um nome, então parece estar sugerido que algo me preocupa (o nada); se, porém, exprime um quantificador, a frase significa que não há coisa alguma que me preocupe. (Artur Polónio)

não-contradição, princípio da

Chama-se “princípio da não-contradição" à ideia de que duas afirmações contraditórias não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Por exemplo: dado que as afirmações “Sócrates é alto” e “Sócrates não é alto” são contraditórias, o princípio declara que não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Quando uma lógica aceita o princípio da não-contradição significa que qualquer afirmação com a forma “P e não P” será uma falsidade lógica. Algumas lógicas modernas recusam este princípio, como é o caso da lógica paraconsistente. Não se deve confundir a não-contradição com o princípio da bivalência: este último é a ideia de que só há dois valores de verdade e que todas as proposições têm um dos dois, e só um dos dois. Não se deve também pensar que a não-contradição é de alguma maneira um axioma da lógica clássica; na verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não um ponto de partida. Aristóteles defende o princípio na sua obra Metafísica (Γ 4). Note-se que a redução ao absurdo só é válida caso se aceite o princípio da não-contradição. (Desidério Murcho)

necessário/contingente

Diz-se que uma verdade é necessária se não podia ter sido falsa. Ou seja, sejam quais forem as circunstâncias, é verdadeira. Por exemplo, sejam quais forem as circunstâncias, dois mais dois são quatro. Diz-se que uma verdade é contingente quando é verdadeira mas poderia ter sido falsa. Por exemplo, é verdadeiro que Aristóteles foi um filósofo, mas isto poderia ter sido falso. Se Aristóteles, por exemplo, se tivesse dedicado exclusivamente à agricultura, não teria sido um filósofo. Há filósofos que rejeitam esta distinção. Não se deve confundir o necessário/contingente com o analítico/sintético, nem com o a priori / a posteriori. (Célia Teixeira)

negação (¬)

Uma proposição da forma “não P”, que é verdadeira se P for falsa e vice-versa. Por exemplo: “A vida não tem sentido” é a negação de “A vida tem sentido”. A negação é por vezes enganadora. Intuitivamente, a negação de “Todas as verdades são relativas” é “Nenhuma verdade é relativa”; mas isto é falso. A negação correcta é “Algumas verdades não são relativas”. (Desidério Murcho)

negação da antecedente, falácia

Ver falácia da negação da antecedente.

neopositivismo

Ver positivismo lógico.

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Dúvidas?

Nietzsche, Friedrich (1844–1900)

O pensamento deste filósofo alemão é uma radical crítica à cultura ocidental, segundo Nietzsche envenenada por uma atitude antinatural que desvaloriza o mundo sensível (o mundo do devir), tudo o que é corpóreo e sobrevaloriza a razão. Sócrates e Platão são os criadores desta perspectiva, mas é a moral cristã que sofre as mais violentas críticas porque a desenvolveu e popularizou, como procura mostrar em Para a Genealogia da Moral (1887). A moral cristã transformou em dever o desprezo pelo que é terreno. O fundamento da mensagem religiosa e moral que, em nome de um paraíso artificial, transforma a vida num inferno é Deus. Um tal Deus é incrível. A “morte de Deus” significa que a fé em Deus morreu, como anuncia em O Anticristo (1888). Nietzsche pensa que a “morte de Deus” é uma “Boa Nova” porque permitirá libertar a vida de uma negação doentia. Sobre a vida humana já não pesa o fardo do Além nem a ameaça do Juízo Final. Contudo, se encaminhar a vida para Deus era um grandioso desperdício, será um mesquinho desperdício não criar novos valores. O não a Deus deve ser acompanhado pelo sim à vida, o não ao céu pelo sim à terra. Para vencer o niilismo que desde Sócrates intoxicou a cultura ocidental devemos colocar esta vida acima de qualquer negação, preferi-la a todo e qualquer outro valor. É por isso que, ao contrário do que às vezes se diz, Nietzsche não é niilista. Opõe-se aos valores criados pela moral cristã e pela cultura ocidental, na medida em que, eles sim, reduzem a nada (nihil) o valor deste mundo. Encobriu-se esse niilismo com expressões como “reino de Deus”, “vida eterna” e “o outro mundo”, com a finalidade de negar o mundo terreno, passando a ideia de que, em si, nada é. A “sagração da vida”, do mundo do devir, um “sim sem reservas” e para sempre ao único mundo real, eis o que definirá o novo modelo de Homem, tão exigente e difícil de conseguir como o sim à vida em todos os seus aspectos. Por isso, Nietzsche dar-lhe-á o nome de Super-homem.

