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Crítica
30 de Dezembro de 2020   Metafísica

Necessidade

Tim Crane e Katalin Farkas
Tradução de L. H. Marques Segundo

1. Introdução

Agatha Christie escreveu em sua autobiografia que sempre fora fascinada pela matemática e que pensou que em algum momento de sua vida, se tivesse continuado seus estudos, teria se tornado uma matemática e nunca teria escrito quaisquer estórias de detetive. Aconteceu que sua mãe, um tanto caprichosa, a transferiu para outra escola e as suas ambições nunca foram realizadas. Se não acreditarmos que tudo o que nos acontece é inevitável ou ditado pelo destino, acreditaremos que seria possível que Agatha Christie tivesse se tornado uma matemática. Ora, poderíamos expressar isso dizendo que há um mundo possível onde Agatha Christie é uma matemática, talvez o mesmo mundo onde Assassinato no Expresso do Oriente nunca foi escrito. Se foi possível para Agatha Christie se tornar uma matemática, o fato dela não o ser é um fato contingente: algo que é o caso mas que não teria de ser o caso. Mas enquanto que Agatha Christie não ter contribuído para a matemática é algo contingente, a matemática ela mesma não é. Se concordamos que 1+1=2 é necessário – isto é, verdadeiro não importa como – poderíamos expressar isso dizendo que 1+1=2 é verdadeiro em todos os mundo possíveis. Uma afirmação é, portanto, necessária se é verdadeira em todos os mundos possíveis, possível se é verdadeira em algum mundo possível, e contingente se é verdadeira em algum mundo possível mas falsa em outro.

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“Modalidade” se refere em seu sentido mais amplo à maneira ou “modo” pelo qual certa verdade é verdadeira. Necessidade e possibilidade, as modalidades que nos interessam nesta seção, são chamadas de modalidades “aléticas” ou “lógicas”. (“Alético” vem da palavra grega para verdade.) Uma verdade necessária é uma verdade que não poderia não ser verdadeira; as verdades da lógica e da matemática são os exemplos óbvios de verdades necessárias. Há uma conexão direta entre necessidade e possibilidade: uma verdade possível é uma verdade que não é necessariamente falsa. As verdades contingentes são aquelas que são verdadeiras, mas não necessariamente verdadeiras. A diferença entre contingência e possibilidade não deveria ser negligenciada: de acordo com a compreensão comum, as verdades necessárias são também possíveis (uma vez que certamente não são necessariamente falsas), mas são obviamente não contingentes.

2. Modalidade e epistemologia

Os filósofos têm classificado as verdades de vários modos. Uma dessas classificações é epistêmica: isto é, diz respeito ao modo pelo qual conhecemos as coisas. Assim, Leibniz fez a distinção entre as verdades da razão e as verdades de fato; a explicação da verdade das primeiras, diz ele, pode ser fornecida por análise apenas: “decompondo-as em ideias e verdades mais simples até atingirmos as ideias e verdades básicas” cuja negação envolve uma contradição explícita. Não se pode fazer o mesmo com as últimas (1714: §33). Hume distinguiu os objetos da investigação entre relações de ideias e questões de fato; as proposições do primeiro tipo “são descobríveis pela mera operação do pensamento, independente de qualquer existente no universo” e são “intuitiva e demonstrativamente certas”; as proposições do segundo tipo são justificadas pelo testemunho presente dos sentidos, da memória, e do raciocínio envolvendo causa e efeito (Hume 1748: §IV, parte I). Kant nos forneceu a terminologia mais usada hoje em dia distinguindo as verdades epistemicamente: as verdades a priori podem ser conhecidas (ou justificadas) independentemente da experiência e as verdades a posteriori são conhecidas (justificadas) com base na experiência.

Houve um desacordo considerável entre os filósofos acerca dos detalhes e da significância dessa classificação, mas num ponto eles pareciam concordar: que o status epistêmico das verdades está intrinsecamente ligado ao seu estatuto modal; tanto que os dois tipos de categorizações geralmente aparecem juntos. Por exemplo, de acordo com Leibniz, “as verdades do raciocínio são necessárias, sendo seu oposto impossível; e as verdades de fato são contingentes, sendo seu oposto possível”. Similarmente, Hume escreve: “o contrário de qualquer questão de fato é ainda possível, pois nunca pode implicar uma contradição” (Hume, 1748: §IV, parte I). Argumenta-se também o contrário: as verdades necessárias, na medida em que são conhecidas, têm de ser conhecidas pelo pensamento apenas. Assim Leibniz afirma que “as verdades necessárias, tais como as que encontramos na matemática e particularmente na aritmética e na geometria, têm de ter princípios cujas provas não dependam de instâncias e nem, por conseguinte, do testemunho dos sentidos” (Leibniz 1765: 50). Kant concorda quando escreve que “a experiência nos ensina que uma coisa é de tal e tal modo, mas não que não pode ser de outro modo [...] [de modo que] se tivermos uma proposição que ao ser pensada é pensada como necessária, é um juízo a priori” (Kant 1787: 43). (Veja também a Parte IV: Causalidade para o argumento de Hume de que não podemos obter a ideia de conexão necessária através da experiência.)

