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Crítica
26 de Abril de 2020   Metafísica

O estranho caso da ausência dos objetos inexistentes

Graham Priest
Tradução de Rony Marques

Deixe-me contar — brevemente — sobre um estranho caso da história da filosofia. Alexius Meinong (1853–1920) foi um psicólogo austríaco e filósofo sistemático. Parte de seu trabalho era apresentar uma análise sofisticada do conteúdo do pensamento. Um aspecto notável sobre isso é o que se segue. Se você está pensando sobre o Taj Mahal, você está pensando sobre algo. E esse algo existe. De modo similar, se você está pensando no Papai Noel, você está pensando em algo — mas este algo não existe. (Desculpe.) De maneira similar, você pode temer algo, venerar algo, admirar algo; e esse algo pode ou não existir. Uma visão muita sensata, você pode pensar — e realmente ela é.

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Dúvidas?

Está era uma visão compartilhada pelo Bertrand Russell (1872–19770) em 1903; porém em 1905 algo interessante aconteceu. Russell propôs a teoria (conhecida agora como a sua teoria de descrições definidas), na qual nomes como “Papai Noel” era uma abreviação para descrições, tal como “o velho que desce pela chaminé no Natal trazendo presentes”. E dizer que o Papai Noel não existe, não é atribuir a inexistência para um objeto (obviamente) inexistente; só quer dizer que não há nada (ou, para ser preciso, nenhuma única coisa) satisfaz esta descrição. Russell, então, acabou por rejeitar a visão de Meinong. Não foi tanto que a teoria de Russell fez um bom trabalho ao lidar com exemplos como o acima: quando você aplica a tese de Russell a orações como “estou pensando no Papai Noel” evidentemente dá o resultado errado. Ao contrário, disse Russell, a visão de Meinong era uma ofensa a um “robusto senso de realidade”.

À influência de Russell sobre a lógica e a filosofia da linguagem foi, claramente, substancial, e sua visão sobre Meinong persuadiu muitos. Em 1948 o lógico americano Willard van Orman Quine (1908-2000) escreveu um artigo intitulado “Sobre O Que Existe”, onde ele caricaturou Meinong como a personagem McX — não que há qualquer evidência de que Quine tenha realmente lido Meinong. Porém o artigo selou o destino de Meinong. Como Gilbert Ryle (1900–1976) colocou em 1973, a teoria de Meinong está “morta e enterrada, e não será ressuscitada”.

Os vencedores, como diz o ditado, quem escrevem a história. Meinongianismo se tornou uma termo para abuso. Ele era doido de pedra. uma aberração momentânea na história da filosofia ocidental, que logo foi corrigida por Russell e Quine. A história. observo, está errada: grande parte dos lógicos medievais, como Jean Buridan e Paulo Veneto, invocavam objetos inexistentes em contextos do tipo em que Meinong estava interessado — sem mencionar o próprio Aristóteles. Mesmo assim, a maioria dos lógicos contemporâneos pouco conhecem de história da lógica. E, para o bem ou para o mal, a visão sobre Meinong tornou-se uma ortodoxia inquestionável. Certamente foi essa a mesma opinião que mantive quando era um jovem filósofo no início dos anos 1970.

Agora ao fato estranho. Nos últimos 30 anos, a visão de Meinong está tendo seu retorno. Muitos filósofos estiveram envolvidos nisso, mas o mais importante para mim, foi o falecido filósofo australiano, Richard Routley (ou Sylvan, como ele se tornou). Debater com Richard por muitos anos que me convenceu que os argumentos contra a visão de Meinong eram fracos, e que tinha uma simplicidade e bom senso que, em contraste, faltava em outros argumentos. Então eu mudei de opinião e me tornei um meinongista — ou nadista, como Richard nomeou.

Porque esta mudança ocorreu? Pergunta difícil. Sem dúvida muitos fatores estão envolvidos. Certamente, um importante é que argumentos contra o nadismo são, realmente, ruins. Outro é que a Teoria da Descrição de Russell, aplicada aos nomes, é agora é passsado, enviada pelo ataque de Saul Kripke na década de 1970.

Mas há mais em questão do que somente isso. Filósofos (incluindo eu mesmo) gostam de orgulhar de serem racionais — motivados pela simples força da razão e doa argumentação. Mas moda tem mais apelo na área do que gostaríamos de admitir. Frequentemente, velhas posições filosóficas não são refutadas, as pessoas simplesmente se entediam delas e querem ir em novas direções. Por outro lado, uma visão descartada pode voltar, pois essas novas direções são mais interessantes ã vista — e não se pode negar que os desenvolvimentos na lógica moderna ajudaram o avivamento de Meinong.

E há também poder e prestígio. Os filósofos anglófonos que eu mencionei estavam, todos nos centros de poder acadêmico: Cambridge. Harvard. Oxford. Seus próprios alunos consumavam ocupar posições de influência nas universidades anglófonas e carregavam consigo as mesmas doutrinas de seus mentores. Mas, então, há mudanças geracionais. Assim como os jovens querem afirmar sua independência de seus pais, rejeitando seus pontos de vista, uma nova geração de filósofos quer colocar sua autoridade no assunto, e você não pode fazer isso simplesmente reproduzindo o passado.

De qualquer forma, estejam as explicações que eu proferi certas ou erradas, o nadismo certamente está voltando — e os avanços nas técnicas de lógica formal estão possibilitando articular e investigar a visão com uma sofisticação indisponível para o próprio Meinong. Minha preferência é empregar semântica usando mundos possíveis e impossíveis.

Deve-se dizer, sendo justo, no entanto, que o anti-nadismo ainda é a posição ortodoxa entre os filósofos anglófonos. Mas, em minha opinião, o que nós estamos testemunhando é uma espécie de mudança radical no assunto. E quando isso ocorrer, não serão as visões de Meinong que pareceram ter sido uma aberração momentânea na história da filosofia ocidental, mas as de Russell e Quine.

Graham Priest
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ISSN 1749-8457