Seria fácil pensar que a ética é uma área na qual, desde a antiguidade, os proponentes de ideias opostas se têm ocupado de disputas sem fim sem perspectivas de solução. Afinal de contas, não é verdade que cada cultura tem a sua própria tradição ética, irremediavelmente oposta a todas as outras? E mesmo nos estreitos limites da ética filosófica ocidental, não é verdade que há diferenças irreconciliáveis sobre o que é um bem, ou sobre o que é obrigatório? Pior ainda: os filósofos não conseguem sequer concordar sobre o que estamos a fazer quando fazemos tais juízos éticos — estamos a descrever um certo tipo de realidade moral, a expressar as nossas atitudes ou a prescrever o que fazer?
O índice deste Companion to Ethics pode parecer que confirma esta ideia. Eis o que poderia ser um sumário rápido: na primeira parte, vimos quão pouco sabemos sobre as origens da ética, como a ética em pequenas sociedades assume formas muito diferentes das que assume na nossa sociedade, e como os mais antigos escritos éticos já reflectiam uma diversidade de perspectivas sobre como viver a vida. É então que olhámos para as grandes tradições éticas; e encontramos divergência de opinião não apenas entre tradições diferentes, mas até no seio de cada tradição. A história da ética filosófica ocidental mostra que, dos mais antigos pensadores gregos aos dias de hoje, há velhas posições filosóficas que vêm regularmente à superfície, e há velhas batalhas que tiveram de voltar a ser enfrentadas em termos mais modernos. Quando, na parte IV, o volume passa do passado para o presente, são-nos apresentadas muitas teorias sobre como devemos viver, e sobre a natureza da ética — todas elas plausíveis, mas discordando todas elas das outras abordagens. Dado que concluímos o volume com um conjunto de desafios à viabilidade da própria actividade da reflexão ética, iremos sem dúvida fechar o livro num penoso estado de confusão, sem saber o que pensar sobre qualquer das perspectivas.
Contudo, agora que termino a organização deste volume, fico com uma impressão bastante diferente. Se a ética é um quebra-cabeças, então chegámos agora ao estádio em que temos todas as peças à nossa disposição e estamos a começar a ver o aspecto da imagem geral. Pois a ética não é uma série sem sentido de coisas diferentes para pessoas diferentes em diferentes lugares e diferentes momentos históricos. Pelo contrário, contra um pano de fundo de abordagens histórica e culturalmente diversificadas ao problema de saber como devemos viver, o grau de convergência é surpreendente. A natureza humana tem as suas constantes e só há um número limitado de maneiras de vivermos e prosperarmos em conjunto; na verdade, como o primeiro ensaio deste volume defendeu, algumas das características que são comuns à natureza dos seres humanos de diferentes sociedades são comuns à natureza de quaisquer mamíferos longevos, inteligentes e sociais, essas características reflectem-se no nosso comportamento, tal como se reflectem no comportamento de outros primatas.
Assim, é muito provável que o que se encara como uma virtude numa sociedade ou tradição religiosa seja encarado como uma virtude noutras; sem dúvida que o conjunto de virtudes enaltecidas numa das grandes tradições nunca constituem uma parte substancial do conjunto de vícios de outra das grandes tradições. (As excepções têm tendência para ter uma vida curta, sociedades que se encontram em processo de decadência ou autodestruição.) Além disso, podemos observar em cada tradição as mesmas marés oscilantes: períodos em que se dá ênfase ao cumprimento de deveres, obrigações e papéis convencionais; depois surge um grande reformador, insistindo que caímos demasiado na obediência a regras, tornando-nos tão convencionais no nosso modo de pensar e agir que esquecemos os maiores bens que justificam as próprias convenções morais. Assim, Buda sublinhou a eliminação do eu em detrimento da observância dos rituais hindus do seu tempo, tal como Mo Tsé defendeu que devíamos seguir o amor universal e não os deveres particulares especificados pelo confucionismo, e tal como Jesus ensinou que o amor de Deus e do próximo era mais importante do que seguir a letra da lei judaica prevalecente.
É verdade que esta oscilação pode ser encarada como não sendo senão um conflito recorrente e insolúvel entre uma ética baseada em regras e uma ética baseada em consequências — um conflito que, como os artigos da parte IV mostram, está ainda presente de forma bastante forte na ética contemporânea. Mas podemos também ver estas duas perspectivas da ética como aspectos não elimináveis de uma elucidação completa da natureza da ética. Qualquer tentativa de explicar ou compreender o fenómeno da ética tem de dar a cada uma dessas tendências o seu lugar adequado; e apesar de ser verdade que uma tal explicação da ética não iria em si justificar qualquer teoria ética particular que tenta responder ao problema de saber como devemos viver, uma melhor compreensão da natureza da ética facilitar-nos-ia pelo menos a tarefa de ver que tipo de resposta esse problema precisa de ter.