Vimos que a existência de verdades necessárias que são conhecidas pelo pensamento apenas foi reconhecida pelos filósofos tanto da tradição empirista quanto da racionalista. Alguns empiristas, no entanto, sentem-se incomodados com isso – afinal, a doutrina básica do empirismo é que todas as ideias e o conhecimento derivam da experiência. Foi esse o caso com os representantes do positivismo lógico, uma forte escola empirista de pensamento ativa na primeira metade do século XX. (Para uma expressão extrema desse incômodo, veja Ayer 1936: capítulo 4.) Os positivistas lógicos sustentavam que deveríamos ser capazes de estabelecer a verdade de qualquer afirmação factual através da experiência sensível; e todos pareciam concordar que a experiência sensível nunca pode revelar algo como necessário ou certo. Isso causou um problema, uma vez que os empiristas lógicos também queriam sustentar que as verdades da lógica e da matemática eram necessárias. A solução que eles desenvolveram situava a fonte dessas verdades em nossa determinação de usar as palavras de maneira particular.

Podemos ilustrar essa ideia considerando as definições. Introduzimos a expressão “π” para representar a razão da circunferência e do diâmetro de um círculo. Em outras palavras, comprometemo-nos com o uso da expressão “π” de tal modo que a afirmação “π é a razão da circunferência e o diâmetro de um círculo” é sempre verdadeira. Devido a esse comprometimento, a afirmação é verdadeira seja como for; ao mesmo tempo, não precisamos da experiência sensível para nos dizer que é assim, pois, uma vez que sabemos o que “π” significa ou representa, a verdade da afirmação é clara. É claro que nem toda afirmação na lógica ou na matemática é uma definição, mas os positivistas lógicos pensavam que a ideia básica se estende a todos os casos. Por exemplo, “para todo x, x é idêntico a x” é universalmente verdadeira porque decidimos usar as palavras “idêntico”, “todo”, etc., de tal modo que a afirmação seria sempre verdadeira.

Sustentou-se que as afirmações da lógica e da matemática eram analíticas: isto é, conhecidas através, e verdadeiras em virtude, do significado das palavras que as constituem. Essas afirmações eram a priori, uma vez que para conhecê-las era preciso apenas o conhecimento do significado das palavras. As afirmações eram também de certo modo necessárias. Mas de acordo com os positivistas lógicos, essa necessidade não é um fato sobre o mundo; ao invés, é simplesmente uma consequência das regras que introduzimos para usar certas palavras. (É fácil encontrar nessa teoria a repetição da distinção humiana entre as relações de ideias e questões de fato.) Essa perspectiva é conhecida como a teoria linguística (ou analítica) da necessidade.

De acordo com essa teoria, o problema da necessidade e da possibilidade deixa de ter uma dimensão metafísica, isto é, de ter algo a ver com a natureza fundamental do mundo. Os problemas remanescentes sobre as modalidades eram problemas puramente lógicos; por isso não nos referimos a problemas sobre o status das afirmações da lógica (que supostamente tinham de ser tratadas pela teoria de que são analíticas), mas antes problemas sobre as regras corretas da inferência modal; podemos perguntar, por exemplo, se as seguintes formas de inferência são válidas (o símbolo “□” ou “caixa” significa “Necessariamente...”; o símbolo “◇” ou “diamante” significa “Possivelmente...”):

  1. p acarreta p
  2. ◇□p acarreta □p

Um avanço importante na lógica das modalidades foi feito na primeira metade do século vinte por C. I. Lewis e outros no fornecimento de vários sistemas axiomáticos para tratar inferências modais. Incidentalmente (1) é reconhecido como válido em todos os sistemas, ao passo que (2) é reconhecido como válido em apenas alguns sistemas axiomáticos. Quanto ao problema do que torna a afirmação “Necessariamente p” verdadeira, Lewis está do lado dos positivistas lógicos: o que a torna verdadeira é simplesmente que “p” é analítica. (C. I. Lewis não deve ser confundido com David Lewis, cujas contribuições à filosofia da modalidade discutiremos abaixo.)

3. Ceticismo acerca da modalidade: Quine

Até mesmo o sentido um tanto escasso de necessidade fornecido pela teoria linguística da necessidade foi ameaçado por várias críticas feitas por Quine. Um ataque geral dizia respeito à inteligibilidade da noção de analiticidade (Quine 1951); e uma vez que a analiticidade era vista como a única fonte da necessidade, isso foi uma má notícia para a modalidade.

