Os paradoxos são divertidos. Na maior parte dos casos, são fáceis de enunciar e imediatamente nos instam a tentar “resolvê-los”.
Um dos paradoxos mais difíceis de tratar é também um dos mais fáceis de enunciar: o paradoxo do mentiroso. Uma de suas versões pede-nos que consideremos o homem que diz “o que estou dizendo agora é falso”. É o que ele diz verdadeiro ou falso? O problema é que se ele diz a verdade, está verdadeiramente dizendo que o que diz é falso, dessa forma dizendo uma falsidade. Mas se o que está dizendo é falso, uma vez que isso é apenas o que diz estar fazendo, tem de estar falando a verdade. Assim, se o que diz é falso, é verdadeiro; e se é verdadeiro, é falso. Diz-se que esse paradoxo “atormentou muitos lógicos da antiguidade e causou a morte prematura de pelo menos um deles, Filetas de Cos”. A diversão pode ir longe demais.
Paradoxos são sérios. Ao contrário de quebra-cabeças e problemas, que também são divertidos, os paradoxos levantam sérios problemas. Historicamente, estão associados a crises no pensamento e a avanços revolucionários. Enfrentá-los não é simplesmente jogar um jogo intelectual, mas antes enfrentar questões cruciais. Neste livro, dou conta de alguns paradoxos famosos (e outros não tão famosos) e indico como se poderia responder-lhes. Essas respostas levam a águas ainda mais profundas.
Eis o que entendo que é um paradoxo: uma conclusão aparentemente inaceitável derivada por meio de um raciocínio aparentemente aceitável que parte de premissas aparentemente aceitáveis. As aparências têm de ser enganadoras, uma vez que o aceitável não pode conduzir por passos aceitáveis ao inaceitável. Geralmente, então, temos uma escolha a fazer: ou a conclusão não é realmente inaceitável ou o ponto de partida ou o raciocínio tem alguma falha que não é óbvia.
Os paradoxos ocorrem em graus, dependendo de quão bem a aparência camufla a realidade. Finjamos que podemos representar quão paradoxal algo é numa escala com dez pontos. Damos 1 à extremidade da escala mais fraca ou superficial; à extremidade cataclísmica, morada de paradoxos que afetam sismicamente uma vasta região do pensamento, damos 10. Servindo como indicador para aquilo que demos 1 está o chamado paradoxo do barbeiro: numa remota povoação siciliana, acessível subindo uma longa e íngreme estrada de montanha, o barbeiro faz a barba de todos e apenas daqueles moradores que não barbeiam a si próprios. Quem barbeia o próprio barbeiro? Se ele mesmo o faz, então não o faz (uma vez que barbeia apenas aqueles que não barbeiam a si próprios); mas se não o faz, então de fato o faz (uma vez que barbeia todos aqueles que não barbeiam a si próprios). A suposição inaceitável é a de que exista tal barbeiro — que se barbeia a si mesmo se, e somente se, não se barbeia a si mesmo. A história pode ter soado aceitável: fez-nos dar atenção, agradavelmente, às montanhas do interior da Sicília. No entanto, quando vemos as conseqüências, percebemos que o relato não pode ser verdade: não pode haver tal barbeiro ou tal povoação. É inaceitável. Este não é um paradoxo muito profundo porque o fato de ser inaceitável é sutilmente disfarçado pelas montanhas e pelo lugar remoto.
No outro extremo da escala, o ponto que denominamos 10, coloco o paradoxo do mentiroso. Parece o mínimo que devemos à memória de Filetas.
Quando mais profundo o paradoxo, mais controversa é a questão de como se deve responder-lhe. Quase todos os paradoxos que discuto nos capítulos seguintes ficam com 6 ou mais na escala, de modo que são realmente sérios. (É defensável que alguns paradoxos do capítulo 2 e do apêndice ficam mais abaixo na escala.) Isso significa que há uma grave e não resolvida discordância sobre como lidar com eles. Em muitos casos, mas certamente não em todos (não, por exemplo, no caso do paradoxo do mentiroso), tenho uma perspectiva definida; mas devo enfatizar que, embora naturalmente pense que minha própria perspectiva está correta, gente maior do que eu tem sustentado perspectivas diametralmente opostas às minhas. Para ter uma idéia de como algumas dessas questões são controversas, sugiro examinar as sugestões de leitura adicional no fim dos capítulos.
Alguns paradoxos agrupam-se naturalmente por assunto. Os paradoxos de Zenão discutidos formam um grupo porque todos lidam com espaço, tempo e infinito. Os paradoxos do capítulo 4 formam um grupo porque incidem sobre a noção de ação racional. Alguns agrupamentos são controversos. Russell, por exemplo, agrupou o paradoxo sobre classes com o paradoxo do mentiroso. Ramsey, na década de 1920, argumentou que esse agrupamento ocultava uma diferença significativa. Mais recentemente, tem-se argumentado que Russell estava mais próximo da verdade do que Ramsey.
Comparei alguns dos paradoxos aqui tratados num único capítulo, mas não fiz qualquer tentativa de delinear padrões mais vastos. De qualquer maneira, é discutível que haja tais padrões, ou mesmo que os paradoxos sejam todos sinais de uma só “falha cognitiva principal”. Esta última afirmação foi engenhosamente discutida por Roy Sorensen (1988).
Nas caixas, ao longo do texto, podemos encontrar perguntas. Espero que atentar nelas dê prazer ao leitor e o incitem a desenvolver alguns dos temas presentes no texto. As perguntas com asterisco são referidas no apêndice II, onde insisto em algo que pode ser relevante para uma resposta.
Sinto que o capítulo mais difícil é o 6, mas pode muito bem ser deixado para o fim. O primeiro e o segundo são provavelmente os mais fáceis. A ordem dos outros é arbitrária. O 7 não introduz um paradoxo; antes examina o pressuposto, feito nos capítulos anteriores, de que todas as contradições são inaceitáveis. Penso que este capítulo não faria muito sentido para alguém totalmente alheio aos tópicos discutidos no capítulo 6.
Enfrento um dilema: considero que um é livro desapontador quando o autor não expõe as suas próprias crenças. O que o impede de dizer e argumentar em favor do que pensa ser a verdade? Eu não poderia me restringir dessa maneira. Por outro lado, não gostaria que alguém acreditasse no que digo sem primeiro considerar cuidadosamente as alternativas. Assim tenho de oferecer um conselho um tanto paradoxal: seja muito cético quanto às “soluções” propostas; elas são, penso eu, corretas.
Há hoje vários livros excelentes que lidam com vários paradoxos, em particular Nicholas Rescher (2001), Paradoxes: Their Roots, Range and Resolution e Roy Sorensen (2003), A Brief History of the Paradox: Philosophy and the Labyrinths of the Mind.