As aplicações da teoria ética a questões práticas, na parte V, exibem discordâncias no que respeita a muitos pontos específicos, mas partilham um pressuposto implícito: o de que mesmo as questões mais difíceis da ética prática são susceptíveis de serem discutidas e defendidas com argumentos. De acordo com pelo menos algumas perspectivas quanto à natureza da ética, o raciocínio sobre a ética não apresenta mais resultados do que o raciocínio quanto a questões de gosto. Todavia, poderá alguém dizer que os argumentos dos artigos desta secção em geral — não aqui e ali em aspectos específicos, mas sistematicamente como um todo — não conseguem apresentar um progresso em direcção ao objectivo de alcançar conclusões melhor fundamentadas sobre a pobreza no mundo, o ambiente, a eutanásia, o aborto e todos os outros temas abrangidos por esta parte do livro? Tenho uma perspectiva muito mais positiva dos resultados da ética aplicada; uma perspectiva que reconhece que podemos concordar quanto a alguns padrões do que são bons e maus raciocínios em ética, tal como acontece noutras áreas da vida intelectual. Penso que os ensaios da parte IV sustentam esta perspectiva.
Contudo, foi ao ler a Parte VI, sobre a natureza da ética, que me fiquei mais surpreendido ao verificar até que ponto autores que partem de pressupostos muito diferentes parecem caminhar na mesma direcção. Considere-se as implicações do seguinte conjunto de artigos: para Michael Smith, que defende uma perspectiva realista da ética, o tipo de realidade moral objectiva que pode ser consistente com a natureza da ética (que consiste em guiar a nossa acção) não se encontra num qualquer conjunto de factos esquisitos sobre o universo, mas nas razões para agir que aceitaríamos se estivéssemos a raciocinar sob certas condições idealizadas. A objectividade da moral consiste então na possibilidade de que se todos estivéssemos a raciocinar sob tais condições, chegaríamos às mesmas conclusões. Jonathan Dancy, ao escrever sobre o intuicionismo, outra perspectiva realista ou objectivista sobre a ética, nega que a intuição forneça um meio para percepcionar factos morais. Ao invés, Dancy estabelece a versão mais plausível do intuicionismo, encarando os “factos” morais como razões reconhecidas no exercício do nosso juízo prático. James Rachels aborda estas questões a partir da direcção contrária. Rachels começa por uma elucidação subjectivista da ética que faz dos sentimentos de aprovação a base do juízo ético. Todavia, Rachels acha insatisfatória esta e outras versões sucessivamente mais refinadas do subjectivismo ético, pois não deixam espaço suficiente para a discordância e a argumentação racional sobre questões éticas. Na tentativa final de Rachels para conseguir uma formulação adequada do subjectivismo, os nossos sentimentos individuais de aprovação estão de tal modo constrangidos por requisitos de imparcialidade e razoabilidade que o resultado dificilmente se distingue da noção objectiva de razões para a acção alcançada por Smith e Dancy. Além disso, como o próprio Rachels faz notar, esta conclusão é, em aspectos importantes, semelhante à do prescritivismo universal, a teoria ética proposta por R. M. Hare, que exige que executemos o nosso raciocínio moral sob a condição da universalizabilidade. O próprio Hare, no seu artigo sobre o prescritivismo universal, defende que esta condição pode ser suficiente para nos levar a concordar com conclusões sobre a acção, conclusões baseadas num método de raciocínio defendido não apenas pelos utilitaristas e por Kant, mas também pela “Regra de Ouro” — regra que, como os artigos da parte II mostraram, é central em várias das grandes tradições éticas.
Admito que coloquei a par, selectivamente, temas comuns. As conclusões dos artigos sobre o naturalismo e o relativismo não se encaixam tão bem com as conclusões dos outros artigos da parte VI; mas, ao mesmo tempo, as suas conclusões não são estritamente incompatíveis com a abordagem comum que identifiquei. Para defender esta abordagem comum contra alguns dos desafios mais radicais levantados nos artigos da parte VII seria necessário mostrar que podemos responder ou acomodar esses desafios se tivermos uma perspectiva da moralidade que se baseie no núcleo comum. A questão de saber se isso se pode fazer não é algo que se possa responder aqui; mas acho que as perspectivas são encorajadoras. Continuo a pensar que o quebra-cabeças da ética começa ficar resolvido e que faltam poucas peças — se é que faltam algumas.