Ademais, Quine argumentou que ainda que garantamos a legitimidade da noção de analiticidade, a lógica modal enfrentaria problemas se tentássemos introduzir a quantificação – expressões que falam de quantidades de coisas, como “alguns” e “todos” comumente simbolizados por ∃ e ∀ – nessa lógica (Quine 1953 e 1960: §41). A teoria linguística da necessidade diz que

  1. Necessariamente, nove é maior que sete

é verdadeira porque “nove é maior que sete” é analítica, ao passo que

  1. Necessariamente, o número de planetas é maior que sete

é falsa porque o “o número de planetas é maior que sete” não é analítica – muito embora o número de planetas seja nove. Isso mostra que a tentativa de explicar a necessidade pela analiticidade tem a consequência de que podemos distinguir entre características necessárias e não-necessárias de um objeto relativo apenas ao modo como o objeto é especificado. Se especificarmos o número como “nove”, podemos dizer que é necessariamente maior que sete; se o especificarmos como “o número de planetas” não podemos.

Quine argumenta que se introduzirmos a quantificação na lógica modal, acabaremos com problemas desse tipo. Por exemplo, nos será pedido para inferir de (3) o seguinte:

  1. Há um x tal que necessariamente, x é maior que sete

e aqui não podemos dizer que “x é maior que sete” é analítica. A analiticidade ou não dessa frase dependerá de que meios usamos para referir x. A maneira óbvia de evitar esse problema seria dizer que o valor da variável “x” (por exemplo, no número nove) tem em si a característica necessária de ser maior do que sete, independentemente de como escolhemos falar sobre ele – mas como vimos, isso está em desacordo com a ideia de que a necessidade é explicada pela analiticidade. Dizer que o número nove é necessariamente tal e tal introduziria o tipo de necessidade que os empiristas estavam tentando evitar: a necessidade como uma característica do próprio mundo ao invés de como uma consequência do modo como usamos as palavras.

Podemos expressar o ponto de Quine usando a distinção entre as chamadas modalidades de dicto e de re. Falamos sobre necessidade (ou possibilidade) de dicto quando toda a frase ou proposição é modificada pelo operador “necessariamente” (ou “possivelmente”), como em (3) e (4): tomamos todo o conteúdo da proposição e dizemos que é necessária (“dictum” é a palavra latina para dizer: assim a necessidade se liga à proposição, ao que é dito). Em contraste, usamos os termos modais de re quando atribuímos uma característica modal a alguma coisa particular (“res” é a palavra latina para coisa). Por exemplo:

  1. Nove é tal que é necessariamente maior que sete.

Essa frase supostamente diz algo sobre o próprio número, independentemente de como escolhemos apanhá-lo. Dizer que nove é necessariamente maior que sete equivale dizer que “ser maior que sete” é uma propriedade essencial do número nove. As propriedades essenciais – como opostas às acidentais – de uma coisa são aquelas propriedades sem as quais a coisa não poderia existir. Se quisermos expressar verdades sobre propriedades essenciais, é importante que as modalidades sejam entendidas de re; se tivermos apenas necessidades de dicto, não poderíamos dizer que nove é necessariamente ou essencialmente maior que sete – pois isso seria verdadeiro se nos referíssemos a nove como “nove”, e falso quando nos referíssemos como “o número de planetas”. Quine, como se deveria esperar, é completamente cético sobre essa noção de propriedades essenciais a qual ele rotula “essencialismo aristotélico”. O ponto principal do argumento de Quine pode ser posto, portanto, dizendo que a teoria analítica da necessidade permite apenas a modalidade de dicto, mas a lógica modal quantificada requereria modalidades de re e o essencialismo. Tanto pior então para a lógica modal quantificada; na verdade, tanto pior para a lógica modal, uma vez que se não introduzimos a quantificação, não há razão para chamar uma frase de “necessária” ao invés de simplesmente chamá-la de “analítica” – se de todo houver algo a ser chamado de analítico (Quine 1953: 156).

4. O retorno da modalidade metafísica: Kripke

A metafísica da modalidade tomou um novo rumo no final da década de 1960 e na década de 1970 com a emergência de Naming and Necessity, de Saul Kripke (veja o Capítulo 24). A contribuição revolucionária de Kripke incluía repensar a relação entre as categorias epistêmica e modal. As categorias do a priori e do a posteriori dizem respeito ao modo como podemos conhecer as coisas. Necessidade e possibilidade, por outro lado, dizem respeito como as coisas são, de modo que são categorias metafísicas. Pode ser o caso, diz Kripke, que algumas dessas categorias venham a coincidir; mas isso seria uma tese substancial, e certamente não se segue diretamente de sua caracterização inicial. Com certeza, o ponto pode ser de fato apreciado se descobrirmos algumas afirmações que não se enquadram na classificação tradicional que conecta o necessário ao a priori, e o contingente ao a posteriori. E foi isso de fato o que Kripke fez: ele argumentou que certas afirmações de identidade eram necessárias e a posteriori.

Ao falar sobre o status modal da identidade, deveríamos separar duas questões: uma sobre a natureza da identidade, a outra sobre a natureza das afirmações de identidade. Comecemos com a segunda. Quase todo mundo que acredita em algum tipo de necessidade concordará que algumas afirmações de identidade são necessárias e outras contingentes.