Há também quem considere Nietzsche imoralista, como parece patente no próprio título de Para Além do Bem e do Mal (1886). Mas isso só é correcto se por tal se entender que pretende destruir a moral cristã, a moral do não à vida. O seu objectivo é libertar a vida da moral cristã substituindo-a por uma moral que celebre a vida na sua totalidade, mesmo nos seus aspectos chocantes e dolorosos. Nietzsche recusou-se escrever no estilo dos filósofos tradicionais, exprimindo-se através de afirmações contundentes e aforísticas. A sua escrita é bastante metafórica e com um recorte literário evidente, como se verifica em Assim Falava Zaratustra (1883-91), a sua obra mais aclamada. (Luís Rodrigues)

Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulo19, (Lisboa: Temas e Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 11 (Lisboa: Presença, 1989).
Nietzsche, Friedrich, Assim Falava Zaratustra (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, O Anticristo; Ecce Homo; Nietzsche Contra Wagner (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, Para a Genealogia da Moral (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, Para Além do Bem e do Mal (Lisboa: Relógio d'Água, 1999).
Reale, Giovanni e Antiseri, Dário, História da Filosofia, volume 3 (São Paulo: Edições Paulinas,1990).
Vattimo, Gianni, Introdução a Nietzsche (Lisboa: Presença, 1990).

niilismo (do latim “nihil", que significa “nada”)

Designa a convicção de que a existência e a vida não têm sentido ou finalidade. O niilista nega que haja princípios morais aceitáveis. Associa-se o termo a uma concepção radicalmente pessimista que considera a vida um erro e propõe a negação da vontade de viver. A noção de niilismo desempenha um papel importante na filosofia de Nietzsche. O problema central do seu pensamento é como ultrapassar o niilismo. Considera-o uma interpretação da existência que negou os valores autênticos e a vontade de viver esta vida por si mesma. Tal interpretação começou, segundo Nietzsche, com Platão e Sócrates e foi popularizada e reforçada pelo Cristianismo. A célebre declaração “Deus morreu” é a consequência lógica do desenvolvimento da metafísica e da moral ocidentais que tornaram Deus indigno de crença. A morte de Deus torna claro para quem a sabe interpretar que os valores tradicionais nada valiam e exige a criação de valores que consagrem o que em seu nome se negou: esta vida e este mundo. (Luís Rodrigues)

noesis

Termo grego usado por Platão para referir o mais elevado tipo de conhecimento. (Desidério Murcho)

non sequitur

Expressão latina que significa literalmente “não se segue”. Diz-se dos argumentos (falaciosos) em que a conclusão não se segue das premissas. Ver falácia. (Aires Almeida)

normativo/descritivo

Uma oposição quando à maneira como se faz a correspondência entre as afirmações e a realidade (o que os filósofos chamam “o sentido da correspondência”). Numa afirmação normativa pretende-se fazer corresponder a realidade à afirmação; numa afirmação descritiva pretende-se fazer corresponder a afirmação à realidade. Por exemplo: “Não devemos maltratar os animais” é uma afirmação normativa, pois pretende que aconteça na realidade o que se afirma; e “A Terra é redonda” é uma afirmação descritiva, pois pretende que a afirmação represente a realidade. Alguns filósofos defendem, contudo, que esta distinção é superficial e enganadora. Por exemplo, diz-se por vezes que a ética e a lógica são disciplinas normativas; mas é perfeitamente possível defender que são disciplinas que procuram descrever o que o bem e a validade realmente são e não o que as pessoas pensam que são — e, neste caso, são disciplinas descritivas como a história ou a física. Ver juízo de facto / juízo de valor. (Desidério Murcho)

nous

Termo grego para “mente”. O termo foi usado por Platão e outros filósofos anteriores a Aristóteles, mas foi este último que lhe deu um significado mais sistemático, muito semelhante ao que hoje entendemos por “espírito”, “mente” ou a res cogitans de Descartes: a parte cognitiva do ser humano. (Desidério Murcho)

númeno

Conceito utilizado por Kant para designar qualquer realidade que não possa ser objecto da nossa experiência (intuição sensível). Como o conhecimento humano não se estende além da experiência, o númeno é inacessível (por exemplo, Deus). Opõe-se ao fenómeno porque este está ao alcance da intuição sensível e do conhecimento científico. Como os limites do nosso conhecimento não têm de ser os limites da realidade, podemos pensar que, apesar de incognoscível, o númeno existe. O númeno é o que pode ser pensado como existente em si. O fenómeno existe como algo que pode ser conhecido. (Luís Rodrigues)

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