  1. Cícero é Cícero

é necessária; pois como não poderia ser verdadeira? Mas considere o exemplo de Kripke:

  1. O inventor dos óculos bifocais foi o primeiro diretor geral dos correios dos Estados Unidos.

Acontece que ambas as descrições apanham Benjamin Franklin, de modo que a afirmação é verdadeira. Mas seria absurdo sustentar que a afirmação é necessariamente verdadeira: certamente as coisas poderiam ter acontecido de tal modo que Franklin não tivesse inventado os óculos bifocais, ou não ter ser tornado o diretor geral dos correios, ou ainda não ter feito nenhuma das duas coisas, mas ao invés duas outras pessoas. No caso de descrições definidas como “o inventor dos óculos bifocais” podemos facilmente imaginar circunstâncias possíveis em que elas denotam algo diferente daquilo que denotam efetivamente. Para usar a terminologia de Kripke, são designadores não-rígidos: podem denotar coisas diferentes em diferentes mundos possíveis. Em geral, quando temos afirmações de identidade contendo tais designadores não-rígidos deveríamos esperar que a afirmação fosse contingente.

Kripke defendeu – e muitos o seguiram – que ao contrário das descrições definidas, os nomes próprios são designadores rígidos, querendo dizer que denotam a mesma coisa em todos os mundos possíveis em que essa coisa existe. As coisas poderiam ter ocorrido a Nixon de diversos modos diferentes: ele poderia não ter sido um presidente, ou um republicano; ele poderia não ter sido chamado de “Richard” ou mesmo de “Nixon”; mas quando descrevemos todos esses modos possíveis de como as coisas poderiam ter ocorrido, ainda estamos falando da mesma pessoa – Nixon – e usamos a palavra “Nixon” para fala dessa pessoa. Usamos descrições para apanhar objetos em termos de suas propriedades; usamos nomes para falar dos objetos como tal e não como o portador de certas propriedades. Considere então uma afirmação de identidade incluindo dois nomes próprios. Os nomes denotam a mesma coisa neste mundo, e uma vez que são designadores rígidos, denotam uma mesma coisa em todos os outros mundos possíveis. Isso significa que a afirmação é verdadeira em qualquer mundo possível, de modo que é necessariamente verdadeira.

O fato surpreendente é que muitas dessas afirmações são a posteriori. Nenhum raciocínio a priori nos dirá que George Eliot é idêntico a Mary Ann Evans; isso é algo que aprendemos empiricamente. Mas se Kripke estiver correto, então a afirmação é também necessária, uma vez que ambos os nomes são designadores rígidos. Temos então uma afirmação necessária a posteriori. A suposição tradicional de que apenas afirmações a priori podem ser necessárias é então refutada. Voltando ao que dissemos na seção 2, podemos ver onde o raciocínio de Kant está errado. Pode ser verdade que você nunca possa aprender pela experiência que uma afirmação seja necessária; mas quando você descobre que George Eliot é Mary Ann Evans, você aprende uma afirmação que é necessária. Por meio disso você não aprende que é necessária. Kant talvez presumisse que ao compreender uma afirmação necessária, também compreendemos o fato de que é necessária, mas de fato não há razão para presumir que seja esse o caso. (Kripke também argumentou que, contrário à perspectiva tradicional, há também afirmações contingentes a priori. No entanto, o seu status é muito mais controverso do que as das afirmações necessárias a posteriori.)

A segunda questão a ser tratada aqui diz respeito à natureza da identidade. Há um argumento geral que pretende mostrar que a identidade é necessária (veja o quadro V. 1). A ideia básica é simples: se tudo é idêntico a si mesmo e nada é idêntico a algo mais, então toda identidade é auto-identidade, e muitos filósofos concordam que a auto-identidade é necessária. Mas como isso é consistente com a perspectiva mencionada anteriormente de que algumas afirmações de identidade são contingentes? Considere novamente:

  1. O inventor dos óculos bifocais foi o primeiro diretor geral dos correios dos Estados Unidos.
Quadro 1. O argumento a favor da necessidade da identidade

Há um argumento famoso e simples que aparentemente mostra que a identidade tem de ser uma relação necessária: que se A é idêntico a B, então A é necessariamente idêntico a B. O argumento foi primeiro apresentado por Barcan Marcus (1947) e defendido por Kripke (1971). Pode ser apresentado informalmente como se segue:

  1. Suponha que A é idêntico a B.
  2. Se A é idêntico a B, então o que quer que seja verdadeiro de A é verdadeiro de B.
  3. É necessário que A seja idêntico a A.
  4. Portanto, é verdadeiro de A que é necessariamente idêntico a A.
  5. Portanto, é verdadeiro de B que é necessariamente idêntico a A.
  6. Se A é idêntico a B, então A é necessariamente idêntico a B.

O argumento parece impecável. A premissa (2) é a lei de Leibniz (veja a Parte VIII: Identidade). A premissa (3) é apenas a necessidade da auto-identidade: é necessário que tudo seja si mesmo. (4) se segue diretamente de (3); e (5) é apenas um resultado da aplicação da lei de Leibniz a (4). Mas a despeito da simplicidade do argumento, a conclusão parece ser de grande importância metafísica. (Note, incidentalmente, a similaridade entre a estrutura desse argumento e do argumento contra a identidade vaga no Capítulo 17.)

Ora, o que é efetivamente denotado por cada uma das descrições vem a ser a mesma coisa, que de fato é necessariamente idêntica a si própria. Note, no entanto, que falar desse modo pressupõe que possamos pensar na modalidade em termos de re – isto é, podemos fazer precisamente o que Quine pensava que fosse inaceitável: falar das coisas tendo características necessárias independentemente do modo como nos referimos a elas (Quine 1953: 156).

Recapitulando: a perspectiva de Kripke sobre a identidade, amplamente aceita hoje em dia, tem duas componentes. Primeiro, ele aceita que há afirmações necessárias e contingentes que aparentemente expressam identidade. Mas contrário à perspectiva tradicional ele pensa que o status modal de tais afirmações depende não delas serem a priori ou a posteriori, mas se envolvem designadores rígidos ou não-rígidos. A segunda componente é que podemos também tratar o problema da identidade independentemente da primeira questão, isto é, independentemente de como nos referimos aos objetos; e vista dessa forma, a identidade torna-se necessária. (No entanto, nem todos concordam com isso: para um argumento a favor da contingência da identidade veja Gibbard 1975).

Quadro 2. As variedades da necessidade

Os filósofos falam de diferentes tipos de necessidade, e às vezes pode ser um pouco confuso o que querem dizer quando dizem que algo é necessário. Eis nosso modo de entender as principais variedades da necessidade empregadas na filosofia contemporânea.

1. Necessidades metafísicas: o tipo mais geral de verdade necessária. Uma verdade é metafisicamente necessária quando é verdadeira em todos os mundos possíveis.

2. Necessidades lógicas: essas são aquelas necessidades metafísicas que são verdades da lógica. Por exemplo, “para todo x, x=x” ou “p ou não-p”. Embora todas as necessidades lógicas sejam necessidades metafísicas, nem todas as necessidades metafísicas são necessidades lógicas. “Cícero = Túlio” expressa uma necessidade metafísica, como “nada pode ser vermelho e verde ao mesmo tempo”. Mas essas não são verdades da lógica ou consequências das verdades lógicas.

3. Necessidades conceituais: há aquelas necessidades metafísicas que são consequência de verdades sobre nossos conceitos. (Também poderiam ser chamadas de “necessidades analíticas”.) Embora alguns filósofos tenham tentado explicar a necessidade em termos de necessidade conceitual, não é claro, no entanto, que todas as necessidades conceituais sejam necessidades lógicas. Por exemplo, “todos os solteiros são não casados” é necessariamente verdadeira, mas não é uma necessidade lógica.

4. Necessidade nomológica (ou física): as verdades que são consequências das leis da natureza (ou da física). Se as leis da natureza são metafisicamente necessárias, então as necessidades nomológicas são verdadeiras em todos os mundos; mas se são contingentes, então as necessidades nomológicas são verdadeiras apenas naqueles mundos que têm as nossas leis.

Ao pensar nas coisas desse modo, podemos ver que classificar uma necessidade como lógica ou conceitual é parcialmente uma questão de como é conhecida: se puder ser conhecida pelo estudo da lógica ou pela análise conceitual, por exemplo. Ao passo que chamar uma necessidade de metafísica é simplesmente dizer que é verdadeira em todos os mundos, a despeito de como viemos a saber disso. (É preciso ter em mente que muitos filósofos contemporâneos são desconfiados com a categoria da necessidade conceitual. Para uma defesa dessa categoria, e da análise conceitual, veja Jackson 1998.)

5. Mundos possíveis

Passamos pela ideia de que a necessidade não é uma característica do mundo, mas simplesmente uma consequência de certas afirmações serem analíticas. Com a modalidade de volta ao mundo, surge o problema: quais são as condições para que uma afirmação modal seja verdadeira? Que característica do mundo é responsável por algumas afirmações modais serem verdadeiras e outras falsas. Falar de mundos possíveis, sem dúvida, ajudou a clarificar diversas questões sobre modalidades, mas esperavam-se, além disso, que os mundos possíveis pudessem fazer mais do que simplesmente fornecer um modo útil de nos expressarmos. A expectativa era de que ao desenvolver uma teoria sobre o que são os mundos possíveis, poderíamos fornecer condições de verdade para as afirmações modais. Veremos três sugestões de como isso poderia ser feito.

Uma das perspectivas mais importantes sobre mundos possíveis foi desenvolvida por David Lewis. Como diz Lewis no Capítulo 25, ele é um realista modal: ele pensa que todos os mundos possíveis são do mesmo tipo, e todos eles existem. Temos uma ideia do que seja o nosso mundo: consiste de particulares concretos com propriedades – pessoas, planetas, ou átomos de plutônio – que mantêm relações espaço-temporais e causais uns com os outros. O nosso mundo é o objeto compreensivo feito de tudo isso. Na perspectiva de Lewis, os outros mundos possíveis também consistem de particulares existindo em seus próprios espaço e tempo, embora as pessoas ou os átomos de plutônio possam não estar entre eles – pois é possível que não houvesse pessoas ou átomos de plutônio. Relações causais e espaço-temporais obtêm apenas dentro de um mundo; cada mundo é isolado de todos os outros no espaço e no tempo, e não há interação causal entre mundos. A diferença entre o que chamamos de mundo efetivo, por um lado, e daquilo que chamamos de mundos meramente possíveis, por outro, não é metafísica, mas antes pessoal: o mundo efetivo simplesmente vem a ser o nosso mundo. “Efetivo”, de acordo com essa perspectiva, é uma expressão indexical como “aqui”: sua referência é determinada pelo contexto de seu uso. A afirmação de que há um mundo possível onde Assassinato no Expresso do Oriente nunca fora escrito, se verdadeira, é literalmente verdadeira: tem de haver uma entidade compreensiva, espaço-temporalmente e causalmente próxima que não contenha tal livro entre os particulares concretos que o constituem.

Como o próprio Lewis está disposto a admitir, o realismo modal não é exatamente de senso comum: “Quando o realismo modal lhe diz – como o diz – que há infinitos incontáveis de burros e prótons e atoleiros, e de planetas como a Terra, e de cidades como Melbourne, e de pessoas como você [...] pouco surpreende que relutes em acreditar” (Lewis 1986a: 133). Embora o ponto de partida do senso comum possa ser menor do que pareça à primeira vista, é ainda um ponto de partida. Mas Lewis também pensa que há vantagens teóricas que fazem essa perspectiva valer a pena. A principal vantagem é que ela fornece uma explicação redutiva da modalidade. Os mundos possíveis são definidos como entidades espaço-temporalmente e causalmente isoladas. Não há noções modais do lado definidor dessa definição. Portanto, se dissermos que “Necessariamente A” é verdadeira se, e somente se, “A” é verdadeira em todos os mundo possíveis, teremos fornecido condições de verdade para essa afirmação modal em termos não-modais. E isso não é tudo; reduzir a modalidade não é em si uma proeza, mas podemos apreciar a importância da teoria ainda mais se refletirmos sobre o fato de que muitas outras noções na filosofia têm componentes modais. É esse o caso das propriedades: como vimos na Parte IV, Lewis oferece uma teoria das propriedades que faz uso da existência de objetos possíveis ou possibilia. Além disso, a teoria da causalidade de Lewis a analisa em termos de contrafactuais; e o realismo modal fornece uma ferramenta poderosa para analisar as condições de verdade das afirmações contrafactuais (seja Parte VI: Causalidade). Ainda outro exemplo de noção modal, é a noção de conteúdo de um pensamento ou de uma proposição; Lewis foi um dos pioneiros da ideia de que uma proposição deveria ser entendida como um conjunto de todos aqueles mundos em que uma frase que expressa essa proposição é verdadeira. (Para mais detalhes veja Lewis 1986b: capítulos 1.2 – 1.6; e Stalnaker 1984: 2 ss.)

Embora impressionante, a teoria de Lewis não atraiu muitos seguidores. Alguns filósofos sugerem uma teoria que poderia ofuscar as vantagens da teoria dos mundos possíveis – fornecer as condições de verdade para as afirmações modais, clarificar a relação entre várias propriedades modais – sem nos comprometer com uma pluralidade de mundos lewisianos concretos. Por razões óbvias Lewis chama a essa perspectiva “realismo modal sucedâneo” ou “sucedanismo”. A ideia básica é que há apenas um mundo de indivíduos concretos, e esse mundo contém entidades que representam, ou correspondem, ao modo pelo qual o mundo poderia ter sido. De acordo com uma versão, as entidades em questão são proposições abstratas. As proposições são os conteúdos de nossas frases e de nossas crenças, e podem ser verdadeiras ou falsas. Tome a proposição de que Agatha Christie foi uma romancista e a proposição de que Agatha Christie foi uma matemática; ambas são entidades abstratas, ambas existem, mas a primeira é verdadeira e a segunda é falsa. Ao invés de seguir Lewis e identificar uma proposição com um conjunto de mundos nos quais uma frase que expressa uma proposição é verdadeira, a perspectiva em questão identifica, ao invés, um mundo possível com um conjunto de proposições: as proposições que seriam verdadeiras se o mundo em questão fosse efetivo. Poderíamos então dizer que um mundo possível onde Agatha Christie é uma matemática é um conjunto de proposições que contém a proposição de que Agatha Christie é uma matemática.

Essa ideia precisa ser elaborada, pois nem todo conjunto de proposições forma um mundo possível. Uma coisa é que o conjunto tem de ser compreensivo: deveria especificar não apenas como as coisas são com Agatha Christie, mas também como as coisas são com tudo mais. Assim, para formar um mundo possível, um conjunto de proposições precisa ser maximal: para qualquer proposição p, ou p ou a sua negação deveriam ser incluídas no conjunto. Além do mais, um conjunto que inclua tanto a proposição de que Agatha Christie nasceu em New York quanto a de que Agatha Christie nasceu em Madri não representa um mundo possível. Porquanto, deveríamos estar certos de que as proposições no conjunto sejam consistentes. A consistência, no entanto, é uma noção modal: proposições são consistentes quando é possível que sejam verdadeiras ao mesmo tempo. Ao contrário da teoria de Lewis, as proposições não podem ser analisadas em termos não-modais. As teorias sucedâneas têm algo a oferecer: podem explicar sobre o que é o discurso acerca de mundos possíveis, e então usam conscientemente os mundos possíveis para clarificar as afirmações modais e para mostrar a forma dos argumentos modais. O que não podem oferecer é uma abordagem redutiva da modalidade: têm de tomar a modalidade como primitiva.

De acordo com essa perspectiva sucedânea, uma vez que reconhecemos que as proposições existem, então os conjuntos delas – os mundos possíveis – existem. Mas são claramente diferentes do nosso mundo familiar de particulares concretos – são mundos sucedâneos. A teoria de Alvin Plantinga (veja Capítulo 26) é uma versão de sucedanismo. Plantinga constrói seus mundos a partir de estados de coisas ao invés de proposições (embora no fim isso possa ser apenas uma variação terminológica da teoria das proposições, uma vez que deixa em aberto a questão de se estados de coisas são o mesmo que proposições ou não). De acordo com a perspectiva de Lewis, todos os mundos – incluindo os mundos não-efetivos – são entidades concretas. Na teoria de Plantinga, por contraste, todos os mundos – incluindo o mundo efetivo – são entidades abstratas. Isso pode soar um tanto desconcertante à primeira vista, pois se entidades abstratas existem fora do espaço e do tempo, como poderia o mundo efetivo ser uma entidade abstrata? Precisamos clarificar a terminologia. Chamemos ao mundo onde vivemos Nosso Mundo. Esse mundo, como dissemos, inclui particulares concretos – nós, átomos, etc. – e, de acordo com aqueles que acreditam em entidades abstratas, inclui também entidades como estados de coisas e proposições. Os filósofos geralmente chamam o Nosso Mundo de mundo efetivo, mas Plantinga usa o termo “efetivo” de maneira diferente. O que ele chama de “mundo efetivo” é apenas uma parte do Nosso Mundo; é uma entidade abstrata, um conjunto de estados de coisas. Os estados de coisas são de dois tipos: alguns são o caso, outros não. Plantinga chama aos estados de coisas que são o caso “efetivos” e àqueles que não são o caso “possíveis”. Ele insiste, no entanto, que tanto os estados de coisas efetivos quanto os possíveis – sendo entidades abstratas – existem do mesmo modo; são parte do Nosso Mundo. (Como veremos, David Armstrong no Capítulo 27 usa o termo “estado de coisas” de maneira de diferente). David Lewis, seguindo a terminologia mais usual, enfatiza isso dizendo que embora os mundos sucedâneos sejam todos efetivos – isto é, como diríamos, parte do Nosso Mundo – há apenas um que é efetivado.

A concepção de Plantinga de efetividade é diferente da de Lewis em pelo menos duas formas. Para Lewis, a efetividade é uma propriedade relativa; cada mundo é efetivo de seu próprio ponto de vista. E nada mais há para a efetividade do que isso. Plantiga, em contraste, pensa que a efetividade é uma propriedade absoluta, que é possuída por apenas um mundo possível. Ademais, Plantinga concordaria que apenas o Nosso Mundo existe; ao passo que Lewis nega isso. Como foi dito, uma vez que o Nosso Mundo é às vezes chamado de mundo efetivo, Plantinga é frequentemente caracterizado como um efetivista: alguém que pensa que a efetividade é uma propriedade absoluta e que tudo que existe é efetivo – isto é, parte do Nosso Mundo. O próprio Plantinga descreve a perspectiva efetivista a qual está comprometido como a tese segundo a qual não há objetos não-existentes (Capítulo 26, §II). Novamente deveríamos ser cuidadosos aqui, uma vez que nesse sentido, Lewis, pelos de acordo com sua própria abordagem, também viria a ser um efetivista – uma vez que acredita que todos os mundos possíveis existem – enquanto que de acordo com a compreensão usual anteriormente mencionada, Lewis se opõe ao efetivismo (veja Lewis 1986: 2.1).

A terceira teoria, representada aqui por David Armstrong (Capítulo 27), é o combinativismo. Armstrong defende o naturalismo, ao qual entende como “a doutrina segundo a qual nada existe exceto o mundo único do espaço e do tempo” (Armstrong 1989: 3). A ontologia de Armstrong é a mais parcimoniosa até agora: exclui a pluralidade de mundos concretos de Lewis e também as entidades abstratas favorecidas pela teoria das proposições e por Plantinga. Na perspectiva de Armstrong, os mundos possíveis são combinações de elementos do mundo efetivo. O mundo contém indivíduos simples e propriedades simples. Apenas quando um objeto simples a tem a propriedade simples F é que a ser F é um estado de coisas atômico. Os estados de coisas de acordo com essa perspectiva não são entidades abstratas; e quando a não é G, então o estado de coisas a sendo G, embora falso, expressa uma possibilidade: a ser G. Qualquer conjunção de tais combinações que faça uso de todos os indivíduos simples e propriedades simples é um mundo possível. Armstrong insiste que ao introduzir estados de coisas possíveis, nenhuma adição à ontologia do espaço-tempo é necessária.

Ao oferecer uma análise combinatória da possibilidade, Armstrong faz aquilo que Lewis fez e que os outros sucedanistas não fizeram: forneceu uma redução da modalidade em termos não-modais. Além disso, a teoria é ontologicamente muito menos dispendiosa do que a de Lewis. No entanto, o sucesso da teoria depende de se ela pode responder duas sérias objeções. Primeiro, a teoria pressupõe que as propriedades simples são independentes umas das outras; pois suponha, contrário a isso, que “N” = “ter carga negativa” e “P” = “ter carga positiva” são propriedades simples; se tivermos uma recombinação ilimitada, então não podemos excluir o mundo possível que tem tanto “a é P” quanto “a é N”. Mas isso não é possível. Se tentarmos limitar as combinações aceitáveis àquelas que são possíveis, então retornarmos para onde os outros sucedanistas estavam: na falta de uma teoria redutiva da modalidade. Temos de pressupor, portanto, que ter uma propriedade simples não é incompatível com ter qualquer outra propriedade simples; e o problema é se essa suposição é plausível. O segundo problema que frequentemente surge na teoria combinativa é que as combinações não permitem mundos possíveis que incluem indivíduos ou propriedades alienígenas – isto é, entidades que não existem neste mundo. (Veja Armstrong 1989a: capítulo 4 para uma discussão desses problemas.)

Finalmente, discorramos um pouco sobre o problema da chamada “identidade transmundana” que emerge das afirmações modais de re. Suponha que queremos dizer que Agatha Christie poderia ter sido uma matemática. De acordo com a teoria dos mundos possíveis isso é verdadeiro se houver um mundo possível onde ela, Agatha Christie, é uma matemática. Isso poderia suscitar a seguinte pergunta: que indivíduo neste mundo é Agatha Christie – de modo que sendo uma matemática torna a afirmação modal verdadeira? Kripke argumenta que essa questão é parcialmente baseada numa confusão: pois o que é importante nas afirmações de re é que precisamente podemos descrever mundos possíveis de maneira a presumir que a resposta a essa pergunta seja dada. Isso, no entanto, é apenas parte de uma teoria sobre a modalidade de re: pois várias teorias sobre mundos possíveis podem concordar que podemos descrever mundos em termos de re, embora possam oferecer respostas diferentes ao problema do que torna afirmações modais de re verdadeiras.

É plausível supor que a Agatha Christie efetiva seja um individuo situado em nosso espaço e tempo. Se essa suposição for aceita, então o rótulo “identidade transmundana” passa a ser algo enganador: pois de acordo com a maior parte das teorias dos mundos possíveis, esse indivíduo efetivo situado no espaço-tempo não pode ser literalmente idêntico a um indivíduo meramente possível. Na teoria de Lewis, os indivíduos meramente possíveis existem em outro espaço e tempo; nenhum deles é idêntico à Agatha Christie efetiva. Lewis pensa que Agatha Christie tem contrapartes em outros mundos possíveis: os indivíduos que se assemelham a ela em vários aspectos. Se uma das contrapartes de Agatha Christie é uma matemática, a afirmação de que Agatha Christie poderia ter sido uma matemática é verdadeira. Nas teorias sucedanistas como a de Plantinga, Agatha Christie existe em outro mundo possível se a proposição ou estado de coisas de que Agatha Christie existe é um membro do conjunto de proposições ou estados de coisas que constituem aquele mundo. Se faz sentido falar da Agatha Christie possível como um indivíduo, esse indivíduo tem de ser uma entidade abstrata; e a Agatha Christie concreta efetiva dificilmente pode ser literalmente idêntica a ela. Finalmente, na perspectiva de Armstrong, os mundos possíveis são recombinações de objetos simples e propriedades simples em estados de coisas possíveis; mas os estados de coisas possíveis não existem, porquanto não há algo existente ao qual a Agatha Christie efetiva possa ser idêntica.

Tim Crane e Katalin Farkas
Metaphysics: A Guide and Anthology, orgs. Tim Crane e Katalin Farkas (Oxford: Oxford University Press, 2004), pp. 301–313.

Referências

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ISSN 1749-8457